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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - CUBATÃO EM... - 1839 - BIBLIOTECA NM
1839-1855 - por Kidder e Fletcher - 05

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Em meados do século XIX, os missionários metodistas estadunidenses Daniel Parrish Kidder (1815-1892) e James Cooley Fletcher (1823-1901) percorreram extensamente o território brasileiro - passando inclusive por Santos e por Cubatão em 1839 (Kidder) e 1855 (Fletcher) -, fazendo anotações de viagem para o livro O Brasil e os Brasileiros, que teve sua primeira edição em 1857, no estado de Filadélfia/EUA.

Kidder fez suas explorações em duas viagens (de 1836 a 1842), e em 1845 publicou sua obra Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil (leia), sendo seguido por Fletcher (a partir de 1851), que complementou suas anotações, resultando na obra O Brasil e os Brasileiros, com primeira edição inglesa em 1857 e sucessivamente reeditada.

Esta transcrição integral é baseada na primeira edição brasileira (1941, Coleção "Brasiliana", série 5ª, vol. 205), com tradução de Elias Dolianiti, revisão e notas de Edgard Süssekind de Mendonça, publicada pela Companhia Editora Nacional (de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre), publicada em forma digital (volume 1 e volume 2) no site Brasiliana, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ - acesso em 30/1/2013 - ortografia atualizada - páginas 79 a 94 do volume 1):

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O Brasil e os Brasileiros

Daniel Parrish Kidder/James Cooley Fletcher

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Vista do Rio de Janeiro, da Ilha das Cobras

Imagem: reprodução da página 90 do 1º volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional

Capítulo V

Os Andradas.

O novo estado de coisas não se processou, contudo, com facilidade e pressa. Ódios políticos, invejas e lutas partidárias entraram em ação. O ministério dos Andradas
[A09] era acusado de arbitrariedade e tirania. O Brasil deveu sua independência e dom Pedro I sua coroa à ação deles; mas a sua administração não pode de modo algum ser considerada como isenta de censura. Suas vistas eram realmente largas e patrióticas as suas intenções; mas o espírito impaciente e ambicioso tornava-os, quando no poder, intolerantes para com os adversários políticos.

Foram atacados com grande energia, e finalmente constrangidos a resignar; mas tais foram os tumultos populares e ação violenta de seus partidários em seu favor, que foram reintegrados, tendo José Bonifácio sido carregado em sua carruagem pelo povo através da ruas do Rio de Janeiro.

Oito meses mais tarde, uma coligação de todos os partidos novamente produziu a exclusão dos irmãos Andradas do ministério, porém não do poder. Tornaram-se os opositores mais facciosos do imperador e do ministério que lhes sucedeu. Não os poupavam em seus ataques quer na Assembleia quer na imprensa.

Instruções imperiais.

A Assembleia Constituinte pouco mais fez que discutir. Seus membros eram na maioria homens de vistas estreitas e pouca habilidade; razão pela qual os Andradas tiveram tanto poder sobre as suas mentalidades, pela sua eloquência e conhecimento da tática parlamentar.

O imperador, com grande dose de bom senso, dissera, na abertura da sessão legislativa, que a recente "Constituição fundada nos moldes das de 1791 e 1792 fora reconhecida por demais abstrata e metafísica para ser executada. Provavam-no os exemplos da França e, mais recentemente, de Espanha e Portugal".

Sua Majestade Imperial parece ter tido uma alta compreensão das excelências constitucionais, mas desejou um tipo que julgamos difícil, e talvez impossível, de estar ao alcance do povo brasileiro.

"Necessitamos", disse ele na sua fala de trono, "uma Constituição na qual os poderes possam ser tão bem divididos e definidos, que nenhum ramo do poder possa arrogar-se as prerrogativas de outro; uma Constituição que possa ser uma barreira intransponível contra qualquer invasão da autoridade real, quer pela aristocracia quer pelo povo; que evite a anarquia, e trate com zelo da árvore da liberdade; debaixo de cuja sombra possamos ver a união e à independência do Império florescentes. Numa palavra, uma Constituição capaz de despertar a admiração das demais nações, até dos nossos inimigos, e que virá consagrar o triunfo dos nossos princípios adotando-os" (Da "Fala do Trono", 3 de maio de 1823).

