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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
Caminhos para o apogeu

Em seu livro O Caminho do Mar - Subsídios para a História de Cubatão, editado pela Prefeitura Municipal de Cubatão em 1973 (1ª edição), Inez Garbuio Peralta faz estreita relação entre a melhoria das vias de comunicação litoral-planalto e o importante desenvolvimento registrado em Cubatão no século XIX:

Apogeu de Cubatão - início do século XIX

No início do século XIX, assume o governo da Capitania de São Paulo Antonio José da Franca e Horta (1) e se propõe a acelerar o desenvolvimento econômico de São Paulo, começando pelo que considerava o ponto de partida para o desenvolvimento comercial - a melhoria dos caminhos. Da qualidade das vias de comunicação dependia o sucesso do comércio. É o próprio Franca e Horta quem afirma (2) ter-se preocupado com as estradas, e particularmente com a estrada geral do Cubatão.

O melhoramento das estradas era de fato muito importante, pois, caso não se facilitassem as vias de transporte, que - diga-se de passagem - eram péssimas, não poderiam, o comércio e a agricultura, levar o progresso para a Capitania.

Na sua Exposição Minuciosa, datada de 1811, diz Antonio José da Franca e Horta (3):

"Olhei primeiro que tudo para a estrada geral que vai desta cidade para o porto de Cubatão e, (...) a V. Exa. é impossível a quem a não viu poder formar uma justa idea do que foi para o que é presentemente"....

Prossegue o autor do documento afirmando que construiu vários ranchos ao longo da estrada, cobertos de telhas, de duas a três léguas de distância, onde os tropeiros recolhiam suas cargas; todas as calçadas com exceção da calçada da serra, do cais do desembarque no Cubatão, a da vargem até o sopé da serra; ranchos, armazéns e casas para os viandantes daquém do Rio; reedificou a sede da Fazenda e reservou um pasto para os animais.

A estrada, segundo Franca e Horta, "era caminho de morros íngremes e atoleiros, estrada de paus que apodreciam e desempenhavam" (sic) (4).

No seu governo, a estrada geral de São Paulo a Cubatão passou a ser, até certo ponto, confortável para a época. Sua conservação na verdade, porém, foi sempre bastante precária. Hercules Florence, ao passar por ela, em 1825, afirmou que a serra "só pode ser vencida em péssimo caminho calçado de grandes lajes, na maior parte deslocadas, o que torna a subida sobremaneira fadigosa" (5).


Ao passar por Cubatão, em 1825, Hercules Florence (que depois seria conhecido como o pai da Fotografia) documentou com desenhos o que viu: casebres pobres e pouso de tropas
Gravura da obra Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829

Como vimos, todo esforço de Franca e Horta era feito no sentido de melhorar a produção agrícola e desenvolver o comércio para o exterior. Cubatão indiretamente recebia algumas vantagens.

Contudo, quem orientava a política econômica nessa época eram os grandes fazendeiros de açúcar, do quadrilátero açucareiro compreendido por Sorocaba, Piracicaba, Mogi Guaçu e Jundiaí, e os comerciantes desse produto, instalados na praça de Santos. E, nesse jogo de interesses econômicos e políticos, Cubatão era relegado para um plano secundário.

A pacata vila de Cubatão, que era um simples ponto de transbordo, entre São Paulo e Santos, após a expulsão dos jesuítas, sofria as conseqüências das injunções políticas dos proprietários da lavoura canavieira de serra acima e dos comerciantes de Santos.

Não só Franca e Horta, como todos os governadores da Capitania, fizeram os mais variados esforços para satisfazer a ambos.

Deslocação do povoado - Cubatão foi particularmente favorecido por Franca e Horta, pois ele ordenou a edificação da povoação na extinta fazenda dos jesuítas, entre os rios Capivari e Santana, na margem direita do Rio Cubatão, em 19 de fevereiro de 1803.

O local escolhido para o povoado foi descrito como um campo onde "os colonos com as comodidades de boa aguada para o seu uso e de boas terras para a lavoura acharão igualmente a de se verem defendidos pelos sobreditos rios, das invasões de animais vacuns e equinos, que apascentam em uma e outra margem" (6).

