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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - CUBATÃO EM... - 1839 - BIBLIOTECA NM
1839-1855 - por Kidder e Fletcher - 04

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Em meados do século XIX, os missionários metodistas estadunidenses Daniel Parrish Kidder (1815-1892) e James Cooley Fletcher (1823-1901) percorreram extensamente o território brasileiro - passando inclusive por Santos e por Cubatão em 1839 (Kidder) e 1855 (Fletcher) -, fazendo anotações de viagem para o livro O Brasil e os Brasileiros, que teve sua primeira edição em 1857, no estado de Filadélfia/EUA.

Kidder fez suas explorações em duas viagens (de 1836 a 1842), e em 1845 publicou sua obra Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil (leia), sendo seguido por Fletcher (a partir de 1851), que complementou suas anotações, resultando na obra O Brasil e os Brasileiros, com primeira edição inglesa em 1857 e sucessivamente reeditada.

Esta transcrição integral é baseada na primeira edição brasileira (1941, Coleção "Brasiliana", série 5ª, vol. 205), com tradução de Elias Dolianiti, revisão e notas de Edgard Süssekind de Mendonça, publicada pela Companhia Editora Nacional (de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre), publicada em forma digital (volume 1 e volume 2) no site Brasiliana, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ - acesso em 30/1/2013 - ortografia atualizada - páginas 64 a 78 do volume 1):

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O Brasil e os Brasileiros

Daniel Parrish Kidder/James Cooley Fletcher

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Grande Aqueduto - Rua dos Arcos

Imagem: reprodução da página 66 do 1º volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional

Capítulo IV

Primeiros tempos do Rio de Janeiro.

Durante cento e quarenta anos depois de sua fundação, a cidade de São Sebastião desfrutou tranquila prosperidade. Essa calma representava um feliz contraste com o espírito turbulento da época e, principalmente, com a situação das principais cidades e regiões colonizadas do Brasil; quase todas estas, durante tal período, foram atacadas por ingleses, holandeses ou franceses. Consequentemente, a população e o comércio da cidade aumentaram consideravelmente.

Nos começos do século XVIII, foram descobertas pelos paulistas, habitantes de São Paulo, as principais minas de ouro do interior. Deram eles o nome de Minas Gerais à vasta província, que se tornou posteriormente, como até hoje, tributária do porto do Rio de Janeiro.

A exploração do ouro produziu aí efeitos semelhantes aos das colônias espanholas. A agricultura se viu quase abandonada, tendo o preço dos escravos — introduzidos desde os primeiros tempos — aumentado enormemente e a prosperidade geral da região decrescido; enquanto todo aquele que pôde partiu em busca de minas, na esperança de enriquecer rapidamente. Acreditamos que as condições anormais e singulares da Califórnia de 1848 tiveram o seu símile três séculos antes no Brasil.

Até o governador do Rio, esquecido de sua posição oficial e das suas obrigações, foi a Minas e entregou-se com avidez à busca de tesouros.

Ataques dos franceses.

A fama das douradas descobertas chegou ao estrangeiro, e despertou a cupidez dos franceses que, em 1710, enviaram uma esquadra, comandada por M. Du Clerc, com o fim de capturar o Rio de Janeiro. A expedição foi total e ingloriamente derrotada pelos portugueses, sob as ordens de Francisco de Castro, governador da cidade. Esse chefe não possuía qualquer habilidade militar, mas vencendo desordenadamente os franceses, permitiu horríveis crueldades praticadas para com os prisioneiros. A França não se demorou em demonstrar seu ressentimento pela desumanidade com que foram tratados os seus filhos.

M. Duguay Trouin, um dos mais hábeis marinheiros de seu tempo, conseguiu permissão para vingar seus compatriotas e saquear o Rio de Janeiro. Encontrou particulares dispostos a custear as despesas da expedição, na expectativa de lucros. O projeto foi aprovado pelo Governo e uma imensa força naval foi posta à disposição de Trouin.

