Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/bertioga/bh003b.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 06/11/04 16:44:25
Clique aqui para voltar à página inicial de Bertioga

HISTÓRIAS E LENDAS DE BERTIOGA
Do passado ao futuro (2)

Leva para a página anterior
A transição - antes apenas prevista, mas já então ocorrendo plenamente - de um local pacato habitado por pescadores caiçaras, para um pólo turístico com todos os seus problemas, foi o tema de uma reportagem em duas partes, a segunda sendo publicada na segunda-feira, 7 de janeiro de 1985, no jornal santista A Tribuna: (como referência de valores, um salário mínimo nesse mês valia Cr$ 16.608,00 e um dólar estadunidense era vendido, no câmbio oficial, por Cr$ 3.244):
 

Bertioga, entre o progresso e a destruição

Leda Mondin

Destino? Fatalidade? Cada vez mais Bertioga trilha caminhos incertos e não sabidos. Sempre entregue à própria sorte, às voltas com omissão por parte do Estado, da União e, em certa medida, do próprio município-sede, Bertioga vê as perspectivas de futuro sempre mais estreitas.

Ao mesmo tempo em que se anuncia a recuperação da Rodovia Mogi-Bertioga e a entrega da Rodovia Rio-Santos, sabe-se da iminente aprovação de um novo código de uso do solo, que substitui o chamado projeto ecológico e espalha densas nuvens sobre o melhor que o Distrito tem para oferecer: qualidade de vida. Oferece-se a Bertioga acesso fácil e amplas possibilidades de crescimento. Mas um crescimento certamente caótico, pois o fundamental o lugar não possui: infra-estrutura.

Ninguém fala na instalação de sistema de esgoto, tampouco na drenagem das ruas para que a população não permaneça eternamente mergulhada na lama.

Qualquer pessoa enumera a infinidade de problemas que a Baixada Santista enfrenta por falta de planejamento, pela ocupação desenfreada. Vai-se decretar o fim das condições dignas de habitação também em Bertioga?

Os exemplos deveriam servir principalmente para Santos, que mantém os seus cerca de 450 mil habitantes espremidos entre um amontoado de prédios. Isso sem contar que a sede não tem por onde crescer e sobreviver basicamente às custas do porto e do turismo, o que torna mais inconcebível de Bertioga, seus 360 quilômetros podem abrigar, paralelamente, comércio, indústria, pecuária e agricultura. É um potencial mais do que suficiente para levar Santos a adotar uma política arrojada e definitiva em relação a Bertioga, sob pena de perder sua última esperança de expansão decente.

Moradores de Bertioga já disseram que não adianta o prefeito Osvaldo Justo se deslocar para lá ocasionalmente, com todo seu secretariado, e revelar novos planos e projetos: basta, por enquanto, executar os estudos engavetados. Um exemplo: o Plano Geral de Drenagem de Bertioga, elaborado há aproximadamente 15 anos, vem sendo desrespeitado pela própria Prefeitura. A decorrência mínima que se prevê é Bertioga ser invadida pelo esgoto, já que não dispõe de saneamento básico.

E, por falar em desrespeito, Bertioga iniciou o ano sacudida pelas informações de que o administrador regional, José Mauro Orlandini, reside em um sobrado clandestino e sonega Imposto Predial. Mais: está permitindo o aparecimento desenfreado de construções irregulares e é o arquiteto responsável por uma delas.

A boa nova fica por conta das notícias de que a dotação orçamentária do Distrito, para este ano, é bem maior. Apenas para relembrar: em 1982, Bertioga recebeu a menor dotação do orçamento santista - 0,66% - eqüivalente a escassos Cr$ 74 milhões. Em 83, destinou-se Cr$ 89 milhões e 777 mil, que correspondiam a 0,41% do orçamento - a dotação diminuiu.