Além disso, Franca e Horta, em edital de 22 de agosto de 1803, convidou famílias de Iguape para povoarem Cubatão. Embora o fato pouco ou nenhum efeito tenha surtido, é ilustrativo para mostrar o interesse deste governador, com relação a Cubatão (7).

Era a consolidação definitiva da povoação de Cubatão, que passaria por várias crises, originárias de acontecimentos que abalaram a economia de São Paulo. Seu progresso, contudo, foi rápido. Nascido praticamente em 1803, dez anos depois já apresentava sintomas de vigor econômico, conforme se depreende da seguinte cena testemunhada pelo sueco Gustavo Beyer, que por lá passou, em 1813:

"Defronte da casa do guarda, num grande espaço plano, cujos lados são ocupados por armazéns e outras casas, trouxeram uma centena de mulas para serem arreadas e carregadas com as mercadorias que em canoas chegavam de Santos." (8)

Havia por essa época, em Cubatão, cerca de 100 pessoas; das 23 famílias que lá viviam, 11 se dedicavam ao comércio (9).

Todos os viajantes que passaram por Cubatão nessa época confirmam o grande comércio lá existente; esse movimento, logicamente, levava para o povoado mais progresso e um número maior de habitantes. Contudo, a capitania de São Paulo não tinha muitas condições de promover o povoamento de todas suas vilas. Faziam-se necessárias novas providências.


Ao passar por Cubatão, em 1825, Hercules Florence registrou em desenho a Calçada do Lorena, de onde se avistava a planície do Rio Cubatão
Gravura da obra Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829

Colonização açoriana - os Cinco Manuéis - O sucessor de Antonio José da Franca e Horta, D. Francisco de Assis Mascarenhas - Conde da Palma - tomou posse da Capitania em 8 de dezembro de 1814, e fez o possível para ter êxito em sua administração. Para sanar a escassez de habitantes da Capitania, promoveu a colonização.

Do núcleo de colonização açoriana, criado pelo governo para adaptação das famílias em Jundiaí e Campinas, tinham saído 20 famílias para formarem outro em Casa Branca, onde as famílias recebiam uma certa importância, até conseguirem se manter sozinhas.

Desse núcleo de Casa Branca partiram cinco famílias numerosas para povoarem Cubatão. Deveriam estabelecer-se nas antigas terras dos jesuítas. Eram os famosos cinco Manuéis: Manuel Antonio Machado, Manuel do Conde, Manuel Espínola Bittencourt, Manuel Raposo e Manuel Correia, pioneiros do povoamento de Cubatão. Esses açorianos, porém, só receberam suas cartas de sesmarias em 7/1/1819.

O primeiro recebeu 400 braças de terra, cujo início era no cruzamento do caminho da serra com a Estrada de Cubatão e chegava até o morro que ficava à margem da mesma estrada. Divisavam suas terras, ao Norte, com a estrada de Cubatão; ao Sul, com o citado morro que ia até o rio; a Leste, com as escarpas desse morro que deitavam para Oeste, com a picada que ia de Norte a Sul, isto é, da encruzilhada até o Rio Cubatão.

O segundo recebeu 46 braças de frente, com o início junto à povoação de Cubatão, rio abaixo; iam até a foz do riacho Cafezal. Divisavam, a Leste, com o mesmo riacho, até a forquilha; ao Norte, com o braço da forquilha, que corria para Oeste; ao Sul, com o Rio Cubatão e a Oeste com os morros que iam dar no rio Cubatão. Embora menor que os outros, sua gleba possuía a vantagem de ter casa próximo à povoação. Possuía outra mais distante, mas logo abandonada.

O terceiro recebeu terras com 190 braças de frente, iniciando junto ao riacho Cafezal, indo até a foz do Perequê. Limitava-se a Leste com o Rio Perequê; ao Norte com a serra Geral; ao Sul com o Rio Cubatão; a Oeste com o riacho Cafezal, seguindo até as terras de Manuel do Conde.