Essa expedição foi eminentemente bem-sucedida; a cidade foi assaltada, tomada, e em seguida resgatada por pesada soma. Foi durante o bombardeio que o convento de São Bento foi atingido, sendo ainda visíveis as marcas das balas de canhão.

O saque e o tributo foram tão grandes que, não obstante na viagem de volta alguns navios franceses terem naufragado com 1.200 homens e a parte mais valiosa da presa, ficou para os aventureiros um lucro de noventa por cento sobre o capital arriscado.

Depois que Duguay Trouin com a sua esquadra voltaram para a sua pátria, nenhuma outra inimiga entrou no porto do Rio de Janeiro. Grandes transformações se operaram então nas condições dessa cidade.

Melhoramentos durante o governo dos vice-reis.

Em 1763 o Rio substituiu a Bahia como sede do governo, tornando-se residência dos vice-reis.

Nesse período foram realizados importantíssimos melhoramentos na capital. Os pântanos, que cobriam considerável extensão do solo onde a cidade atualmente está edificada, foram drenados e canalizados. As ruas foram calçadas e iluminadas. Os carregamentos de escravos africanos, que até então eram expostos à venda nas ruas, exibindo cenas de tristeza e horror, bem como expondo os habitantes às piores doenças, foram obrigatoriamente removidos para o Valongo, designado como mercado geral desses infelizes seres.

Multiplicaram-se as fontes de água corrente. O grande aqueduto que domina toda a rua dos Arcos foi construído nessa época; e por esses e outros vários meios, a saúde, o conforto e a prosperidade da cidade foram promovidos sob as sucessivas administrações do conde da Cunha, do marquês do Lavradio e de Luiz de Vasconcellos.

O sistema de governo mantido durante esses tempos em todo o Brasil era de extremo absolutismo e, de modo algum, imaginado para desenvolver os grandes recursos do país. Não obstante isso, os mais esclarecidos estadistas de Portugal previam que a colônia eclipsaria um dia a glória da mãe-pátria. Ninguém, porém, seria capaz de prever a aproximação de acontecimentos que viriam levar a família real (a Casa dos Braganças) a procurar asilo no Novo Mundo e estabelecer a sua corte no Rio de Janeiro. O final do século XVIII testemunhou o desenvolvimento desses fatos.

A Revolução Francesa e o espírito orientador que com ela se formou envolveram o sonolento reino de Portugal nas lutas do Continente. Napoleão determinara que a corte de Lisboa se declarasse contra a sua velha aliada, a Inglaterra, concordando com o bloqueio continental adotado pelo ditador Imperial da França. O príncipe regente prometeu mas hesitou, protelou e, finalmente, declarou guerra à Inglaterra, mas já muito tarde.

A vacilação do príncipe regente apressou os acontecimentos, produzindo-se a crise. Uma esquadra inglesa, sob o comando de sir Sidney Smith, estabeleceu o mais rigoroso bloqueio na foz do Tejo, e o embaixador inglês não deixou outra alternativa a dom João VI do que ou entregar à Inglaterra os navios de guerra portugueses, ou aproveitar-se da própria divisão inglesa para proteção e transporte da família real para o Brasil.

O momento era crítico: o exército de Napoleão havia penetrado pelas montanhas da Beira; só uma partida imediata salvaria a monarquia. Não restou ao príncipe regente senão a alternativa de escolher entre um trono vacilante na Europa e um vasto império na América. A sua indecisão chegara ao fim.

Por um decreto real, anunciou sua intenção de retirar-se para o Rio de Janeiro, até à conclusão de uma paz geral. Os arquivos, os tesouros, e os mais preciosos bens da coroa, foram transferidos para os navios portugueses e ingleses; e, a 29 de novembro de 1807, acompanhado de sua família e de uma multidão de fiéis servidores, o príncipe regente fez sua partida entre as salvas combinadas dos canhões da Grã-Bretanha e de Portugal. Nesse mesmo dia, o marechal Junot atirava com seus canhões das alturas de Lisboa e, na manhã seguinte, tomava a cidade. Desde os primeiros dias de janeiro que as notícias de tão surpreendentes acontecimentos chegaram ao Rio, despertando o mais vivo interesse.

