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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA
Geraldo Ferraz

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Geraldo Ferraz foi jornalista, romancista e crítico de arte, tendo vivido boa parte de sua vida em Santos, onde faleceu em 1979. Matéria publicada no jornal santista A Tribuna, em 16 de setembro de 1979, página 12:

Imagem: reprodução da página com a matéria

 

Faleceu o escritor Geraldo Ferraz

 

Vítima de colapso cardíaco, faleceu na madrugada de ontem, três meses antes de completar 74 anos de idade, em sua residência, em Guarujá, o jornalista, romancista e crítico de arte Geraldo Ferraz. Figura de largo prestígio nos meios intelectuais brasileiros, ele deixa uma obra expressiva, sobretudo pelo caráter inovador que sempre apresentou em seus escritos, particularmente no campo da ficção, a que passou a dedicar-se com maior frequência, nos últimos tempos.

Personalidade fascinante e de rara erudição, tinha um temperamento que não poucas pessoas qualificavam de intransigente, o que de fato era, no trato com os medíocres. Entretanto, atrás de um gênio explosivo, muitas vezes marcado pela agressividade, mal se escondia uma alma extremamente sensível, um espírito aberto ao diálogo, caracterizando, no conjunto, um indivíduo ímpar no cultivo de suas verdadeiras afeições e amizades.

Por força de suas atividades profissionais em A Tribuna, Geraldo Ferraz ligou-se intimamente a esta região, tendo residido em Santos, São Vicente e, por último, em Guarujá, na 'Ilha Verde' dos seus sonhos e da pintora Wega, cuja presença amiga foi uma constante ao seu lado, em 16 anos não menos intensamente vividos.

 

A seriedade foi marcante nas suas atitudes humanas e em seu desempenho literário e jornalístico

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O sepultamento - Geraldo Ferraz foi sepultado como sempre desejou em vida; sem discursos, de forma simples, em sepultura comum. Rodeado dos parentes e amigos, o caixão de Geraldo foi introduzido no carneiro nº 57 do jazigo 67, do Cemitério da Filosofia (Saboó), às 17,40 horas, debaixo de persistente chuva, junto com os restos mortais da também jornalista e escritora Patrícia Galvão, sua antiga companheira.

Apesar do mau tempo, dezenas de pessoas foram levar o aceno final a Geraldo Ferraz, cujo corpo foi seguido de perto pela última esposa, a pintora Wega; os filhos Geraldo Galvão Ferraz, jornalista, editor da revista Homem e crítico de literatura da revista Veja; Kate e Walkiria. Dentre os presentes, Oscar Klabin Segall, diretor da Cia. Estadual de Construção de Casas Populares, filho de Lasar Segall, famoso pintor e escultor; pintor Armando Sendin; Roberto Mário Santini, diretor-superintendente de A Tribuna, jornalistas e funcionários de vários departamentos deste jornal.

 

Um operário do pensamento, como se definia

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Uma vida de luta e trabalho
 

===Pesquisa A Tribuna===
 

Benedito Geraldo Ferraz Gonçalves nasceu em Campos do Paranapanema, cidade do Sul do Estado de São Paulo, a 5 de dezembro de 1905. Aos oito anos leu Iracema, de José de Alencar, e Primavera, de Casimiro de Abreu. Não foi uma escolha, e sim a única opção. Eram os romances que sua mãe tinha em casa. Aos 13 anos, depois de ter lido a obra completa de Victor Hugo, conseguiu emprego na Tipografia Angeleri e Magoni, em São Paulo, e passou a consumir todas as obras que ali eram impressas.

Quando começaram a aparecer no Brasil as obras da Editora Guimarães, de Portugal, Geraldo Ferraz ficou impressionado com a descoberta de Nietzche, em Assim Falava Zaratustra. Resolveu então escrever um pequeno romance intitulado Sombras e Reflexos, onde reunia as deduções anarquistas absorvidas. Nascia o escritor.

Sombras e Reflexos, posteriormente renegado pelo próprio Geraldo, serviu para dar a seu autor o primeiro emprego como revisor. Escrito à mão (nunca chegou a ser um livro), o romance foi mostrado a Monteiro Lobato, que lhe deu um lugar de revisor em sua gráfica.