O quarto recebeu 400 braças. A picada aberta para delimitar as terras de Manuel Espínola servia para extremar as de Manuel Raposo, em direção Oeste. Como não podia fazer frente para o Rio Cubatão, devido aos charcos ali existentes, fora colocado no Perequê um marco divisório. Desse marco saía uma linha reta de 400 braças, no fim das quais saía outra, da serra Geral até a beira do Rio Cubatão.

O quinto ficou com 400 braças frente ao Rio Cubatão, acima da povoação, contada a partir da região chamada Cortumes, em direção rio abaixo; do extremo dessas linha seguiam duas outras rumo Norte e Sul que chegaram até os contrafortes da serra.

Em todos os pontos demarcados, foram colocados marcos pela Fazenda Real (10).

Demarcadas as terras, restava agora ter condições de sobreviver até que elas começassem a produzir. Foi o que faltou. Os abnegados colonos não tiveram qualquer auxílio que os ajudasse a vencer as dificuldades iniciais. Não fossem de fibra, a miséria e fome que os atingiu te-los-ia derrotado. Sem temor e sem esmorecimento, enfrentaram todas as dificuldades e perigos, garantindo a Cubatão um início de colonização verdadeiramente heróica.

Assim os descreveu Costa e Silva Sobrinho no seu livro Romagem pela Terra dos Andradas, ressaltando, com eloqüência, a penúria a que chegaram por volta de 1830:

"Ali fitando constantemente os olhos nas serranias de Cubatão, donde mais tarde iria despenhar-se para a liberdade a avalanche dos cativos (11), eles mourejavam como se fossem também mercância negra, traficada na costa da África" (12).

Tentaram, esses bravos colonos, a cultura do trigo e linho, mas sem obter bons resultados. Tiveram melhor sorte com a plantação do café, arroz, cana, mandioca, que se desenvolviam rapidamente. Entretanto, não conseguiram mais do que a agricultura de subsistência, embora Manuel Espínola chegasse a ter a maior renda do Cubatão (13).

Cubatão continuava ainda um arraial, porém com um comércio próspero, sendo descrito por Saint Hilaire, em 1819, da seguinte forma:

"Depois de um percurso de 3 léguas (por água), chegava-se a uma vila onde existia um posto alfandegário e que tem o mesmo nome dado ao rio e à montanha (arraial de Cubatão); ali também descarregavam-se os animais de carga vindos de São Paulo, recolhendo-se num depósito as mercadorias pelos mesmos trazidas da referida cidade, a fim de embarcá-las para Santos, quando a maré tornava-se favorável" (14).

Note-se como a tônica dos observadores é colocada sempre na carga e descarga de mercadorias, trocadas entre Santos e São Paulo, ou entre São Paulo e o exterior, através de Santos.

Cubatão - sua subsistência - O porto de Cubatão vivia, praticamente, do posto alfandegário, do transporte por água e do comércio. Havia, no povoado, ranchos para tropeiros e estalagens de pedra. O viajante, Hercules Florence, ao passar por Cubatão em 1825, afirmou encontrar-se ali um ponto de comércio bastante desenvolvido:

"(...) via diariamente chegar três a quatro tropas de animais e outras tantas partiam. Cada tropa compõe-se de 40 a 80 bestas de carga. (...) As tropas, ao descerem de São Paulo, vêm carregadas de açúcar bruto, toucinho e aguardente de cana e voltam levando sal, vinhos portugueses, fardos de mercadorias, vidros, ferragens etc. (...)" (15).

A quantidade de açúcar que passava por Cubatão nessa época - 1825/26 - era de 500 a 550.000 arrobas anuais (16).

Dizia Florence, ainda, que continuamente se levavam mercadorias de Santos a uma aldeia situada três léguas distante, através de duas embarcações que voltavam carregadas com produto do País.

Presenciando a atividade de Cubatão, afirmava o autor que conheceu quanto é freqüentado, embora fosse um núcleo de 20 ou 30 casas mal construídas. Para concluir, afirmava o autor: "é o entreposto entre São Paulo e Santos" (17).