O que os brasileiros teriam sonhado como uma remota possibilidade estava agora em vias de realização. A família real era esperada a qualquer dia, e os preparativos para a sua recepção ocupavam a atenção de todos. Preparou-se imediatamente o palácio do vice-rei, e todos os edifícios públicos do Largo do Paço foram evacuados para acomodar a comitiva real. Não se julgando isso suficiente, os proprietários das casas particulares situadas nas vizinhanças foram convidados a abandonar suas residências e mandar as respectivas chaves ao vice-rei.

Eram tais os sentimentos do povo em relação à hospitalidade devida a seus ilustres hóspedes, que nada parece ter sido esquecido; muitas pessoas, mesmo de famílias menos opulentas, ofereceram voluntariamente quantias em dinheiro e objetos de valor para aumentar o conforto dos recém-chegados.

Chegada da Família Real portuguesa.

Tendo a frota sido dividida por um temporal, os navios principais aportaram à Bahia, onde dom João VI assinou a carta-régia que abria os portos do Brasil ao comércio internacional. Finalmente, toda a esquadra deu entrada no porto do Rio de Janeiro, a 7 de março de 1808.

Em sinal de alegria, todas as casas ficaram vazias e os morros cobertos de espectadores. Os que o puderam fazer, tomaram embarcações e saíram barra afora para receber a esquadra real. O príncipe, logo que desembarcou, encaminhou-se para a catedral, a fim de publicamente render graças pela sua feliz chegada. A cidade se iluminou nove noites seguidas.

Rápidas transformações políticas.

Para que se possa fazer uma ideia das transformações que se deram no Brasil durante os últimos cinquenta anos, deve ser lembrado que, antes do período de tempo que estamos considerando, todo comércio e quaisquer relações com os estrangeiros haviam sido rigidamente proibidos pela política estreita de Portugal.

Somente navios pertencentes às nações aliadas á mãe-pátria tinham ocasionalmente permissão para ancorar nos portos da gigantesca colônia; mas nem os passageiros nem os tripulantes tinham licença de desembarcar, a não ser sob a vigilância de uma guarda de soldados. A política adotada pela China e pelo Japão era apenas um pouco mais rigorosa e proibitiva.

Para impedir toda possibilidade de comércio, os navios estrangeiros — quer tivessem aportado para fazer reparos ou em busca de provisões e água — logo depois de sua chegada eram guarnecidos com uma guarda da alfândega, e o prazo para a sua demora era fixado pelas autoridades de acordo com as necessidades do caso.

Como consequência desses regulamentos opressivos, um povo rico em ouro e diamantes não tinha possibilidade de adquirir os elementos essenciais para a sua agricultura e seu conforto doméstico. Um rico plantador, em condições de usar a mais rica baixela de prata maciça numa festa, não podia oferecer a cada um de seus hóspedes uma faca em sua mesa. Um simples copo tinha necessidade de fazer repetidas voltas em torno dos convivas. A imprensa periódica não fizera ainda seu aparecimento. Livros e leitores eram igualmente raros. A população era por todos os meios obrigada a sentir a sua dependência; e o espírito de iniciativa e produção industrial era como que desconhecido.

Com a chegada do príncipe regente abriram-se os portos. Fundou-se uma tipografia, sendo publicado um jornal oficial. Instituíram-se academias de Medicina e Belas-artes. A Biblioteca Real, contendo 60 mil volumes, foi aberta para a livre consulta do público. Convidaram-se personalidades estrangeiras, e fixaram residência no Rio de Janeiro os embaixadores da Inglaterra e da França.