Fazia a revisão da Revista do Brasil, e não podia querer coisa melhor Lia o dia inteiro. Quando a editora fechou, começou a trabalhar em jornal, ainda como revisor: o Jornal do Comércio e o São Paulo Jornal, dirigidos na época por Jânio Quadros e Oduvaldo Viana. Posteriormente, ingressou no Diário da Noite, também como revisor.

Seu primeiro artigo jornalístico foi escrito com o pseudônimo de Zagus Ferraz, sobre Lima Barreto. Plínio Barreto, editor-chefe do Diário, gostou do trabalho e convidou Geraldo para trabalhar na redação. Trabalhou muito pouco tempo com o Plínio, pois na mesma semana ele foi convidado a assumir a direção de O Estado, e Geraldo continuou no Diário, fazendo reportagem geral e artigos sobre arte.

 

Com a pintora Wega, no refúgio em Guarujá

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Modernismo - Além de trabalhar no Diário da Noite, Geraldo Ferraz também era funcionário do Diário Nacional, onde conheceu uma parte da turma do Movimento Modernista de 1922. Mário de Andrade, Alcântara Machado, Couto de Barros - que era o redator-chefe -, Sérgio Miliet. Prudente de Morais também estava no grupo, fundado por Antônio Prado naquele ano de 1927.

Mas sua maior ligação com o grupo modernista ocorreu quando foi fazer uma reportagem com o pianista Souza Lima, que havia chegado da Europa, para o Diário da Noite. A entrevista foi na casa da tia da noiva de Souza Lima, Tarsila do Amaral. Foi lá que encontrou Oswald de Andrade, "um achador de gênios". Ele o achou inteligente porque começou a dar opiniões sobre alguns quadros (Brancusi, Archipenko, De Chirico, Delaunay, Picasso).

Oswald de Andrade convidou o jovem jornalista para ir num domingo á sua casa. Foi quando conheceu a turma do Rio - Álvaro Moreira, Ronald de Carvalho, Lasar Segal. De forma curiosa, começou a amizade com Segal: entrou na sala e pisou num quadro que estava no chão. Era de Segal, mas ele não se aborreceu. Tornaram-se grandes amigos.

O conhecimento que tinha da Arte Moderna vinha do relacionamento que mantinha com vários artistas e intelectuais que trabalhavam no Diário da Noite. Di Cavalcanti era o desenhista do jornal (ele assinava Urbano), e na sua salinha os dois se reuniam com frequência. Na época, o grupo assinava uma revista espanhola - Revista do Occidente - publicada por Ortega Y Gasset.

Consolidada a amizade com os intelectuais do modernismo, Geraldo Ferraz assumiu a secretaria da Revista da Antropofagia, onde recebeu o apelido de O Açougueiro. Era o único que entendia de paginação, e estava encarregado de compor os pedaços da revista.

Idealista - Dentro do jornalismo, sempre procurou cultivar da melhor forma a sua filosofia anarquista. Um de seus trabalhos mais importantes nesse campo foi realizado quando dirigia O Homem Livre, jornal criado em 1930, em defesa da democracia e frontalmente contra os movimentos totalitários.

Aderiu sempre à defesa da democracia, a favor da Abissínia invadida por fascistas italianos, das tropas republicanas da Espanha da Guerra Civil de 1936, dos aliados na II Guerra Mundial. Definia sua posição como anarquista, "colocado por definição entre a Esquerda e a Utopia". Em 1975, declarava: "Hoje eu percebo que as minhas ideias àquela época (quando escreveu Sombras e Reflexos) estavam um tanto truncadas. Eu era menino, fiquei impressionado e fiz aquele livrinho. Pouco me lembro do romance. O anarquismo é que se transformou numa verdadeira fundamentação da minha vida".

Mas foi em 1930 que o jornalista ingressou em A Tribuna, pela Agência Havas, da Capital. Nesta época também começou a secretariar o Correio da Tarde, fundado por Chateaubriand. "Era uma época muito tumultuada. Nos primeiros 40 dias após a posse de Getúlio Vargas, o clima era de euforia, todos aguardando um governo constitucional. Mas, aos poucos, os paulistas começaram a ser afastados do governo. Caiu o ministro da Fazenda, o banqueiro José Maria Whitaker, e Paulo Prado, que era presidente do Conselho Nacional de Café. E os jornais passaram da censura vigiada à censura estabelecida".

