Clique aqui para voltar à página inicialESPECIAL: Inconfidência mineira
http://www.novomilenio.inf.br/festas/mineira1.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/04/03 10:13:39

Clique aqui para voltar à página inicial

Um pedido aos EUA

Leva para a página anterior da série

Foram muitas as dificuldades enfrentadas pelos inconfidentes, a começar pela falta de efetivo apoio estrangeiro para suas pretensões de independência. Essa busca é relatada por Caio Prado Júnior, em sua obra Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia (Publifolha/Ed. Brasiliense, São Paulo/SP, 2000, páginas 373 a 374):

(...) É depois da independência das colônias inglesas da América do Norte (1776), e claramente por inspiração dela, que se começa a cogitar nas rodas brasileiras do exterior em imitar-lhes o exemplo. Um estudante brasileiro de Montpellier (França), onde era grande a colônia, Joaquim José da Maia, escreve sobre o assunto a Jefferson, então embaixador da União Americana em Paris, pedindo o auxílio do seu país para a Independência do Brasil, chega mesmo a entrevistar-se com ele. Mas a coisa não teve maior andamento.

Outros dois estudantes, José Tavares Maciel e Domingos Vidal de Barbosa, este último também de Montpellier, levaram suas conversas e discussões mais longe, pois de volta ao Brasil participaram da Inconfidência Mineira, tendo sido o primeiro, com toda probabilidade, quem forneceu a Tiradentes o material ideológico de que o ardente alferes se utilizaria para colorir e enfeitar a conspiração e projetada revolta.

Nesta, bem como na chamada Inconfidência da Bahia (1798), talvez menos na última, e possivelmente também naqueles conluios do Rio de Janeiro em 1794 - de que resultou a prisão, entre outros, de Mariano José Pereira da Fonseca, futuro Marquês de Maricá e único moralista que as letras tiveram até hoje -, a idéia da separação teve, como se sabe, bastante relevo.

Falou-se aí claramente do estabelecimento no Brasil de um regime político independente da metrópole. Mas este pensamento nunca saiu de pequenas rodas e conciliábulos secretos. Nem mesmo entre os espíritos mais esclarecidos da colônia tratava-se de uma idéia generalizada. Pelo contrário, muitos poucos, excepcionais mesmo eram aqueles que, mesmo admitindo a necessidade de reformas e batendo-se por elas, levavam sua opinião a extremos revolucionários.

Até às vésperas da Independência, e entre aqueles mesmos que seriam seus principais fautores, nada havia que indicasse um pensamento separatista claro e definido. O próprio José Bonifácio, que seria o Patriarca da Independência, o foi apesar dele mesmo, pois sua idéia sempre fora unicamente a de uma monarquia dual, uma espécie de federação luso-brasileira.

Um dos episódios acima citados, o do estudante de Montpellier, foi relatado em mais detalhe por Oliveira Lima, em suas conferências na universidade Sorbonne (Paris, França), em 1911, transformadas depois no livro Formação Histórica da Nacionalidade Brasileira (Publifolha/Top Books, 3ª edição, São Paulo/SP, 2000, páginas 124 a 127):

Há na história da conspiração de Minas Gerais um episódio interessante, e que dá a medida da influência exercida em nosso meio - o meio social onde as idéias de liberdade fermentavam - pela organização autônoma dos Estados Unidos. Um estudante brasileiro da Universidade de Montpellier, de nome Maia, ligado de alma e de corpo aos revolucionários em embrião seus conterrâneos, procurou interessar no grande plano que eles ruminavam o ilustre democrata Thomas Jefferson e obter por seu intermédio o apoio da República recentemente nascida na América do Norte.

Maia dirigiu, neste sentido, a carta que a correspondência de Jefferson, repetidamente editada nos Estados Unidos, reproduz na íntegra numa comunicação de Marselha, datada de 4 de maio de 1787 e enviada por ele ao secretário de Estado John Jay.

Vou lê-la, não porque seja seu estilo impecável, nem a eloqüência de seus acentos digna de um Mirabeau, mas porque em sua incorreção, quero dizer, no seu desajeitamento e na sua ênfase, aliás bem no século, contém anotações que traduzem bem o estado de alma da colônia, de seu elemento cultivado, pelo menos:

"Sou brasileiro, e vós sabeis que minha desgraçada pátria sofre uma terrível escravidão que se torna cada dia mais insuportável, desde a época de vossa gloriosa independência, pois que os bárbaros portugueses não poupam nada para nos fazer infelizes, com receio de que sigamos os vossos passos.

E como sabemos que esses usurpadores, contra a lei da natureza e da humanidade, não pensam senão em nos abater, decidimo-nos a seguir o admirável exemplo que acabais de nos dar, e por conseqüência a quebrar nossas cadeias e fazer reviver nossa liberdade que está inteiramente morta e abatida pela força que é o único direito que têm os europeus sobre a América.

Trata-se, porém, de ter uma potência que dê a mão aos brasileiros, na certeza de que a Espanha não deixará de juntar-se a Portugal, e, não obstante as vantagens de que dispomos para defendermo-nos, não poderemos fazê-lo, ou, pelo menos, não será prudente arriscarmo-nos, sem estarmos certos de vencer.

Isto posto, Senhor, é vossa nação que consideramos mais própria para nos prestar socorro, não só por ter sido ela que nos deu o exemplo, mas também porque a natureza nos fez habitantes do mesmo continente e, por conseqüência, de alguma maneira, compatriotas. De nossa parte, estamos prontos a dar todo o dinheiro que for necessário, e a provar em todo tempo o nosso reconhecimento para com os nossos benfeitores (sic).