Nesse período datam decisivos melhoramentos nas condições e aspectos da cidade. A capital se viu acrescida de novas estradas e novos cais, foram edificadas esplêndidas residências nas ilhas e morros circunvizinhos, aumentando pela ampliação da cidade, as belezas pitorescas da paisagem circundante. O rápido e continuado influxo dos portugueses e estrangeiros não só se manifestou sobre a população do Rio de Janeiro, como também penetrou no interior, produzindo novas vias de comunicação, novas cidades e remodelação das antigas. Na verdade, foi o país inteiro a receber grandes e rápidas transformações.

Os costumes do povo experimentaram também uma transformação correlata. Introduziram-se as modas europeias. Da reclusão e restrições do isolamento, o povo emergiu nas cerimônias festivas da corte, cujas recepções e festas de gala atraíam multidões de toda parte. Na sociedade misturada que a capital então ostentava, espanou-se o pó do retraimento, desapareceram antiquados costumes, novas ideias e modos de viver foram adotados, propagando-se de círculo em círculo e de cidade em cidade.

Os negócios também mudaram de aspecto. Abriam-se casas de comércio estrangeiras, tendo-se estabelecido artistas estrangeiros no Rio e noutras cidades.

O Brasil não podia permanecer por mais tempo colônia. Em dezembro de 1815, um decreto foi promulgado que o elevava à categoria de reino, formando, daí em diante, parte integrante do Reino Unido de Portugal, Algarve e Brasil. É difícil imaginar o entusiasmo despertado por essa transformação inesperada em toda a vasta extensão da América Portuguesa. Enviaram-se mensageiros para levar a boa nova recebida com espontâneas luminárias do Prata ao Amazonas.

Apenas se dera tal acontecimento e a rainha, dona Maria I, falecia. Era mãe do príncipe regente, e durante anos permanecera em estado de demência, de formas que a sua morte não influiu sobre os negócios políticos. Seus funerais foram realizados com grande pompa, e o seu filho, em respeito por sua memória, adiou a aclamação de seu acesso ao trono por mais um ano. Foi finalmente coroado, com o título de dom João VI. As cerimônias da coroação foram celebradas com digna magnificência no Largo do Paço, na data de 5 de fevereiro de 1818.

Entre as vantagens decorrentes do novo estado de coisas no Brasil, havia muitas circunstâncias apropriadas a provocar descontentamentos políticos. Assim foi que irromperam sentimentos de animada aversão contra os portugueses natos que, se bem que bastante modificados, ainda se notam em todo o Império, e fizeram com que, mais tarde, a separação do Brasil de sua mãe-pátria se processasse com mais facilidade que a das treze colônias da Norte-América em relação à coroa da Grã-Bretanha.

Houvera sempre, mais ou menos desenvolvida, certa rivalidade entre os brasileiros natos e os portugueses; agora, porém, a antiga rivalidade encontrava uma nova causa de irritação. O Governo se sentia na obrigação de encontrar lugares de emprego para mais de vinte mil necessitados e aventureiros sem princípios que acompanharam a família real ao Novo Mundo.

Esses homens pouco cuidavam do bem-estar do Brasil, quer no que dizia com a administração da justiça, quer no que se relacionava com os atos em benefício do público. Seu máximo interesse tão só se manifestava no ardente desejo de tosquiar o país para a si mesmos se enriquecerem. Os títulos honoríficos se acumularam sobre os brasileiros que haviam dado suas casas e seu dinheiro ao príncipe regente, o qual, como só dispunha de decorações para lhes dar em retribuição, viu-se cercado de fidalgos que nunca demonstraram hábitos de cavalaria e cultura.

