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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - FABRIL
O fim das antigas casas da Vila Fabril? (3)

Ali viveu o primeiro prefeito e existem ainda sambaquis do tempo dos índios
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Tratores entraram em cena, nos primeiros dias de 2004, e demoliram inúmeras casas que compunham a Vila Fabril, apesar dos protestos de pessoas e entidades interessadas na preservação desse patrimônio histórico cubatense. Nessa vila industrial morou inclusive o primeiro prefeito do município, cuja casa estava entre as demolidas. E, nas proximidades, estava a casa de Afonso Schmidt e sambaquis famosos, visitados até pelo imperador D. Pedro II. A preservação da vila começou quase um ano depois, em meio a lamentos pelo que foi perdido com as demolições, como os registrados pelo Jornal Costa Norte, de Bertioga, no caderno especial Cubatão 56 anos, em abril de 2005:
 

A Capela de Nossa Senhora Aparecida é um dos principais pontos turísticos do bairro
Foto: José Mário, publicada com a matéria

Bairros - A história em ruínas

A história dos bairros de Cubatão se confunde com a história da própria Cidade. Um dos bairros mais saudosos da população cubatense é a Vila Fabril, que teve um papel importante para o desenvolvimento de Cubatão e que, atualmente, luta para manter as suas poucas lembranças do início do século passado.

Há pouco mais de um ano, Cubatão começava a perder mais um pouco da sua história, quando foi demolida grande parte da área residencial da extinta Companhia Santista de Papel, na Vila Fabril.

O bairro, entre as décadas de 30 e 50, era considerado como a área nobre da Cidade, chegando a ser chamado de "Capital de Cubatão", em virtude da beleza e da grandeza das suas casas que eram consideradas as melhores de toda a região.

A área residencial possuía 146 casas quando o Município foi criado, em 1949, para abrigar os funcionários da Cia. de Papel.

Grande parte de seus moradores era de imigrantes italianos e portugueses. Enquanto a Light funcionava como um condomínio fechado, onde a única atividade comercial permitida era dos vendedores que traziam mercadorias para serem oferecidas de porta em porta, a Fabril possuía um perfil mais próximo ao de uma vila, já que neste local se permitia a instalação de pontos comerciais.

A construção seguia o estilo inglês, nos primeiros anos do século passado. Era um dos primeiros exemplos de vilas operárias da Baixada Santista, anterior à também vila residencial da Usina Henry Borden, erguida na década de 20.

A Cia. Santista de Papel foi fundada no início do século XX, sendo uma das fábricas papeleiras mais antigas do País. Com equipamento modernizado e produção destinada à exportação, pertence hoje ao conglomerado da Ripasa. No início da década de 90, a empresa começou a demolir parte das casas, à medida em que eram desocupadas pelos operários que se aposentavam.

Atualmente, várias casas da Vila já foram demolidas e a população mais antiga de Cubatão garante que essa ação pode ser considerada como "um crime contra o patrimônio histórico". Várias casas da Rua do Cinema (onde durante muitos anos funcionou o cinema do Zéca Machado) já tombaram. Entre curiosos e revoltados, os moradores remanescentes da Vila, com medo de perseguição, se calam em meio à destruição e lamentam a ruína de um passado de glórias.


Festa Junina em 1970
Foto: arquivo pessoal/Arlindo Ferreira, publicada com a matéria

A Fabril que ninguém desmancha

Por Edenir Esteves (*)

Os antigos moradores da Fabril se reúnem anualmente para matar as saudades de um dos bairros mais queridos de Cubatão. Como filhos pródigos, "errantes" e espalhados por todo o País, eles acodem de pronto ao chamado da sua comunidade. Assim, debruçam no passado à procura de um tempo perdido. Reverenciando, sem lágrimas, aqueles que entre nós viveram felizes e se foram para sempre. Filhos de uma terra de sol, sem ódio e cercada de amor. Um povoado humilde que irradiava uma intensa magia aos visitantes.

Seis pequenas ruas sem calçamento e orladas por fileiras de casas geminadas, assim era a Fabril. Nos fundos, longos quintais separados por cercas de bambus. E a Via Anchieta, a lembrar uma enorme serpente enroscada na encosta da Serra do Mar. Abaixo, na parte leste da vila, o rio preguiçoso seguindo seu curso de águas límpidas e cristalinas, onde nos banhávamos nas tardes quentes de verão e onde a pesca do robalo se fazia religiosa todas as manhãs de domingo. O langoroso apito a vapor da fábrica, ecoando pelas entranhas do vale, anunciava o início e o término de mais uma jornada de trabalho, onde brasileiros e imigrantes portugueses, italianos, húngaros, alemães e espanhóis labutavam, lado a lado, na produção do papel. Nunca se soube ao certo quantos eram.

Na faxina diária e nas festas, eles estavam sempre juntos a sorrir, homens, mulheres, jovens e crianças. Eram todos irmãos, tinham os mesmos rostos, as mesmas crenças, os mesmos sonhos que nos ensinaram a caminhar com nossos próprios pés por estradas de esperanças numa eterna primavera.

Infância pobre e de pés descalços, os meninos brincando de pique ou jogando bola nas ruas, enquanto as meninas entoavam cantigas de roda. E, assim, continuávamos vivendo sem saber que, à nossa volta, o mundo vivia sob a ameaça dos cogumelos atômicos e que algumas dezenas de milhões de mortos numa guerra estúpida e sem sentido virariam história. Nunca havíamos ouvido falar em disputas ideológicas, segregações religiosas ou raciais, centrais sindicais, greves ou economistas.

Atualmente, a vila não passa de um amontoado de escombros e casas em ruínas, sem manutenção e com poucos moradores. Somente nossas lembranças como fantasmas vagueiam pelas ruas desertas sem vida onde, vez por outra, ainda transita um velho ônibus. Já não se ouve mais o badalar dos sinos da igrejinha de Nossa Senhora da Aparecida, onde nossos pais se casaram e nós recebemos nosso primeiro sacramento.

Nossas recordações se amontoam como uma pilha de velhos livros em algum lugar no sótão de nossas memórias. Mas chegará por certo o dia em que saudades pousarão sobre os nossos túmulos como as folhas caídas do outono. E por entre os amontoados de guardados já oxidados, os que ficarem hão de procurar sem pressa em uma ou outra página amarelecida pelo tempo a nossa história vivida. E a nossa Fabril viverá para sempre em nossas memórias e nos nossos corações.

(*) Edenir Esteves é aposentado, nasceu e foi criado na Fabril.

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