É a seguinte a relação dos prédios existentes no Cubatão Geral, em 30 de novembro de 1825:
8 no cais novo - todos pertencentes a paisanos;
11 na Praça, sendo: 1 do sargento-mor, 2 de pardos, 1 de alferes, 7 de paisanos;
8 em frente da estrada, sendo: 4 de paisanos, 1 de capitão-mor, 2 de pretos forros, 1 de alferes;
1 no Rio das Pedras, pertencente a paisano;
5 no Rio Aborino (sic), sendo: 1 de preto forro, 1 de capitão, 2 de paisanos, 1 de preto;
4 áreas pertencentes a paisanos;
1 além do Rio, pertencente a um preto
Total: 38 prédios (18).

Como antes, nesta época de maior desenvolvimento, Cubatão continuava exercendo seu papel de entreposto, elo do binômio São Paulo-Santos, até o século XIX.

Hercules Florence, apesar de frisar que o clima não era e nunca seria totalmente salubre, afirmou, numa visão quase profética, que a região poderia tornar-se muito comercial (19). O comércio era, já naquela época, o grande móvel da existência de Cubatão.

São Paulo e Santos, porto marítimo, debatiam os problemas que afetavam a economia da Província, no aspecto de importação e exportação. Enquanto isso, Cubatão continuava a se desenvolver.

Na segunda década do século XIX, porém, o porto de Cubatão não mais comportava o movimento para o porto de Santos. O progresso exigia nova e arrojada solução, que causou profundas alterações no povoado.

Notas bibliográficas:

(1) Gov. da cap. de 1802 a 1811.

(2) Exposição Minuciosa feita por Antonio José de Franca e Horta, governador e capitão general da Capitania de São Paulo, ao seu sucessor o Marquês de Alegrete, sobre o estado dos negócios concernentes à administração e governo da mesma Capitania - S. Paulo - outubro de 1811 - B.N. (Seção de Manuscritos).

(3) Idem.

(4) Certamente o autor está se referindo aos paus que despenhavam-se. Antonio José da Franca e Horta - op. cit.

(5) Hercules Florence - Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829 (trad. do Visconde de Taunay), São Paulo, s/d., p.3.

(6) Doc. Avulsos, vol. VI, p. 48.

(7) Costa e Silva Sobrinho - Romagem pela Terra dos Andradas - Rio de Janeiro e São Paulo, Livraria Freitas Bastos, 1957, cap. XVII, p. 141.

(8) Gustavo Beyer - Ligeiras Notas de Viagem do Rio de Janeiro a Capitania de São Paulo no Brasil, no verão de 1813, com algumas notícias sobre a cidade da Bahia e a Ilha Tristão da Cunha, entre o Cabo e o Brasil, e que a pouco foi ocupada. Trad. Alberto Lofgren, Revista do IHG de São Paulo, vol. XXII, São Paulo, 190-8, p. 248.

(9) Léa Goldnstein - Cubatão e sua área industrial, in a Baixada Santista, vol.  IV, cap. 17º, p. 38.

(10) Costa e Silva Sobrinho - Romagem pela Terra dos Andradas, cap. XVIII - Cubatão há quase cem anos atraz, p. 134/135.

(11) Referência aos escravos que mais tarde fugiam em chusmas dos campos de Serra acima. Recorde-se a existência do sítio do Quilombo em Cubatão e do Quilombo do Jabaquara em Santos - reduto de escravos foragidos.

(12) Costa e Silva Sobrinho - op. cit., p. 135.

(13) Idem, ibidem p. 136.

(14) Auguste Saint Hilaire - Viagem à Província de São Paulo e resumo das Viagens ao Brasil, Província Cisplatina e Missões do Uruguai, trad. de Rubens Borba de Moraes, S. Paulo, 1940 (início da viagem, 24 de setembro de 1819), p. 210/211.

(15) Hercules Florence - op. cit. p. 3.

(16) Id. Ibid.

(17) Id. Ibid.

(18) Dados extraídos de Ofícios Diversos - Santos, 1825.

(19) Hercules Florence - op. cit. p. 3.

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