Senhor, eis aí, pouco mais ou menos, o resumo de minhas intenções, e foi para desobrigar-me desse encargo que vim à França, pois não poderia ir à América sem fazer nascer suspeitas da parte daqueles que disso soubessem. Cabe a vós agora julgar dessas minhas intenções, se são admissíveis, e caso quiserdes consultar a este respeito a vossa nação, estou em condições de vos dar todas as informações que achardes necessárias.

Montpellier, 21 de novembro".

O encontro solicitado por Maia teve lugar no anfiteatro romano em Nimes, e a linguagem despretensiosa das cartas daquele que ocupava então o posto de ministro dos Estados Unidos em Paris não pode nos dar senão uma idéia bem pálida da conversação. Precisaria todo o colorido da prosa magnífica de Chateaubriand, as tonalidades de Atala ou do Itinerário, para dar a impressão da conversa, que teve lugar numa tépida noite da primavera da Provença, iluminada de luar e perfumada de rosmaninho, entre o ardente cidadão da Virgínia, obedecendo a uma serenidade voluntária, e o brasileiro ingênuo e cheio de ardor patriótico.

Jefferson era certamente um idealista, mas seu idealismo religioso tinha por expressão a moral e por contrapeso o utilitarismo: não revelava, como o de Chateaubriand, a preocupação da beleza.

Maia confessou a Jefferson que a revolução era principalmente desejada pelos homens de letras, porém que a oposição seria mais ou menos nula, pois o grosso das tropas era composto de brasileiros, somente metade dos oficiais eram portugueses, bem poucos entre eles fortes em ciência militar, e quase todos bastante indiferentes à forma de governo.

Disse que os nobres eram despidos de senso aristocrático, os padres não tinham autoridade sobre as classes populares, os escravos estavam dispostos a acompanhar seus senhores. O hábito de caçar parecia garantir que a gente do povo saberia servir-se das armas de fogo que possuía.

O que faltava sobretudo era um chefe, alguém que se pusesse à frente do movimento, e para fazê-lo aparecer era necessário contar com o apoio de uma grande nação como os Estados Unidos, que pudesse fornecer armas aos revolucionários, munições, soldados e comandantes, assim como as provisões que faltavam aos brasileiros: trigo e bacalhau, tudo pago a dinheiro ou, mais precisamente, pago em ouro à vista, ouro que as minas bastavam para garantir.

A resistência de Portugal não era de temer; aquele país não possuía marinha nem exército dignos desses nomes, e o ódio que os brasileiros lhes votavam permitia esperar-se que estes fizessem prodígios.

A resposta de Jefferson faz honra à sua discrição diplomática. Tem a secura de  um comunicado oficioso. Vou traduzi-la textualmente de sua carta, com receio de tirar às suas palavras a forte dose de bom senso, ao mesmo tempo que sua correção de chancelaria:

"Tive cuidado de fazer-lhe bem compreender, durante todo o tempo da conversação, que eu não tinha nem instruções nem autoridade para tratar desse assunto com quem quer que fosse, e que eu não podia portanto senão dar-lhe parte de minhas idéias pessoais.

"Estas eram de que nossa situação não nos permitia tomar parte como nação em nenhuma guerra, e que nosso desejo mesmo era muito particularmente cultivar a amizade de Portugal, com o qual tínhamos um comércio próspero. Uma revolução vitoriosa no Brasil não poderia, entretanto, deixar de interessar-nos.

"Era bem possível que a perspectiva de lucros pudesse eventualmente atrair para o partido dos revolucionários numerosas pessoas, e que os motivos mais puros pudessem granjear a adesão de alguns de nossos oficiais, cujo corpo contava muitas unidades excelentes. Gozando da liberdade de deixar o país individualmente, sem o consentimento dos governos da Federação, nossos concidadãos podiam, do mesmo modo, dirigir-se livremente para outro país".

A conversação não podia terminar por outro resultado, entre dois interlocutores animados de espíritos tão dessemelhantes, e cada qual deles considerando o assunto de pontos de vista tão opostos.

Ambos eram representantes das melhores classes de seu país: um da classe dos gentlemen-farmers, preparados pela independência da vida social inglesa e pela liberdade de sua existência política colonial no governo da Federação estabelecida entre as possessões; outro, um jovem estudioso, de família abastada, pois que podia vir para a Europa seguir um curso, preocupado com os projetos de libertação política que borbotavam em alguns espíritos longínquos, os quais, na capitania, votada ao culto do ouro, sofriam mais que em nenhuma outra, nos seus atos e mesmo em seus pensamentos, do constrangimento e da desconfiança diária das autoridades propostas a exercer vigilância sobre suas pessoas.

Maia não estava, senão indiretamente, ligado aos conspiradores de Minas Gerais. Pelo resultado das declarações feitas no decorrer do processo, instaurado contra eles, Maia havia sido encarregado de entendimentos no estrangeiro, por negociantes do Rio de Janeiro, o que mostra que devastações a aspiração de liberdade houvera feito, e como o desejo de um levante era geral, principalmente depois do que sucedera nos Estados Unidos.

Numa conferência sobre Tiradentes, o mártir da conspiração, ao elogio do qual o Sr. José Feliciano de Oliveira se dedicou com todo o fervor de sua alma de apóstolo e todo o rigor de sua educação filosófica, foi lembrado que aquele que se tornou no Brasil um herói legendário chorara de entusiasmo, ao saber por um amigo, que regressava da Inglaterra, a história minuciosa da Revolução da América, e que desde então não cessava de rogar aos amigos lhe traduzissem as obras, escritas em língua inglesa, que tratavam de um assunto que tanto lhe apaixonava o patriotismo.

Leva para a página seguinte da série