 

***


Um dia, alguns estudantes de Direito apareceram no jornal. Eram os censores. Geraldo perguntou o que eles queriam vigiar, e obteve como resposta: tudo o que passar para a impressão. Arrumou-se uma mesa para eles na revisão, que funcionava na oficina do jornal, mas não ficaram nem meia hora e vieram reclamar de um rapaz mulato, que era linotipista.

Argumentavam a sua condição de estudantes de Direito, seu nível social. Então, Geraldo lhes disse que o negro valia mais do que eles, pois fazia um trabalho limpo. Por esse motivo, passou dois dias na prisão. Chateaubriand movimentou-se logo e tirou-o dali.

 

A sua experiência era sempre transmitida

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Contra a ditadura - A segunda prisão de Geraldo Ferraz aconteceu no Diário da Noite, para onde tinha voltado como redator político, em 1932. Escreveu um artigo bastante tendencioso contra o governo paulista de Waldomiro de Lima e contra Getúlio. A matéria passou por muita gente, mas acabou sendo publicada na íntegra.

Ficou oito dias no Presídio Paraíso, mas era amigo de pessoas influentes, e saiu por interferência direta do presidente do Instituto do Café, o fazendeiro Luís Filgueiras de Mello.

Em 1937, já desligado do Diário da Noite e trabalhando como redator político e crítico de artes de A Tribuna, Geraldo Ferraz voltaria a ter problemas com o Governo. Desta vez por três meses, após ser delatado por um companheiro.

Cumpriu três meses de prisão e conseguiu fugir para o Interior. Depois de muito custo, anulou o processo que o condenara a dois anos e meio de reclusão por atividades subversivas. A única prova que tinham contra ele eram as edições, que ele guardava em casa, de O Homem Livre. Era época do Estado Novo, mas as edições do jornal em que era acusado de subversivo tinham sido publicadas antes das leis do Estado Novo. Na revisão do processo, foi absolvido.

De julho de 1954 até 1967 foi secretário da Redação de A Tribuna. Desta época até sua morte continuou no jornal, não como secretário, mas como crítico de arte, editorialista e cronista. Seu último trabalho assinado publicado em A Tribuna foi Obrigado, Luís Elias, em 10 de agosto último.

Nesta sua última crônica, Geraldo Ferraz relembra o atentado da Rua Toneleros, no Rio de Janeiro, contra Carlos Lacerda e seu amigo Rubens Florentino Vaz, fazendo um agradecimento ao Luís Elias, escuta da Rádio Atlântica, que havia conseguido captar a notícia sobre o atentado. A Tribuna de ontem, na página 2, publicou o último editorial de sua autoria, sob o título Jornada Violenta.

Nas artes - Interessado em artes plásticas desde jovem, Geraldo Ferraz chegou a iniciar-se na pintura com Lasar Segal, durante três meses, por insistência de Tarsila do Amaral e Anita Malfati. Mas desistiu, por considerar que não dava para pintor.

Depois da experiência de Sombras e Reflexos, que não chegou a ser publicado, Geraldo lançou um romance, em 1942, A Famosa Revista, escrita em colaboração com Patrícia Galvão; em 1965, publicou Warchavchik e a Introdução da Moderna Arquitetura no Brasil; em 1957, saía a primeira edição de seu livro mais famoso, Doramundo; em 1975, Wega Liberta em Arte; em 1979, Retrospectiva e Km 63.

Como jornalista, trabalhou no Diário da Noite, no Diário Nacional, na Revista de Antropofagia, Vanguarda Socialista, Correio da Tarde, O Salão de Maio, O Homem Livre, O Estado de S. Paulo, Agência France-Press, Diário de São Paulo, Jornal do Comércio, São Paulo Jornal e A Tribuna.

Recebeu o Prêmio Personalidade do Ano de 1976, conforme escolha da Associação Brasileira de Críticos de Arte; a Medalha Mário de Andrade, em 1979, instituída pelo Governo do Estado de São Paulo; Troféu Braz Cubas, como um dos melhores do ano de 1977, além de participar dos júris de seleção de várias bienais de São Paulo.



De Geraldo Ferraz foram recuperadas as carteiras funcional e do Grêmio A Tribuna
Fotos: Arquivo Edgard Leuenroth/Unicamp, publicadas em A Tribuna de 1º de julho de 2014

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