Não obstante tais instruções, a Assembleia Constituinte não contribuiu para o progresso do país elaborando um estatuto que desse os resultados imaginados pelo Imperador. Os Andradas continuaram sua oposição a várias medidas tomadas pelo Governo.

Sua Majestade se mostrava irritada com as frequentes estocadas que davam nos portugueses incorporados no exército brasileiro. Uma violência praticada por dois oficiais portugueses sobre um suposto autor de um ataques a eles, foi, no estado de excitação do sentimento público, elevado à altura de um ultraje à nação. A vítima pediu justiça à Câmara dos Deputados, tendo os Andradas em alto som reclamado vingança contra os agressores portugueses.

O jornal sob a direção deles, o Tamoio, (nome tirado de uma tribo de índios que foram os inimigos rancorosos dos primeiros colonizadores portugueses), mostrava-se igualmente violento. Chegou mesmo a ponto de insinuar que o Governo não saberia desviar-se desse seu caminho antinacionalista, que seu poder era de curta duração e, como uma advertência ao imperador, aludiu em indisfarçáveis termos ao exemplo de Carlos I, da Inglaterra.

D. Pedro dissolve a Assembleia à força.

Dom Pedro I, porém, não se mostrou fraco e vacilante como o Stuart. Possuía de preferência o temperamento de Oliver Cromwell ou do primeiro Napoleão. A Assembleia, levada pelos três irmãos, declarou-se em sessão permanente. O imperador, verificando que os Andradas ainda conservavam sua predominância, montou o seu cavalo e, à frente de sua cavalaria, marchou sobre a Câmara, mandou postar seus canhões diante do edifício da Assembleia, e enviou o general Moraes para ordenar-lhe imediata dissolução.

A Assembleia estava dissolvida. Os três Andradas foram presos, bem assim como os deputados Rocha e Montezuma
[T22], e, sem qualquer julgamento ou exame, transportados para a França. Assim terminava, pelo menos por algum tempo, a carreira política dos eloquentes, patrióticos e facciosos Andradas.

O imperador lançou uma proclamação, afirmando que havia tomado as medidas acima referidas apenas tendo em vista evitar a anarquia, mas lembrava ao povo que, "
embora o imperador, em bem da tranquilidade do Império, tivesse julgado conveniente dissolver a dita Assembleia, no mesmo decreto convocava uma outra, de conformidade com os reconhecidos direitos constitucionais do seu povo".

A Constituição é redigida por comissão especial.

Uma comissão especial de dez membros foi convidada a 26 de novembro de 1823, a fim de elaborar uma Constituição que deveria ser mandada à aprovação imperial. Os membros dessa comissão iniciaram desde logo os seus trabalhos, sob a direção pessoal de d. Pedro I, que lhes forneceu as bases do estatuto que desejava ver composto, dando-lhes quarenta dias para a execução desse objetivo.

Os dez conselheiros, em conjunto, eram mal indicados para a importante tarefa que lhes fora cometida; se bem que alguns deles fossem notáveis pela excelência de suas qualidades privadas, e dois por sua erudição. Um destes, Carneiro de Campos
[T23], foi felizmente incumbido da redação da Constituição, e atribuem-lhe o fato de contar o Brasil algumas das mais liberais disposições nesse seu código, — disposições que ele insistiu em introduzir contra a vontade de muitos de seus colegas.

Evidentemente, semelhante Comissão elaboradora não estava em condições de aquilatar quão liberais eram os dispositivos da Constituição, pois em sua grande maioria era composta de ferrenhos realistas; contudo, várias circunstâncias providenciais levaram a que produzissem um justo e liberal instrumento de governo.

Considerações sobre a Constituição de 1823.

Seus mais importantes dispositivos podem ser referidos em poucas palavras. A forma de governo do Império é a monárquica, hereditária, constitucional e representativa. A religião do Estado é a Católica Romana, mas todas as demais são toleradas. Os julgamentos judiciais são públicos, havendo o direito de habeas-corpus e o júri. O poder legislativo compete a uma Assembleia Geral, que corresponde ao Parlamento Imperial da Inglaterra ou ao Congresso dos Estados Unidos. Os senadores são eleitos vitaliciamente, e os representantes da Câmara por quatro anos. Os presidentes das províncias são designados pelo imperador.

