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Debret e o Natal brasileiro

Na sua inúmeras vezes republicada Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (Voyage pittoresque et historique au Brésil), Jean Baptiste Debret por duas vezes se referiu às tradições natalinas brasileiras, ao tempo do império de D. Pedro I, período em que esse pesquisador francês freqüentou as Cortes cariocas e fez diversas viagens de estudos pelo País. São estes os trechos de sua narrativa, com as respectivas pranchas das imagens descritas:

Prancha 7: Mulatas a caminho do sítio para as festas de Natal

Ilustração: Jean Baptiste Debret

Prancha 7

Mulata a caminho do sítio para as festas de Natal

As festas do Natal e da Páscoa, sempre favorecidas no Brasil por um tempo magnífico, constituem épocas de divertimentos tanto mais generalizados quanto provocam mais de uma semana de interrupção no trabalho das administrações e nos negócios do comércio; o descanso é igualmente aproveitado pela classe média e pela classe alta, isto é, a dos diretores de repartições e dos ricos negociantes, todos proprietários rurais e interessados, portanto, em fazer essa excursão em visita às suas usinas de açúcar ou plantações de café, a sete ou oito léguas da capital.

Quanto aos artífices, reunidos na casa de seus parentes ou amigos, proprietários de sítios vizinhos da cidade, aproveitam essas festas para gozar em liberdade os prazeres que essas curtas e pouco dispendiosas excursões lhes permitem. Basta-lhes, com efeito, mandar levar sua esteira e sua roupa pelo seu escravo. À noite, à hora de dormir, as esteiras desenroladas no chão, cada qual com seu pequeno travesseiro, formam leitos de emergência, distribuídos pelas três ou quatro salas do rés-do-chão, que constituem uma residência desse tipo.

No dia seguinte, ao romper do dia, ergue-se o acampamento, e os mais ativos se separam para ir passear ou banhar-se nos pequenos rios que descem das montanhas vizinhas. O exercício da manhã abre o apetite; volta-se para almoçar, mas inventam-se divertimentos mais tranqüilos para o momento do sol forte, até uma hora da tarde, quando se janta. Das quatro às sete dorme-se e, depois da ave-maria, dança-se durante toda a noite ao som do violão. Deliciosos momentos de fresca, empregados pelos velhos na narrativa de suas aventuras do passado e pelos moços em dar origem a alguns episódios felizes, cuja recordação encantará um dia a sua velhice.

Este ligeiro esboço dá entretanto apenas uma pobre idéia das brilhantes recepções realizadas na mesma época nas imensas propriedades dos ricos, que, por vaidade, reúnem numerosa sociedade, tendo o cuidado de convidar poetas sempre dispostos a improvisar lindas quadrinhas e músicos encarregados de deleitar as senhoras com suas modinhazinhas. Os donos da casa também escolhem, por sua vez, alguns amigos distintos, conselheiros acatados do proprietário na exploração da fazenda, que visitam demoradamente com ele, ao passo que, ao contrário, os jovens convidados, ágeis e turbulentos, entregam-se a essa louca alegria sempre tolerada do interior.

Aí, todos os dias começam, para os homens, com uma caçada, uma pescaria ou um passeio a cavalo; as mulheres ocupam-se de sua toalete para o almoço das dez horas. À uma hora todos se reúnem e se põem à mesa; depois de saborear, durante quatro a cinco horas, com vinhos do Porto, Madeira ou Tenerife, as diferentes espécies de aves, caça, peixes e répteis da região, passam aos vinhos mais finos da Europa. Então o champanha estimula o poeta, anima o músico, e os prazeres da mesa confundem-se com os do espírito, através do perfume do café e dos licores. A reunião prossegue em torno das mesas de jogo; à meia-noite serve-se o chá, depois do qual cada um se retira para o seu aposento, onde não é raro deparar com móveis, perfeitamente conservados, de fins do século de Luís XIV.

No dia seguinte, para variar, vai-se visitar um amigo numa propriedade mais afastada; tais cortesias aumentam ainda os prazeres dessa semana, que sempre parece curta demais. Alguns amigos íntimos, que dispõem de seu tempo, ficam com a dona da casa, cuja estada se prolonga durante mais de seis semanas ainda, em geral, depois do que todos tornam a encontrar-se na cidade.

A mulata representada aqui é da classe dos artífices abastados. Sua filhinha abre a marcha conduzindo pela mão um negrinho, bode expiatório a seu serviço particular; vem em seguida a pesada mulata, em lindo traje de viagem, que se dirige a pé para o sítio situado num dos arrabaldes da cidade; a negra criada de quarto a acompanha carregando o pássaro predileto. A mulata contenta-se com uma criada de quarto preta a fim de não comprometer a própria cor. Vem logo depois da primeira negra de serviço, com o gongá, cesto em que se coloca a roupa-branca. A terceira negra carrega o leito da senhora, elegante travesseiro enrolado numa esteira de Angola (bastante bem imitada na Bahia). A quarta, encarregada de trabalhos grosseiros, lavadeira quase sempre grávida, carrega os trastes das outras companheiras; e a negra nova acompanha humildemente o cortejo, carregando a provisão de café torrado e a coberta de algodão com que se envolve à noite para dormir.

Prancha 25: Presentes de Natal

Ilustração: Jean Baptiste Debret

Prancha 25

Presentes de Natal

Dão-se presentes no Brasil especialmente por ocasião das festas de Natal, de 1º do Ano e de Reis. No dia de Natal e no dia de Reis, sobretudo, são de rigor os presentes de comestíveis, caça, aves, leitões, doces, compotas, licores, vinhos etc. Costuma-se renovar na mesma época a roupa dos escravos, o que leva a conceder, em geral, gratificações aos subalternos.

Entretanto, entre as pessoas de bem, os presentes de um gosto mais apurado são mandados em bandejas de prata com toalhas de musselina muito finas, pregueadas com arte e presas com laços de fitas cuja cor é sempre interpretativa, linguagem erótica complicada pela adição engenhosamente combinada de algumas flores inocentes.

A véspera do dia de Reis é igualmente festejada. Com efeito, grupos de músicos organizam serenatas debaixo do balcão de seus amigos, os quais, em troca, os convidam a subir para tomar algum refresco e continuar o concerto no salão até de madrugada.

Para a classe inferior, composta de mulatos e negros livres, essa noite constitui um carnaval improvisado; fantasiados, em pequenos grupos escoltados por músicos, percorrem as ruas da cidade e, quando a noite é bela, prolongam sua excursão pelos arrabaldes, onde acabam entrando numa venda e aí ficando até o nascer da aurora. Outros, ao contrário, preferem organizar pequenos salões de baile, onde se divertem ruidosamente, dançando uma espécie de lundu, pantomima indecente que provoca os alegres aplausos dos espectadores, durante toda a noite.

Eis no que se transformou no Brasil o aniversário da visita dos Reis Magos.

O desenho representa a entrega de dois presentes de importância diversa: o primeiro, carregado por três negros entrando por um portão, traz a carta de congratulações entre as garrafas de vinho do Porto; a apresentação do segundo, mais modesto e talvez galante, é confiada à inteligência da negra encarregada de entregá-lo num humilde rés-de-chão.

A cena se passa perto do Jardim Público, cujo muro, que dá em parte para o Largo do Convento da Ajuda e em parte para o mar, se percebe ao longe.