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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - F. Montenegro
Fábio Montenegro (4)

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O poeta Fábio Montenegro foi um dos colaboradores literários da revista paulistana A Cigarra (exemplares preservados no Arquivo do Estado de São Paulo - acesso em 24 e 25/10/2011 - ortografia atualizada nestas transcrições), que publicou:
 

A Cigarra - Ano 1/nº 7 - julho de 1914 -  página 13:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

Verão

Verão. Calor. Delíquio. Ígnea, no alto flameja

A pátina do Sol. O céu côncavo, em gaza

Fina, fluídica, azulia, abrasa tudo e beija,

E abraça, e impera, e queima, e oprime e aterra, e abrasa.

 

Jorra ouro liquefeito, e caustica e dardeja

A fornalha do espaço, onde um leve aflar de asa

Não se ouve... Morbidez... A calma sertaneja

Anda de moita em moita, e anda de casa em casa.

 

Pelos vidros a luz, que pousa e se retrata,

Desenha arestas de ouro, e os rios, serpeando,

São auroras boreais com refrações de prata!

 

Verão. Calor. Delíquio. Em cada rama erguida,

O peito de metal das cigarras em bando

Canta à flor, canta ao mar, canta a Deus, canta à vida!

Santos, 1914 - Fábio Montenegro.

A Cigarra - Ano 1/nº 9 - 29 de agosto de 1914 - página 34:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

A Torre

Na postura augural de arcaico monumento,
Onde hieráldica dorme a pompa milenária,
Sob as rendas de um limo eterno macilento,
Sonha, altiva e senil, a torre solitária.

Perto do olhar de Deus, longe do olhar do pária,
Alheio à chuva, alheio ao pó, alheio ao vento,
Das rosáceas de pedra à cúspide calcária,
Canta, da extinta raça, o gênio de Sorrento!

Lanceolada de luz, quando a noite retrada
A rosa do luar em sua trajetória,
Paira-lhe em torno um halo esplêndido de prata!

E o sol-dia, e o sol-vida, augusto, imorredouro,
Pontificando a arte e batizando a glória,
Faz de uma torre antiga um obelisco de ouro!

Santos, 1914 – Fábio Montenegro.

A Cigarra - Ano 2/nº 27 - 30 de setembro de 1915 -  página 46:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

No Palatino
(Sobre uma página da Orgia Latina…)

No amplo jardim de Sílio o amplo céu opalino
Pulveriza luar. Em pleno palatino,
Onde o luxo pompeia e a festa se recama
De guirlandas reais, fulge, erisada, em chama,
Uma orgia de luz estonteadora e louca.
O beijo anda a florir o amor de boca em boa.
Heliótropos, jasmins, verbenas, tuberosas,
Na mágica aspersão de lírios e de rosas,
De violento perfume, erguem em toda a parte
Um hino à Carne, um hino ao Gozo, um hino à Arte,
O pórtico marmóreo, em cujo teto, assente,
Vê-se o egrégio lavor da Forma resplendente,
Em tudo fulge, em tudo eleva, em tudo assoma
A riqueza imperial das púrpuras de Roma!
Sob um dossel de bisso onde a luz se peneira
Coroados de jasmins e flor de laranjeira,
Na esplêndida fofeza dos leitos seus de arminhos,
Antegozando a febre edêmica dos vinhos,
Conversa, cortesãs, a suspirar, ovantes,
Exibindo o brancor das carnes palpitantes,
Romanos dardejando em togas, à porfia.
Toda a seda da Trácia e ouro da Alexandria,
Anseiam pelo olhar rondante de devasso
A volúpia do beijo e a carícia do abraço!
                          ***
Áureas cintilações de joias, e o festim
A um aceno de Silio e Messalina, enfim,
Começa. Anda u rumor convulso em cada leito
A palpitar na boca e a sufocar o peito,
Um rumor que é um queixume, um rumor que é um desejo,
Que vai de boca em boca e vai de beijo em beijo!...
Deitado a conversar alegremente, Sílio,
Pondo graça à doçura excelsa de um idílio,
Sobre a mesma almofada, alegre, se ilumina
No eloquente clarão do olhar de Messalina!
Anda em cada triclínio o delírio da festa,
Um leve roçagar de ramos na floresta…
Imitando o imperial exemplo, os convidados,
Com carinho na fala, e os braços enlaçados,
Cantam, sob o calor dos vinhos de Falerno,
A eterna glória, o eterno amor, o amor eterno!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

(Fragmento de um poema para A Cigarra)
Santos, 1915 – Fábio Montenegro

N. E.: Bisso – fibra têxtil de origem animal – o molusco Pinna nobilis, hoje em risco de extinção (Wikipedia, acesso: 28/4/2013).