Existe uma Assembleia Legislativa para cada província, a que compete elaborar as leis locais, impostos e administração: o Brasil é, assim, um império descentralizado. Os senadores e representantes da Assembleia Geral são escolhidos por meio de eleitores, como o presidente dos Estados Unidos, sendo os legisladores provinciais eleitos por sufrágio universal. A imprensa é livre, não havendo também proscrição no que respeita à cor.

A Constituição assim redigida foi logo aceita pelo imperador e, a 25 de março de 1824, jurada por Sua Majestade Imperial e pelas autoridades e povo de todo o Império. É um código verdadeiramente notável, considerando-se a fonte de que emanou, e não podemos continuar a nossa resenha histórica do país sem dedicar-lhe aos méritos algumas poucas reflexões passageiras.

Essa Constituição começou por ser o mais liberal de todos os documentos similares oferecidos a um povo sul-americano. Em seus sábios e tolerantes princípios, e em sua adaptação ao país para que foi elaborada, só é secundada pela da Confederação Anglo-Saxônica da América do Norte. As nações e os indivíduos podem exibir, em suas cartas constitucionais, belas sentenças relativas à igualdade e ao direito; mas se falham na praticabilidade e garantia dos verdadeiros elementos da justiça, estabilidade e progresso, as frases eloquentes não passam do "
latão sonante de um par de címbalos".

A Constituição Brasileira assegurou, em largo sentido, a igualdade, a justiça e a consequente prosperidade nacional. A nação ainda é hoje governada pela mesma Constituição com que, faz mais de trinta anos, iniciou a sua plena carreira de nação independente.

Ao passo que as nações hispano-americanas têm sido cenário de sangrentas revoluções, enquanto o mundo civilizado contempla com horror, surpresa e piedade as regras espontaneamente constituídas dos direitos do povo repetidamente conspurcadas sob os pés de facções turbulentas e fanatismos clericais, ou pela tirania dos mais estreitos ditadores, — a única nação luso-americana (embora tenha tido revoltas locais de pequena duração), sustentou apenas duas revoluções, e essas mesmo pacíficas, — a primeira em defesa da Constituição [A10] — a segunda, a proclamação da maioridade de dom Pedro II, pela suspensão de um simples artigo do estatuto governamental.

O México que, em extensão territorial, população e recursos naturais, mais propriamente se pode comparar ao Brasil do que qualquer outra nação hispano-americana, estabeleceu a sua primeira Constituição apenas um mês (fevereiro de 1824) mais cedo que a adoção da carta brasileira.

Mas o pobre México tem sido presa de cada demagogo inescrupuloso que pôde temporariamente comandar o seu exército. Sua Constituição foi repetidamente violada; os soldados vitoriosos de uma nação mais forte colocaram-no à mercê de um governo estrangeiro; foi despojado de seu território; seu comércio estropiado e reduzido por sua própria inércia; sua política estreita; a segurança pessoal e a prosperidade nacional são desconhecidas, e seu povo presentemente não se encontra mais adiantado do que quando a Constituição foi pela primeira vez posta em prática em 1835.

O Brasil, pelo contrário, tem continuamente progredido. A cabeça coroada do Império está na mesma família, governando sob a mesma Constituição promulgada em 1824. Seu comércio duplica de dez em dez anos; possui cidades iluminadas a gás, longas linhas de navegação, e os primórdios da viação férrea se desenvolvem do litoral para o fértil interior; dentro de suas fronteiras, a educação e os recursos intelectuais constantemente progridem.

Esse grande contraste não pode ser atribuído conjuntamente às diferenças entre os dois povos e suas diferentes formas de governo. É inegável que a monarquia é mais apropriada para as nações latinas do que a República; e é igualmente evidente que existe uma grande dessemelhança entre os espanhóis e os portugueses e seus respectivos descendentes.

Os espanhóis afetam desprezar os portugueses, e estes com efeito, ultimamente se depreciaram aos olhos do mundo [A11]. Os filhos de Castela, tomados indistintamente, são ambiciosos, dados a cavalarias, intolerantes, fátuos, extravagantes e indolentes. Os filhos da Lusitânia não são isentos de vaidade, porém mais tolerantes e menos turbulentos que seus vizinhos, e também mais econômicos e trabalhadores.