Exaltaram-se as ambições pelas distinções honoríficas num país que, até então, quase as desconhecia por completo. Cada qual aspirava tornar-se cavalheiro ou comendador, e o mais degradante servilismo foi posto em prática para obter o favor do rei. Indivíduos que haviam sido bons negociantes importadores, ou vendedores bem-sucedidos de mandioca ou café, uma vez condecorados, não podiam mais voltar às suas casas de negócio ou ao humilhante convívio da vida comercial, e tiveram que viver ou de suas fortunas previamente acumuladas ou de empregos públicos.

Nesse terreno foi que os brasileiros natos e os portugueses recém-chegados travaram suas primeiras batalhas. Eram rivais dos empregos e, uma vez conseguidos estes, os brasileiros se mostravam tão passíveis de toda espécie de suborno e corrupção como os mais venais parasitas da corte de Lisboa.

Os brasileiros levavam, contudo, uma vantagem sobre os seus adversários. Os naturais do país simpatizavam mais com seus irmãos recém-afidalgados e ouviam as suas queixas com ouvidos mais amigos. Tais fatos, juntamente com a deplorável moralidade que prevalecia na corte, contribuíram para aumentar o ciúme contra aquilo que os brasileiros consideravam como uma dominação estrangeira sobre eles.

A independência das colônias inglesas da Norte-América e as lutas revolucionárias vitoriosas de algumas das vizinhas províncias Hispano-Americanas, aumentaram ainda a intranquilidade pública; e a consciência desse crescente descontentamento e o receio de que o Brasil pudesse ser levado a imitar o exemplo de seus revoltados vizinhos espanhóis, tiveram sem dúvida poderosa influência sobre o Governo para fazer as concessões acima enumeradas.

À elevação do Brasil à categoria de parte constituinte do reino se seguira inegável tranquilidade; mas essa foi de curta duração. O descontentamento estava agindo. A projetada revolução de Pernambuco em 1817 foi denunciada ao Governo, razão pela qual os insurrectos foram prematuramente levados a pegar em armas e derrotados pelas tropas mandadas contra eles pelo conde dos Arcos. Dessa época parece datar a sistemática exclusão dos brasileiros natos dos postos de comando no exército.

As queixas se foram avolumando; mas não encontravam eco — como nas colônias da América do Norte; — por parte da imprensa que, juntamente com as escolas populares, acompanharam o despertar das colônias inglesas.

A primeira e, até então, única tipografia do país fora trazida de Lisboa em 1809, e estava sob a direta fiscalização das autoridades régias. Suas colunas fielmente registravam para o público brasileiro o estado de saúde de todos os príncipes da Europa. Estavam cheias de editais do Governo, odes natalícias e panegíricos da família real; porém as suas páginas conservavam-se imaculadas pelas ebulições da democracia e pela exposição de seus agravos.

Como bem disse Armitage: "a julgar-se o país pelo tom de seu único jornal, deve ele ser proclamado um paraíso terrestre, onde nenhuma palavra de queixa ainda pudera encontrar motivo para se expandir".

Partida de d. João VI — A vice-realeza nas mãos de d. Pedro.

Mas finalmente chegou o dia em que a monotonia do jornal da Corte foi interrompida, e o povo encontrou vozes para os seus protestos e ulterior solução.

A revolução que ocorrera em Portugal, em 1821, em favor de uma Constituição, teve sua similar no Brasil.

Após grande excitação e alarma provocados pelos tumultos populares, o rei dom João VI conferiu a seu filho dom Pedro, príncipe real, as funções de regente e representante de Sua Majestade no Reino do Brasil. Apressou em seguida a sua partida para Portugal, acompanhado pelo resto de sua família e a principal nobreza que o tinha acompanhado.

O desiludido monarca embarcou a bordo de um navio de guerra a 24 de abril de 1821, deixando a mais vasta e bela porção de seus domínios entregue a um destino na verdade não imprevisto por Sua Majestade, mas que se cumpria muito mais breve que os seus melancólicos presságios haviam suposto [A08].