N. E.: Caio Sílio foi um dos amantes de Valeria Messalina, que viveu em Roma desde cerca de 17 até 48 d.C. e foi a terceira mulher do imperador Tibério Claudio César Augusto Germanico, com quem teve dois filhos. Sílio e Messalina conspiraram para matar o imperador, mas a conspiração foi descoberta e eles executados. Palatino é uma das sete colinas de Roma.

A Cigarra - Ano 2/nº 31 - 24 de novembro de 1915 -  página 50:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

No Parnaso

Artista! Eleva o pensamento… Ufana
A alma, na alma das coisas imprevistas.
Amolda o verso à forma, a ideia explana
Fala na voz de todos os artistas.

Ourives da Arte, da arte soberana
Joias enflora, e, deus dos coloristas,
Na estrofe, para a graça parnasiana,
Põe revérberos de ouro e de ametistas.

Depois no trono egrégio em que te animas,
Ama e canta o esplendor da natureza
Numa seara magnífica de rimas!

Ama, e deslumbra o teu amor tranquilo,
Canta, e celebra o culto da beleza
Na pompa modelar de teu estilo!

Santos, 1915 – Fábio Montenegro.

A Cigarra - Ano 3/nº 39 - 31 de março de 1916 -  página 39:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

O Triunfador

Para o verbo do gládio e o brilho da armadura
Em prélios de gigante e assombros de vitória,
De orgulho o corpo inflado – espectro da loucura –
Sonha o guerreiro a teórba homérica da História!

Erguendo a dor, haurindo a vida, alçando a glória,
A insânia, um dia, enfim, condu-la com bravura,
Lusbélica, execranda! E, em rubra trajetória,
Dá vermes para a terra e corvos para a altura!

E em sólio de extermínio, ao fim de sangue tanto,
A morte faz o Deus, a raiva faz o hinário
Do grande semeador da agonia e do pranto!

Mortes… misérias… glória! E a noite estende, ao vê-las,
Num profundo tristor de labido sudário,
O zainfe do céu esplêndido de estrelas!

Fábio Montenegro – Santos, 1916

A Cigarra - Ano 5/nº 90 - 30 de abril de 1918 -  página 37:


Imagem: reprodução parcial da página com o texto original

Versos à Zélia

Ando cheio de amor por minha filha.
Nos seus olhos de noite sem luar,
Intensamente, com fulgores, brilha
               O meu olhar.

É tão alegre como um passarinho:
Mal vem do céu o lúcido esplendor
Do sol, gorjeia e canta no seu ninho,
               O meu amor.

Por ele apuro o verso, que se anima
Na rósea flor esplêndida da frase.
E imploro a graça divinal da rima
               Feita de gaze.

Tenho o esmero sagrado de um artista

Que, nas ardências da harmonia, apoia

O Belo, e canta, sendo colorista,

               A sua joia.

 

Tudo que prende e refloresce, ponho
No meu verso de ideias em tropel,
Para cantar a glória do meu sonho
               De menestrel.

Ela é a poesia materializada...
Zélia, a sorrir, nunca me inspira em vão;

Sua inocência é a estrofe perfumada

               De uma canção.

 

Eu amo as suas travessuras, vejo

No seu choro de trêfega criança,

O esperado motivo do meu beijo,

               Minha esperança.

 

Quando, através do vidro das janelas,

Escuto, na mudez de um abandono,

O suspiro das folhas amarelas

               Na alma do outono;

 

Quando o campo sem pompas, se resume

No palor da paisagem muito grave,

Sem o riso da rosa, que é perfume,

               Sem canto de ave;

 

Eu penso, contristado, quase em pranto,

Na mágoa que haveria dentro em mim,

Sem ti, ó minha filha, sem teu canto

               De querubim!

 

E este amor que me vibra e que é uma parte

Da minh'alma de artista, anos após,

Que seria no ofício de minha arte

               Sem tua voz!

 

Amor! amor sublime que é doçura

Que a beleza das vidas interpreta,

Por ti, é sempre doce a desventura

               De todo Poeta.

Santos, 1918 - Fábio Montenegro.

N. E.: versos dedicados à sua filha Zélia e publicados no livro Flammulas.

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