As razões pelas quais, sob os desígnios da Providência, notam-se as grandes divergências entre os resultados das Constituições Brasileira e Mexicana, podem ser assim brevemente resumidas: — o Brasil, conservando mesmo uma coroa monárquica hereditária, compreendeu mais plenamente o elemento democrático; reconhecendo embora estabelecida pelo Estado a religião Católica Romana, garantiu, com a simples limitação dos campanários e sinos, os irrestritos direitos de culto para todos os credos; estabeleceu processos de julgamento público, o habeas-corpus e o júri.

O México, na sua Constituição, copiou a dos Estados Unidos, mas afastou-se desta em dois pontos particulares da maior importância, lembrando os atores ambulantes que se desviam da tragédia original quando avisam que o Hamleto vai ser representado menos o papel do príncipe da Dinamarca.

A Constituição mexicana institui uma religião exclusiva com todo o rigoroso fanatismo da Velha Espanha; e omitiram nela os julgamentos públicos e a intervenção do júri. Os pontos de partida do Brasil e do México foram inteiramente diferentes: o primeiro, favorecido de começo com uma forma de governo e princípios liberais, ultrapassou o segundo em tudo aquilo que constitui a verdadeira grandeza de uma nação.

O Brasil, contudo, não atingiu a sua honrosa posição atual na América do Sul sem passar por dias de hesitante e dura experiência. Os corruptos e sem princípios eram em maior número do que os que possuíam austeras e patrióticas virtudes. O povo ignorava e não estava acostumado com o governo de si próprio, deixando-se utilizar por chefes inescrupulosos para o conseguimento de seus propósitos pessoais.

Governo de d. Pedro I.

O governo de dom Pedro I se continuou por dez anos e, durante esse período, o país inquestionavelmente fez maiores progressos intelectuais do que nos três séculos que vão da descoberta à proclamação da Constituição Portuguesa em 1820. Todavia, não deixou de ter suas faltas e dificuldades. Dom Pedro, embora não fosse tirânico, era imprudente. Enérgico, porém inconstante; admirador da forma representativa de governo, porém hesitante na sua execução prática.

Elevado a herói durante as lutas da independência, parece se ter deixado guiar mais pelo exemplo de outros potentados do que por uma madura consideração do estado real e das exigências do Brasil; daí, talvez, a sofreguidão com que se aventurou a uma guerra contra Montevidéu, que certamente teve suas origens numa agressão e, depois de paralisar o comércio, pôr em cheque a prosperidade e exaurir as finanças do Império, terminou pela cessão completa e sem restrições da província em litígio.

Pode-se dar a entender que a derrota dos brasileiros na Banda Oriental, através de uma aparente desgraça, foi uma das maiores bênçãos que pôde ser conferida ao Império. Parece-nos que essa guerra e seus desastrosos resultados serviram de meio para preservar o Brasil de introduzir em sua Constituição medidas que, uma vez postas em execução, teriam levado ao abandono de alguns de seus mais valiosos institutos. O insucesso das armas quase aniquilou a sede das distinções militares que estava sendo despertada; e as energias das gerações nascentes foram portanto desviadas de preferência para as realizações civis, de que resultaram as melhorias que serviram para consolidar a boa situação do Estado.

Motivos de insatisfação.

Somando-se à imprudência a inconstância do imperador, dizia-se — e não sem alguma verdade — que os seus hábitos eram extravagantes e sua moral extremamente deficiente
[A12]. Mas, contudo, a principal causa de sua impopularidade pessoal parece ter consistido em nunca ter sabido tornar-se o homem de seu povo, tornando-se inteira e verdadeiramente um brasileiro.

Ouviram-no sempre expressar a opinião de que a única verdadeira força de um governo reside na opinião pública; mas, infelizmente, não soube conciliar-se com opinião pública do povo sobre o qual foi seu destino reinar. Durante todo o período da Revolução, demonstrara, sob a excitação do entusiasmo, sentimentos calculados para lisonjear o nascente espírito nacionalista, e acreditaram em sua sinceridade; mas o subsequente emprego de força estrangeira, sua contínua interferência nos negócios de Portugal, a criação de um gabinete secreto, e a nomeação de portugueses naturalizados para as mais altas funções do Estado, com a visível exclusão dos naturais do país, deram, ao povo ciumento, a impressão geral de que o próprio monarca continuava ainda português de coração.

Os brasileiros natos acreditavam que eram olhados com suspeição, e por isso tornaram-se pouco confiantes num governo que supunham sustentando interesses e partido estrangeiros. Deram-se várias oportunidades para manifestarem a sua insatisfação, sendo tais manifestações correspondidas por medidas mais atentatórias.

Finalmente, após infrutíferos esforços para suprimir o espírito de rebeldia em diferentes partes do Império, dom Pedro encontrou-se em condições tão penosas e humilhantes como as que haviam forçado seu pai, dom João VI, a retirar-se do Brasil.

A oposição, que estivera encoberta por longo tempo, tornou-se indisfarçada e sem tréguas. Os atos mais insignificantes do imperador eram desvirtuados contra ele, e todas as irregularidades de sua vida privada foram trazidas a público. Pessoas a quem tinha beneficiado abandonaram-no, percebendo que a sua estrela empalidecia, cometendo a baixeza de contribuir para a sua queda. O próprio exército - que ele tinha erguido com imenso sacrifício, e mantido com grande prejuízo de sua popularidade, tendo nele depositado mais confiança do que no povo - traiu-o no final.

Agitação popular.

Após várias agitações populares, que tiveram por efeito constante alargar a brecha entre o partido imperial e os patriotas, reuniu-se o povo do Rio de Janeiro no Campo de Santana no dia 6 de abril de 1831, e começou a reclamar a demissão do novo ministério e a reintegração de certas personalidades que haviam sido demitidas naquela mesma data.

Dom Pedro I, ao tomar conhecimento da reunião do povo e de seu objetivo, lançou uma proclamação, assinada por ele e seu ministério, assegurando que o seu governo era perfeitamente constitucional e que os membros do gabinete se regiam por princípios constitucionais. Um juiz de paz foi despachado para ler ao povo essa proclamação, mas apenas tinha concluído a leitura, e o documento foi arrancado de suas mãos e pisado com os pés.

Os gritos de reintegração do gabinete tornaram-se mais fortes; a multidão rapidamente avolumou-se e, cerca de seis horas da tarde, três juízes de paz (na América Espanhola teria sido um batalhão de soldados) foram despachados para a residência imperial para pedir que "o ministério que merecia a confiança do povo" — era assim que se referiam ao último gabinete — fosse chamado novamente ao poder. O imperador ouviu ler a petição, porém recusou-se a ceder ao pedido. E exclamou: "Tudo farei para o povo, mas nada pelo povo!"

Logo que essa resposta foi dada a conhecer à multidão reunida no Campo, ouviram-se os mais sediciosos gritos, e as tropas começaram a reunir-se aí para fazer causa comum com o povo. Outras representações foram enviadas ao imperador, mas foram inúteis. Ele declarou que preferiria ser morto a receber ordens da populaça.

O batalhão denominado "do Imperador", aquartelado na Boa Vista, foi juntar-se a seus camaradas no Campo, onde chegaram cerca de 11 horas da noite; até a Guarda de Honra Imperial, que fora chamada a palácio, acompanhou-o. O povo, já reunido, começou a armar-se para formar barricadas. O partido português, nesse meio tempo, julgando-se proscrito e abandonado, não se aventurou mais a sair à rua.

O Imperador, nesse momento de provação, dizem que demonstrou dignidade e magnanimidade desconhecidas nos dias de prosperidade. De um lado, a imperatriz chorava amargamente, prevendo as mais funestas consequências; de outro, um ajudante militar da concentração formada pela tropa e pelo povo, instava com ele por uma resposta final.

Dom Pedro I mandara vir à sua presença o intendente da Polícia, desejando que ele fosse procurar Vergueiro
[T24], um nobre patriota, que já fora um favorito do povo, e que reunia moderação e austera integridade. Vergueiro não pôde ser encontrado. O emissário da tropa e do povo instava para que Sua Majestade lhe dissesse a sua imediata decisão, ou seriam cometidos excessos pela ideia de que ele, o emissário, tivesse sido assassinado ou aprisionado.

O Imperador replicou, com calma e firmeza: — "Certamente que não hei de nomear o ministério que eles pedem: minha honra, juntamente com a Constituição, proíbem-no, e eu abdicaria, ou mesmo me deixaria matar, antes que consentir em semelhante nomeação." O ajudante partiu para dar a resposta a seu general, mas d. Pedro, (que parecia estar em luta com alguma grande resolução), disse-lhe que ficasse para uma resposta final.

Abdicação em favor de d. Pedro II.

Não se teve notícia de Vergueiro. A multidão estava se tornando cada vez mais impaciente, e o imperador continuava firme na sua convicção de que era aquilo que o seu posto e a Constituição dele exigiam num momento tão crítico. Mas afinal, como o nobre veado de Landseer, perseguido pela matilha, ele ficou só.

Abandonado, hostilizado, irritado e fatigado acima de qualquer descrição, triste porém elegantemente, rendeu-se às circunstâncias, e tomou a única medida compatível com a sua convicção e a dignidade de suas funções imperiais. Eram duas horas da madrugada, quando se sentou, e, sem pedir conselho a ninguém ou mesmo comunicar ao ministério a sua resolução, redigiu a sua abdicação nos seguintes termos:

"
Usando dos direitos que a Constituição me concede, declaro que voluntariamente abdico em favor de meu muito amado e estimado filho, Dom Pedro de Alcantara

"Boa Vista, 7 de abril de 1831, 10º ano da Independência do Império
".

Ergueu-se em seguida e, dirigindo-se em pessoa ao emissário do Campo de Santana, disse-lhe: "
Aqui está a minha abdicação: seja feliz! Retirar-me-ei para a Europa, deixando o país que tanto amei e ainda amo".

Lágrimas misturavam-se às suas palavras, e ele rapidamente retirou-se para uma sala adjacente, onde estavam a imperatriz e os embaixadores de Inglaterra e França. Posteriormente demitiu todos os ministros, exceto um e, num decreto com a data de de 6 de abril, resolveu nomear José Bonifácio de Andrada (que, juntamente com seus irmãos, tinha tido permissão para voltar do exílio em 1828), tutor de seus filhos.

Foi uma eloquente demonstração da ingratidão com que havia sido tratado na hora da adversidade, esta de, entre todos aqueles a quem conferira títulos e riquezas, ser obrigado a apelar de novo para o ancião enfermo que, anteriormente, tinha demitido e cruelmente injustiçado.

Finalmente, depois de arranjar seus negócios particulares, embarcou num navio de guerra inglês, o Warspite, acompanhado pela imperatriz [A13] e sua filha mais velha, a falecida rainha de Portugal.

Foi uma sorte para o Brasil ter usufruído daquilo que nenhum país sul-americano alguma vez experimentou — isto é, um estado de transição. Não foi precipitado de uma situação de colônia — etapa infantil — num autogoverno, que só pode ser um estado normal para nações adultas.

Teve, como vimos, o rei de Portugal, dom João VI, com todo o seu prestígio, como primeiro guia de sua existência como nação; em seguida, o filho do rei, que, por circunstâncias especiais, foi por algum tempo o ídolo do povo, auxiliou o Brasil a atingir a maioridade para poder se aprestar para as instituições de um governo representativo melhor do que todos os países seus vizinhos, que perfizeram suas independências em datas anteriores.

Se a transição houvesse sido mais violenta, a permanência de tais instituições teria periclitado. Dom Pedro foi certamente, nas mãos de Deus, o agente proeminente que deu ao Brasil a forma de governo que hoje tão sabiamente dirige o Império.

Com todas as suas faltas, dom Pedro I foi um grande homem, que possuiu algumas nobres aspirações, somadas a uma presteza de ação que será lembrada muito tempo depois de os seus erros serem esquecidos. Somente um grande homem podia ter voltado à Europa para tomar parte na grande batalha da monarquia constitucional contra o absolutismo, como ele o fez em oposição ao seu irmão, dom Miguel. Seu breve, porém cavalheiresco e heroico devotamente à causa das liberdades civis e religiosas em Portugal exige a nossa mais alta admiração; e a bem-sucedida elevação ao trono da jovem rainha dona Maria trouxe calma ao reino, e foi um dos maiores triunfos na Europa do liberalismo sobre o absolutismo.

Com o correr dos anos, os verdadeiros méritos de D. Pedro I vão sendo reconhecidos pelos brasileiros. Estátuas e monumentos públicos se erguem em sua memória; e, embora não seja totalmente aplicável, contudo não é nenhuma adulação exagerada, tão comum nos climas meridionais, o fato de o intitularem o "Washington do Brasil".

Amou o seu país de adoção; e poucos dias depois da memorável noite de sua abdicação, contemplando pela última vez a cidade do Rio de Janeiro, sua magnífica baía e a altaneira Serra dos Órgãos, escreveu de todo o coração a seguinte despedida a seu filho, dom Pedro II, na qual não só se manifesta a sua afeição paterna, como um profundo carinho para com a terra cujo destino por algum tempo tão estreitamente se uniu ao seu:

"
Meu amado filho e meu imperador, muito me agradaram as linhas que me escrevestes. Pude lê-las a custo, pelas lágrimas copiosas que me turvaram os olhos. Agora que estou mais refeito, escrevo-vos esta para agradecer a vossa carta e declarar que, tanto quanto me dure a vida, a afeição por vós nunca se há de extinguir no meu dilacerado coração.

"Deixar filhos, pátria, amigos é o maior dos sacrifícios; mas levar consigo a honra imaculada — não pode haver maior glória. Sempre lembrai-vos de vosso pai; amai a vossa e a minha pátria; segui os conselhos daqueles que têm o encargo da vossa educação; e ficai certo de que o mundo vos admirará, e que eu ficarei cheio de alegria por ter um filho tão digno da terra do seu nascimento. Retiro-me para a Europa; isto é necessário à tranquilidade do Brasil, e que Deus possa fazer com que ele atinja o grau de prosperidade de que tanto e capaz.

"Adeus, meu queridíssimo filho! Receba as bênçãos de vosso afeiçoado pai, que parte sem a esperança de vos ver de novo.

D. Pedro de Alcantara

"Bordo da fragata Warspite, 12 de abril de 1831".

No dia seguinte d. Pedro I foi para bordo da corveta inglesa Volage. Antes do cair da noite, o Pão de Açúcar foi transposto e o ex-imperador deixou para sempre o Brasil.

Tendo assim brevemente narrado a história do Império até a abdicação do primeiro Imperador, voltaremos a nossa atenção novamente para o Rio de Janeiro, onde a maioria dos acontecimentos se passou. A instituição da Regência e os vários progressos e transformações sob o governo do novo monarca, d. Pedro II, virão mencionados no Capítulo XII.


Notas do autor:

[A09] José Bonifácio era o primeiro ministro, e Martim Francisco de Andrada estava à frente do Departamento das Finanças.

[A10] A abdicação de dom Pedro I em favor de seu filho, dom Pedro II, atual Imperador.

[A11] "Prive um espanhol de todas as suas virtudes, e fará dele um bom português." (Provérbio espanhol).

[A12] Os habitantes mais velhos do Rio de Janeiro não se esqueceram por certo do lugar que a marquesa de Santos ocupou no afeto do primeiro imperador; e o seu desdenhoso tratamento para com a sua própria esposa — filha da altiva casa dos Habsburgos — era notório. Dizia-se, porém, que, embora um mau esposo, era um bom pai.

[A13] A segunda imperatriz era filha do príncipe Eugenio Beauharnais, [e foi] com quem d. Pedro I se casou em 1829.

Notas do tradutor:

[T22] Os companheiros de exílio dos Andradas aqui citados são Joaquim José da Rocha, depois ministro do Brasil em Paris, durante a regência, e Francisco Gê Acaiaba de Montezuma, a quem coube posteriormente grande papel político no Senado do Império.

[T23] José Joaquim Carneiro de Campos, Marquês de Caravelas, membro da Regência Provisória, redigiu a Constituição do Império de 1823.

[T24] Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, membro da Regência Provisória.