Rápidas como foram as transformações políticas no Brasil durante os últimos dez anos, maiores mudanças ainda estavam para suceder. Dom Pedro, que então gozava das dignidades de príncipe regente e representante de Sua Majestade o rei de Portugal, contava nessa época vinte e três anos de idade.

Possuía muitas das condições essenciais para a popularidade. Sua beleza pessoal não era mais notória do que suas maneiras francas e afáveis, e seu temperamento, se bem que caprichoso, era entusiástico. Tinha decisão de caráter, e era alguém que parecia conhecer quando era a ocasião apropriada para acalmar a populaça, como se deu quando, no Rio, enquanto o rei se conservava no Palácio de São Cristovão, apenas a três milhas de distância, deu ao povo e às tropas um decreto de sua exclusiva autoridade, pelo qual lhes assegurava uma irrestrita aceitação da futura Constituição das Cortes Portuguesas.

Sabia também como salvaguardar as suas prerrogativas. A esposa do príncipe era, por linhagem e talento, digna de sua mão, pois dona Leopoldina era arquiduquesa d'Áustria; corria em suas veias o sangue de Maria Tereza, e era irmã de Maria Luiza, noiva de Napoleão. Não era possuidora de grande beleza pessoal, mas a bondade de seu coração e sua atitude despretensiosa tornavam-na admirada por todos os que a conheciam.

Descontentamento dos brasileiros.

Dom Pedro deixara Portugal ainda muito jovem, e era voz corrente que as suas mais altas aspirações estavam associadas à sua terra de adoção. Nas funções de príncipe regente encontrou certamente alvo para suas mais ardentes aspirações; mas compreendeu que o rodeavam numerosas dificuldades políticas e financeiras.

Tão embaraçosas eram essas, que, passados alguns meses, rogou a seu pai que lhe consentisse resignar seus títulos e funções. As Cortes de Portugal, por esses tempos, mostrou-se ciumenta da posição do príncipe no Brasil, votou uma lei ordenando-lhe que regressasse à Europa, e ao mesmo tempo abolia os tribunais reais do Rio de Janeiro. Semelhante resolução foi recebida com indignação pelos brasileiros, que imediatamente se uniram em torno de dom Pedro, persuadindo-lhe de permanecer no Brasil. Seu assentimento deu ocasião às mais entusiásticas demonstrações de júbilo tanto entre os patriotas como entre os realistas. As tropas portuguesas desde logo demonstraram sintomas de rebeldia.

Parecia inevitável um conflito; porém o comandante português vacilou em vista da decidida oposição manifestada pelo povo, que correu às armas, propondo capitular com a condição de os seus soldados não serem desarmados. Isso foi concedido, diante de sua aceitação em retirarem-se para Praia Grande, cidade que fica do lado oposto da baía, até que houvesse meios para transportá-los para Lisboa, o que subsequentemente se realizou.

As medidas das Cortes de Portugal, que continuavam a ser extremamente arbitrárias em relação ao Brasil, acabaram por apressar no país a declaração de absoluta independência. Essa solução desde muito era ardentemente desejada pelos mais esclarecidos brasileiros, alguns dos quais haviam já instado com dom Pedro para que este assumisse o título de imperador.

Até então havia recusado, reiterando sua fidelidade a Portugal. Mas afinal, quando em viagem pela província de São Paulo, recebeu da mãe-pátria mensagens tais que tiveram por efeito cessar todas as delongas, levando-o a pronunciar-se pela independência de forma tão decisiva e explícita que daí em diante quaisquer medidas retrógradas seriam impraticáveis.

Proclamação da Independência.

No dia 7 de setembro de 1822, d. Pedro, ao ler aquelas mensagens, estava rodeado de seus cortesãos, nessas belas campinas que ficam à vista da cidade de São Paulo, que sempre fora, como até hoje, celebrada no Brasil pelo liberalismo e inteligência de seus habitantes.