Para 85, um quadro bem melhor: a Administração Regional receberá recursos da ordem de Cr$ 2 bilhões 267 milhões, representando 1,16% do total orçado, aumentando em 568% a dotação do ano anterior. Um detalhe: o prefeito Osvaldo Justo não revelou se discutirá com a população o destino da verba. Isso é o mínimo que Bertioga reivindica, em meio às queixas contra o serviço de transporte, o policiamento deficiente, as ruas sem condições de tráfego, a inexistência de terminais de ônibus.

O aparecimento de espigões é apenas uma questão de tempo, 
pois um novo código de uso do solo entrará em vigor
Foto: Carlos Marques - arquivo, publicada com a matéria

Ocupar sem preservar

Prédios de 14 andares em Bertioga? Em pouco tempo isso pode se tornar realidade. O secretário de Obras, Luís Alberto Maia, deu parecer favorável a um novo código de uso do solo, que introduz profundas mudanças na forma de ocupação de Bertioga e derruba, definitivamente, o chamado projeto ecológico, que garante a preservação dos recursos naturais e das belezas de Bertioga e, portanto, melhor qualidade de vida.

Se o secretário de Obras aprovou o conjunto de leis, dificilmente o administrador de Bertioga, José Mauro Orlandini, e o prefeito Osvaldo Justo se mostrarão contrários. Depois do aval da Câmara, não restará outra alternativa senão acompanhar a descaracterização total de um dos últimos redutos preservados de Santos.

Pior: na verdade, em Bertioga o processo se inverte e a legislação se adapta aos interesses dos grandes incorporadores.

Programando? - O novo Código de Uso do Solo e Proteção dos Recursos Naturais do Distrito de Bertioga foi elaborado na administração anterior, pelo Conselho Consultivo do Plano Diretor Físico (Coplan), que decidiu incluir nas discussões alguns empresários, devidamente identificados como "assessores convidados".

Quando essas informações sobre a composição do Coplan se tornaram púbicas não faltaram protestos, entre eles os do vereador Alcindo Gonçalves, que desabafou: "Seria um crime aprovar projetos de grande envergadura sem uma profunda discussão. É preciso definir os conceitos da idéia de ocupação de Bertioga, junto à comunidade, de forma política. Além disso, uma legislação de uso do solo urbano tem que ser feita com absoluta independência, sem pressões ou influência direta dos empresários da construção civil e grandes incorporadores".

Resultado: o ex-prefeito Paulo Gomes Barbosa, em fim de mandato, agiu com esperteza e deixou o projeto do Coplan na gaveta. Agora, as ameaças para a paisagem de Bertioga ressurgem. E parecem irreversíveis.

Não bastasse a liberação do gabarito dos prédios, a nova legislação faz alterações marcantes no zoneamento, prevendo nada menos que 12 áreas diferentes. E, por mais estranho que pareça, em São Lourenço praticamente vigora um outro código, pois as exceções chegam ao ponto de permitir a construção de prédios de até 10 pavimentos em frente ao mar, o que é proibido no resto de Bertioga.

Outras variações: na zona da praia, o lote mínimo para construções, que pela legislação atual é de mil metros quarados, fica reduzido para 600 metros no novo projeto. Só que, na Praia de São Lourenço, o lote mínimo é de 400 metros.

Mais: embora na zona da praia o código seja restrito, em São Lourenço há uma liberação quase que total, pois pode-se construir desde oficinas mecânicas até bancos e postos de segurança, sem contar os espigões. Fica evidente que as distinções acabam incentivando a ocupação de lotes em São Lourenço.

Mudanças? - Embora o projeto do Coplan preveja os edifícios de até 14 pavimentos, não permite que Bertioga se transforme em um paredão de concretos, devido a exigências quanto a recuos e afastamentos liberais. Mas, quem garante que no futuro os empresários não exercerão novas pressões e conseguirão aliviar as exigências?

Outro aspecto: ao introduzir a chamada área de expansão urbana, o novo código avança sobre uma extensa faixa da atual zona rural. Isso sem contar uma modificação na Seção III, