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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - HISTÓRIA - BIBLIOTECA NM
A História Econômica de Cubatão (10)

Com o título: "Entre estatais e transnacionais: o Pólo Industrial de Cubatão", esta tese de doutorado foi defendida em janeiro de 2003 no Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) pelo professor-doutor Joaquim Miguel Couto, de Cubatão, que autorizou sua transcrição em Novo Milênio. O tema continua:

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ENTRE ESTATAIS E TRANSNACIONAIS: O PÓLO INDUSTRIAL DE CUBATÃO

Prof. Joaquim Miguel Couto

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Capítulo II

Os gloriosos anos cinqüenta: a implantação da Refinaria Presidente Bernardes e a constituição do primeiro pólo petroquímico brasileiro

2.6 – As mudanças da década de 1950

A implantação da Refinaria Presidente Bernardes e de seu complexo de fertilizantes, de asfalto e de eteno, associado à entrada de quatro grandes empresas transnacionais na área da petroquímica, deram uma nova configuração ao município de Cubatão, no final dos anos 50 [101].

Se até o início da década, Cubatão era predominantemente uma cidade agrícola, com suas plantações de banana absorvendo a maioria dos empregos e da produção, no final da década, esta posição se altera radicalmente. Cubatão se torna, efetivamente, uma cidade industrial (Tabela 10) [102].

Mesmo se a industrialização de Cubatão tivesse cessado nessas primeiras indústrias petroquímicas, o pequeno município já havia transformado sua estrutura urbana, e a agricultura se reduzira a uma pequena parcela da vida cotidiana. O que se seguiu, nas décadas de 60 e 70, tornaria impossível qualquer tipo de cultivo comercial do solo [103].

TABELA 10

Indústrias em operação no município de Cubatão
no ano de 1960

Ano do início 
das operações

Indústria

1912

Costa Moniz Indústria e Comércio

1916

Cia. de Anilinas e Produtos Químicos Ltda.

1922

Cia. Santista de Papel

1926

Usina Henry Borden - Light and Power

1955

Refinaria Presidente Bernardes Cubatão - Petrobrás S/A

1957

Cia. Brasileira de Estireno

1957

Alba S/A

1957

Fábrica de Fertilizantes (Ultrafértil S/A) - Petrobrás S/A

1958

Union Carbide do Brasil

1958

Copebrás

Nesta sua primeira década industrial, Cubatão conquistou a quarta posição do Estado de São Paulo em Valor da Transformação Industrial (VTI) e a quinta colocação em Valor da Produção Industrial (VPI) (Tabelas 11 e 12) [104]. Ou seja, já era uma das principais cidades industriais do Brasil.

Por outro lado, sua produção de banana, que era de 894.926 cachos (1.071 hectares plantados), em 1949, passou para apenas 297.325 cachos (501 hectares), em 1959. A produção por hectare também caiu de 835 cachos para 593. Essa perda de produtividade na bananicultura era atribuída pelos agricultores cubatenses à poluição industrial.

Essa mudança de cidade agrícola para cidade industrial, em apenas uma década, evidencia que quando o capital é aplicado com determinado objetivo, nada o segura, transformando drasticamente qualquer região, bem como o modo de vida de seus habitantes, em pouco espaço de tempo.

TABELA 11

Maiores municípios do Estado de S. Paulo em VTI
Censo de 1960 (valores em cruzeiros)

Municípios

Valor da Transformação
Industrial

(%) do País

1 - São Paulo

163.925.265

29,59

2 - Santo André

18.222.833

3,29

3 - São Bernardo

17.208.728

3,11

4 - Cubatão

9.499.005

1.71

Fonte: IBGE (Censo industrial, 1960)

TABELA 12

Maiores municípios do Estado de S. Paulo em VPI
Censo de 1960 (valores em cruzeiros)

Municípios

Valor da Produção
Industrial

(%) do País

1 - São Paulo

338.755.193

28,35

2 - Santo André

45.080.549

3,77

3 - São Bernardo

34.737.792

2,91

4 - São Caetano

21.134.246

1,77

5 - Cubatão

20.067.754

1.68

Fonte: IBGE (Censo industrial, 1960)

O primeiro fato que notamos, no entanto, ao observar o resumo do Censo Industrial de 1960 [105], é o reduzido número de trabalhadores nas indústrias de Cubatão. Considerando que as fábricas pioneiras (Costa Moniz, Cia. Santista, Química e Henry Borden) tinham em torno de 1.100 operários em 1960, e considerando também que a Refinaria de Cubatão empregava outros 2.500, temos que as quatro petroquímicas transnacionais de Cubatão empregavam somente cerca de 800 trabalhadores, em 31/12/1959. Esse baixo número de operários está relacionado com a pequena capacidade de gerar empregos no ramo petroquímico.

Nesse ramo industrial, as matérias-primas e produtos processados são, em geral, líquidos e gases, muitas vezes corrosivos e tóxicos. A operação dessa indústria, portanto, exige um sistema fechado de produção, sem a intervenção direta do homem, que exige, por sua vez, instrumentos modernos e automatizados. Essas características técnicas da indústria se refletem na alta densidade de capital por unidade produzida e pelo baixo emprego gerado (Suares, 1986:36) [106]. Com relação aos custos de produção, a indústria petroquímica é caracterizada pela alta participação dos custos fixos, cerca de 80%, contra 20% de custos variáveis, ou seja, mão-de-obra e matéria-prima (Ibid., p.56).

Pela Tabela 13, podemos verificar que a indústria petroquímica é altamente intensiva em capital. Através do nível de produtividade, obtido pela divisão do Valor da Transformação Industrial (VTI) pelo Pessoal Ocupado Ligado à Produção (POL), ou pelo Valor da Produção Industrial dividido pelo POL, observamos que Cubatão, com seu parque petroquímico, possuía o maior valor em cruzeiros por homem ocupado no Brasil, tanto nos valores da produção quanto nos valores da transformação industrial. Esses dados comprovam a enorme economia de escala dessas indústrias, utilizando pequena quantidade de mão-de-obra [107].

TABELA 13

Nível de produtividade - Censo de 1960 (em cruzeiros)

Municípios

Valor da produção
por operário

Valor da transformação
por operário

Cubatão

8.151,00

3.858,25

São Bernardo

1.733,51

858,76

Santo André

1.495,31

604,45

São Paulo

926,49

448,33

Estado de São Paulo

1.012,30

464,43

Brasil

837,92

388,47

Fonte: IBGE (Censo industrial, 1960)

Devemos salientar, contudo, que embora o emprego direto não seja tão numeroso na indústria petroquímica, quando em comparação com outras atividades industriais (como a siderurgia, por exemplo), o número de empregos indiretos que o Pólo cubatense dinamizou na região é de grande proporção, mas difícil de ser quantitativamente mensurado [108].

No entanto, podemos listar uma série de atividades econômicas que foram beneficiadas pela expansão industrial de Cubatão, proporcionando um aumento considerável do emprego e da renda:

1- Transporte: o desenvolvimento industrial de Cubatão aumentou os serviços portuários, rodoviários e ferroviários da região. Nos portos de Santos, da Cosipa e da Ultrafértil, aumentou o volume das importações (de insumos básicos) e das exportações (principalmente de aço e derivados de petróleo). Isto refletiu no incremento da mão-de-obra portuária, de despachantes aduaneiros, de empresas de navegação etc. Já o aumento dos serviços ferroviários e rodoviários, representou um crescimento do número de empregos nas transportadoras e nas empresas ferroviárias, que, por sua vez, rebateu na indústria de caminhões e de vagões;

2 - Comércio: a compra de produtos destinados às indústrias dinamizou o comércio de toda a Baixada Santista (alimentos, material de escritório, limpeza, roupas, ferramentas etc.), além do consumo dos próprios operários dessas indústrias, que, muitas vezes, migraram de outras regiões brasileiras;

3 – Serviços de eletricidade e água;

4 – Instalação de novas indústrias na Grande São Paulo, consumidoras dos produtos básicos fabricados em Cubatão;

5 - Serviços de proteção ao meio-ambiente e da qualidade ambiental, entre muitos outros. Podemos ainda mencionar o grande número de trabalhadores contratados pelas empreiteiras de Cubatão, empregados nos serviços de construção e manutenção industrial.

Quanto aos censos demográficos (Tabela 14), percebemos claramente que a população de Cubatão cresceu num ritmo quase três vezes maior do que o Estado de São Paulo. No entanto, verificamos também que os municípios de São Vicente e Guarujá cresceram a uma taxa maior que Cubatão. Esse fato pode ser explicado por duas razões: a) falta de terrenos disponíveis em Cubatão; b) alto preço dos imóveis existentes em Cubatão em comparação aos de São Vicente e Guarujá.

Devemos observar, entretanto, que este crescimento da população de Guarujá e São Vicente ocorreu nas zonas periféricas dessas cidades, e não em sua faixa litorânea, cujos preços dos imóveis são bem superiores aos de Cubatão [109].

TABELA 14

População da Baixada Santista: 1950/1960

Município

1950

1960

Var. (%)

Cubatão

11.803

25.076

112,45

Santos

203.562

262.997

29,20

São Vicente

31.684

75.997

139,86

Guarujá

13.203

40.071

203,50

Estado de São Paulo

9.134.423

12.823.806

40,39

Fonte: IBGE (Censos demográficos)

Outra questão que deve ser posta, é que o número de empregados diretos na indústria de Cubatão (4.400 operários) não pode responder sozinho pelo aumento da população da Baixada Santista. O seu número é bem reduzido, haja vista que deve ser descontado, ainda, os 1.100 trabalhadores que já residiam em Cubatão, e que trabalhavam nas indústrias pioneiras.

O segredo do crescimento populacional está, sim, na mão-de-obra contratada pelas empreiteiras, utilizadas no ramo da construção civil. Seu número é sabidamente superior ao empregado diretamente nas indústrias, principalmente quando se observa as colossais construções industriais de Cubatão.


NOTAS:

[101] Cubatão, com a chegada da Refinaria, passou por uma "processo violento de transformação" (Goldenstein, 1965:38/39). Para Leon Zeitel (1983:16), as atividades das empresas da Petrobras são sinônimos de desenvolvimento para a região onde estão instaladas: "Muitos municípios brasileiros têm sua atividade econômica e o seu desenvolvimento social proporcionado pela presença da Petrobras. Diretamente, através de pagamentos de impostos e royalties pela produção de petróleo e gás natural, construção de estradas e outros benefícios, e, indiretamente, pela fixação de indústrias-satélites e melhoria das condições de vida. A presença da Petrobras ajudou a solucionar muitos problemas de comunidades, como higiene, trabalho, educação e saúde".

[102] "O ano de 1955 chegava trazendo sensíveis mudanças na outrora pacata cidade de Cubatão. Entravam em atividade a 16 de abril daquele ano, as primeiras unidades da Refinaria Arthur Bernardes. Entrava também pela narinas dos habitantes da localidade, o cheiro desagradável do óleo cru. Nuvens de fumaça levavam a fuligem que invadia as casas e sujava as roupas nos varais e coradouros, para desconsolo das patroas e lavadeiras. Por outro lado, aumentavam os empregos e a população da cidade. Subiam os aluguéis e os terrenos se valorizavam. Os bananais começavam a desaparecer para dar lugar às fábricas que iriam usar como matéria-prima os subprodutos da refinaria. A Companhia Santista de Papel, na Fabril, deixava de ser a mais importante indústria de Cubatão" (Pereira, 1988:277).

Na mesma linha, escreve Goldenstein (1965:21/22): "A Refinaria Artur Bernardes representou um impacto, fator de transformação da vida urbana, fazendo com que, de pacato vilarejo, passasse Cubatão a aglomerado industrial. Foi tal a importância da Refinaria e indústrias derivadas, sob o ponto de vista de investimento, de valor de produção e de mão-de-obra, que as indústrias já existentes passaram a ter importância relativamente secundária (...)".

Também o jornal Folha de Cubatão registrava as mudanças na cidade, em sua edição de 9 de abril de 1956: "As coisas começaram a suceder-se muito depressa, assombrosamente. De várias procedências chegaram materiais, maquinários diversos e homens de todas as classes sociais, trabalhadores incumbidos de uma grande obra (...) E, pouco a pouco, porém, com certa rapidez, foram ceifados os matagais e soterrados os mangues. Inúmeras empresas imobiliárias instalaram-se em diversos pontos da cidade (...) Cubatão começou a ser visível. O comércio estendeu-se: os melhoramentos não tardaram (...) e os seus imóveis, outrora desprezados, passaram a ser procurados, o que quer dizer que alcançaram valorização como nunca se imaginou" (Citado por Peralta, 1979:118).

Para os geógrafos, "a industrialização é um fenômeno concentrado no espaço enquanto produto da aglomeração de meios de produção, mão-de-obra, capitais e mercadorias" (Carlos, 2000:44).

Mas o que é industrialização? Segundo Tavares (1998:128), se "(...) tomarmos esse conceito como o de constituição de forças produtivas especificamente capitalista, isto é, capazes de afiançar a dominância do capital industrial no processo global de acumulação, temos que esperar até a década de 50 para que isso se verifique, mediante a entrada decisiva do Estado e das empresas internacionais". Dessa forma, todo o processo industrial anterior não deveria ser chamado de industrialização. Nesta ótica, a industrialização só ocorreu no Brasil a partir da década de 50, tendo Cubatão como um dos seus grandes centros no país.

[103] "Está claro que uma cidade não pode crescer sem mudar, sem que seus conteúdos qualitativos aumentem de modo mais que proporcional aos seus elementos constitutivos. Nesse sentido, cada cidade é uma estrutura em movimento e uma combinação de estruturas" (Pedrão, 2002:265).

[104] Enquanto eram instalados grandes complexos industriais em Cubatão, pouca atenção mereceu o surgimento de uma pequena indústria no centro da cidade, a Fibrastec – Comércio, Indústria e Importação Ltda. Iniciou sua produção em 3 de setembro de 1958, produzindo mantas de sisal. Situada numa pequena área de 3.000 m² (2.376 m² de área construída), a Fibrastec produziu por quase 30 anos, encerrando suas atividades em 1975. Tinha nessa época 11 funcionários.

[105] Resumo do Censo Industrial de Cubatão, de 1960 (valores em cruzeiros): estabelecimentos: 50; pessoal ocupado total em 31/12/1959: 4.400; pessoal operários: 2.462; média mensal dos operários ocupados: 2.463; salários totais (1959): 737.901; salários operários (1959): 380.670; despesas de consumo total (1959): 10.568.749; despesas de consumo (m.p.): 9.851.290; valor de produção: 20.067.754; valor da transformação industrial: 9.499.005.

[106] "É a petroquímica, portanto, uma indústria tipicamente capital-intensiva (...) A necessidade de mão-de-obra, embora pequena é, relativamente a outras indústrias, altamente qualificada, cara e com grandes responsabilidades sobre o desempenho e segurança da planta" (Suares, 1986:36).

Guerra (1994:53/55) também afirma que dado o processo produtivo petroquímico ser altamente corrosivo e tóxico, bem como de elevadas pressões e temperaturas, o grau de automação do processo produtivo é bem alto: "Esses aspectos do sistema produtivo provocam uma elevada relação capital/trabalho para o setor, que varia entre 20 mil a 100 mil dólares por cada posto de trabalho, uma das mais elevadas da indústria de transformação (...) A mão-de-obra empregada é, quando comparada com outras indústrias, bastante qualificada e bem remunerada, em parte devido a esta qualificação e em outra, em razão da periculosidade do trabalho e a divisão da jornada em turnos (...)

"Em vista desta segunda implicação, pode-se afirmar que as possibilidades da petroquímica absorver, no caso das economias periféricas, o grande excedente de mão-de-obra são bastante reduzidas. As esperanças nesta área residem, pois, na criação de empregos indiretos decorrentes dos efeitos multiplicadores detonados pela instalação de indústrias petroquímicas num dado espaço (...) Pelo exposto acima, torna-se evidente que os custos de mão-de-obra não são expressivos na indústria petroquímica, apresentando-se os custos de capital e o de matérias-primas como os mais significativos, sendo que esses últimos passam a dominar amplamente os primeiros após o primeiro choque do petróleo".

[107] Segundo o Censo de 1985, essa relação VTI/POL é um proxy de produtividade. Proxy pelo fato de que uma medida ideal de produtividade do trabalho envolver produtos físicos por horas trabalhadas, e não VTI por pessoal ligado à produção, uma vez que a primeira variável (VTI) traz embutida distorções de preços relativos, e a segunda (POL) representa uma aproximação imperfeita da quantidade de trabalho utilizada.

[108] Segundo Goldenstein (1972:134), "o setor petroquímico é um dos mais dinâmicos da economia moderna e leva a modificações profundas em toda a atividade industrial, pela enorme influência que tem na substituição de produtos tradicionais por similares sintéticos. Tem efeitos germinativos ascendentes e descendentes e embora o seu elevado grau de automatização faça com que crie relativamente poucos empregos diretos, influi decisivamente na criação de novas unidades da indústria química.

"Estas, por sua vez, passam a utilizar os seus produtos como matéria-prima e, portanto, seus efeitos multiplicadores far-se-ão sentir quer sob a forma de empregos, como sob a forma de investimentos. É por mais conhecido o rápido crescimento do consumo de materiais plásticos de todo tipo, que estão sendo usados, com vantagens de preço e de qualidade, em lugar de madeira, tecido, vidro, couro, artefatos de cimento e metais".

[109] Sobre o ano de 1957, escrevia Pereira (1988:296/297): "Já não mais predominavam no município os nativos da terra, a maioria descendentes dos portugueses que dominavam as plantações de bananas; nortistas e nordestinos que vieram trabalhar nas indústrias faziam agora a grande maioria". Apesar dessa afirmação de Pereira, a população paulista nunca foi minoria na cidade.