Foi aí que, às margens de um insignificante riacho, o Ipiranga, soltou a exclamação: "Independência ou Morte", que se tornou a palavra de ordem da Revolução Brasileira; a independência do país teve no 7 de setembro a sua data oficial. Foi uma memorável circunstância aos olhos de todo o mundo civilizado, e deve constituir uma época na história do Continente Ocidental.

Tratava-se, realmente, de um grande acontecimento, que levaria às mais vastas consequências. Uma grande revolução se dera, iniciada por quem, pelo seu nascimento e posição, teria levado os filósofos e estadistas contemplativos a afirmar ser impossível que ele se tornasse o guia de uma causa popular. Descendia de uma longa série de monarcas europeus aquele que iniciou o movimento que veio separar a última — e mais fiel — das grandes divisões da América do Sul dos seus senhores de além-mar.

O príncipe regente apressou-se a voltar ao Rio de Janeiro, empreendendo rápida viagem; e nessa cidade, logo que foi conhecida a sua decisão, o entusiasmo pela sua pessoa não conheceu limites.

Aclamação de d. Pedro como imperador.

A municipalidade da capital baixou uma proclamação, com data de 21 de setembro, declarando sua intenção de interpretar os desejos manifestos do povo em proclamar dom Pedro "Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil". A cerimônia da proclamação foi realizada a 12 de outubro, no Campo de Santana, na presença das autoridades municipais, funcionários da corte, tropas e imensa concorrência de povo.

Sua Alteza aí publicamente declarou a sua aceitação do título que lhe fora outorgado, pela convicção que tinha de assim obedecer aos desejos do povo. As tropas dispararam suas armas na saudação do estilo, e a cidade iluminou-se à noite.

José Bonifácio de Andrada, primeiro ministro do Governo, promulgou nessa mesma ocasião um decreto solicitando que todos os portugueses que estivessem dispostos a abraçar a causa do povo manifestassem o seu assentimento usando no braço a senha do imperador "Independência ou Morte", ordenando outrossim que todos os dissidentes poderiam deixar o país dentro de um certo prazo, estabelecendo as penalidades impostas aos que, por alta traição, dessa data em diante atacassem, por atos ou palavras, a causa sagrada do Brasil.

O primeiro ministro era o mais velho de três irmãos, todos notáveis pelo talento, cultura, eloquência e (embora às vezes facciosos) ardoroso patriotismo. Não se deixavam levar nem pela adulação da populaça nem pelo favor do imperador. José Bonifácio de Andrada combinava, em grau eminente, as várias excelências exigidas na emergência dos primeiros passos do Império.

A Revolução Brasileira foi relativamente uma revolução sem sangue. A glória de Portugal já empalidecera, seus recursos estavam exaustos e suas energias comprometidas por dissensões internas.

A nação portuguesa nada fizera de esforço sistemático e perseverante para manter sua ascendência sobre a sua longamente oprimida e agora rebelada colônia. As medidas insultuosas das Cortes se consumiram em sua própria vacuidade. Apenas na Bahia e alguns outros portos, manteve-se por algum tempo o domínio português, tendo sido ocupados pelas tropas reais. Mas logo depois essas tropas foram obrigadas a se retirar e deixar o Brasil entregue ao seu próprio governo.

Tão pouco contestada e tão rápida fora realmente essa revolução, que em menos de três anos da data em que a independência foi proclamada nas planícies do Ipiranga, o Brasil foi reconhecido independente pela corte de Lisboa. Entrementes, o imperador foi coroado sob o nome de dom Pedro I, e uma assembleia de representantes das províncias foi convocada para a elaboração de uma Constituição.


Nota do autor:

[A08] Quando o navio estava justamente para sair, o velho rei apertou o filho de encontro ao peito, pela última vez, e disse-lhe:

"
Pedro, o Brasil, eu estou vendo, vai em breve separar-se de Portugal; se tal se der, coloca a coroa na tua própria cabeça antes que ela possa cair nas mãos de algum aventureiro".