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HISTÓRIAS E LENDAS DE GUARUJÁ - BARRA GRANDE
Um vento vermelho na capela da fortaleza (1)

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Unindo patrimônios histórico e artístico, numa simbiose entre passado, presente e futuro, um painel abstracionista de Manabu Mabe surge no interior de uma centenária fortaleza, surpreendendo por sua atualidade os visitantes que ali talvez esperassem encontrar um altar.

O mosaico Vento Vermelho, criado em 1997 e última obra desse artista, com 20 metros quadrados, pode ser visto por quem percorre a Fortaleza da Barra Grande de Santos. Em formato estilizado, representa figuras como um pavão, uma caravela, uma santa, um cavaleiro de armadura sobre sua soberba montaria, uma foca, uma porta-estandarte de escola de samba com sua bandeira e outros elementos culturais relativos à ambientação do forte e à cultura regional.


Manabu Mabe e um de seus quadros, no Rio de Janeiro, ao completar 60 anos de idade
Foto: Lewy Moraes, em 13 de setembro de 1984

Ainda quando o painel estava sendo projetado para a fortaleza, a Universidade Católica de Santos (Unisantos) produziu um folheto explicativo sobre a obra, em abril de 1998, informando ainda que o projeto de restauração foi de Antonio Luiz Dias de Andrade e Victor Hugo Mori e a execução do mural ficou a cargo do Atelier Artístico Sarasá:


"Vento vermelho", de Manabu Mabe
Foto publicada com o texto

Vento Vermelho

Um mural para a capela de Sto. Amaro da Barra Grande

Um dia, recebemos do IPHAN uma solicitação especial: Mabe foi convidado para produzir uma obra para a parede de fundo da Capela de Santo Amaro na Fortaleza da Barra Grande, há mais de quatrocentos anos assinalando a entrada do Porto de Santos, junto ao Canal da Barra. Sentimos imensa alegria em compartilhar deste projeto com o IPHAN.

Recordo-me da visita ao local, da chegada à cidade de Santos e da travessia de barco que durou cerca de dez minutos até o ancoradouro. Caminhamos pela escadaria de pedras, olhamos ao redor: a natureza é generosa e a vista maravilhosa.

Finalmente chegamos ao local, muito maior do que havíamos imaginado. Durante toda a visita, as informações sobre o monumento nos iam sendo relatadas. Dentre elas, uma em especial nos chamou a atenção: as grossas paredes desnudas foram construídas com cal de conchas e pedras. Chegamos respeitosamente a tocá-las, pois eram de uma beleza inigualável.

Percorremos todos os meandros e caminhos e por fim entramos na Capela. Abrigados pelas históricas paredes, sentimos a brisa fresca entrando pela única janela e apreciamos a vista deslumbrante do mar. O ambiente era perfeito. Mabe gostou muito e logo começou a conceber o quadro que iria produzir, confidenciando-me: "eu me empenharei muito para poder deixar minha obra neste lugar tão maravilhoso".

Mabe não mais retornaria à capela. Porém a sua obra deverá fazer parte deste lindo cenário para sempre.

Desejo, de coração, que este mural, dignamente concebido por Mabe, possa ser apreciado por inúmeras pessoas e, assim como ele, transmita a alegria de viver.

02/04/98
Yoshino Mabe


Foto publicada com o texto

O canto do cisne do velho mestre

A restauração da Fortaleza da Barra Grande empreendida pelo IPHAN, com amplo apoio de entidades da Baixada Santista, permite-nos hoje vislumbrar a verdadeira dimensão de sua presença histórica na entrada do porto de Santos. Do severo maneirismo do primeiro século, passando pela sinuosidade do barroco denunciado no portal da cortadura e na fachada da capela, até as arcadas ecléticas do alpendre do quartel, o monumento sintetiza a evolução do gosto estético no Brasil até o fim do século XIX.

Como o restauro é um processo crítico de releitura do monumento, ganhou corpo a idéia de introduzir a marca da contemporaneidade na história da antiga fortaleza, não como imitação do passado, mas como contribuição artística que simbolizasse a sua nova função social. Pensamos nos vitrais modernos de Chagall e Soulages em igrejas medievais, na belíssima pintura contemporânea do teto da Ópera Garnier de Paris, iniciando assim a escolha de uma linguagem artística que valorizasse a arquitetura da antiga Casa de Pólvora convertida em Capela em 1742.

Neste espaço interno retangular despojado de ornamentos, imaginamos ocupar toda a parede do fundo com um amplo mural artístico de 20 m² de área. Tínhamos dois desafios a enfrentar para a execução da proposta: encontrar um artista brasileiro internacionalmente reconhecido na arte dos grandes espaços pictóricos, e a tradicional falta de recursos financeiros.

Um espaço destinado à meditação, contemplação e musica induzia-nos quase a imaginar no mural uma composição mabeana. Um sobrenome, quando instintivamente transformado em adjetivo, passa a conotar um estilo e a caracterizar um mestre. Assim, em 21/03/97 convidamos Manabu Mabe, maestro da cor e dos amplos espaços, autor do mural para OEA em Washington e do pano de palco do Teatro de Kumamoto com 200 m², entre tantas outras obras, a conhecer a Fortaleza da Barra.

O velho mestre, ainda enfraquecido pela cirurgia de transplante que havia sofrido, aceitou o convite e ao atravessar de barco o Canal da Barra na entrada do porto, foi tomado de um entusiasmo juvenil diante deste monumento.

Aquelas seculares muralhas, antes que a densa urbanização ocupasse a orla marítima depois da Segunda Guerra, representavam o primeiro marco que se avistava para quem chegava ao Porto de Santos - o início do Brasil.

As lembranças quase adormecidas do dia 02/10/1934, a ingenuidade dos dez anos de idade, o convés do La Plata Maru, o contato com a nova terra cuja nacionalidade posteriormente abraçou, motivaram o entusiasmo de Mabe, que prontamente ofereceu sua arte como gratidão ao país que o acolheu, no local onde inúmeros corsários, marinheiros, viajantes e imigrantes que como ele ali aportaram.

Manabu Mabe concluiu o estudo do painel em mosaico para a Capela de Santo Amaro, pouco antes de falecer em setembro passado: sobre um fundo escuro, penumbra para meditação, surge uma mancha iluminada, vento vermelho, rasgando o fundo negro da esquerda para a direita, seguindo a luz e a brisa natural que entra pela única janela do ambiente, dissipando-se à direita em cores e grafismos mabeanos, é "a linguagem da cor parecendo linguagem musical" conforme definiu P. M. Bardi (N.E.: Pietro Maria Bardi, então curador do Museu de Arte de São Paulo - MASP).

Esta música a cores foi o "canto do cisne" do velho maestro Manabu Mabe, sua última grande obra legada a todos - Patrimônio Histórico Nacional.


Mabe e o "Vento vermelho"
Imagem montada, publicada com o texto

Um monumento multicultural

Iniciada ainda no século do descobrimento do Brasil, a Fortaleza da Barra Grande representa, em seus quatro séculos de história, as complexas relações do Brasil com o mercado internacional.

A invasão da Vila de Santos em 1581 pelo corsário inglês Edward Fenton motivou a construção da Fortaleza projetada pelo engenheiro genovês Giovanni Baptista Antonelli, sob ordens do almirante espanhol Diogo Flores Valdez. A unificação das coroas de Portugal e Espanha por Felipe II em 1580 e o conflito entre este e a Inglaterra, em parte representam a gênese deste monumento militar.

Praticamente inativa no século XVII com o deslocamento dos conflitos internacionais para a região caribenha, a Fortaleza foi radicalmente reformada e ampliada no início do século XVIII, pelo engenheiro militar francês Jean Massé a serviço da coroa portuguesa, sob a égide da descoberta do ouro em Minas e Goiás pelos paulistas. Ao contrário das fortificações projetadas sob os rígidos esquemas geométricos, divulgados pelos tratadistas militares a partir da Renascença, a da Barra Grande se acomoda na topografia acidentada do sítio à semelhança das implantações medievais.

A Capela de Santo Amaro da Barra Grande, com sua fachada barroca, foi construída em 1742, projetada pelo Brigadeiro Silva Paes aproveitando as instalações da antiga Casa de Pólvora - um depósito de armamentos e munições convertido em espaço de meditação. Foi reformada indevidamente na década de 50 deste século (N.E.: século XX), quando acrescentaram piso de ladrilho, telhado com tesouras e azulejos imitando igrejas nordestinas. Em 1990 encontrava-se arruinada, restando apenas o arcabouço das paredes perimetrais.

As obras de restauração em andamento, executadas pelo IPHAN (N. E.: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) com a colaboração da Unisantos, recuperaram a unidade formal da capela, com piso e caixilharia de madeira, forro em gamela, telhado assentado sobre caibro armado, além dos elementos decorativos da fachada.

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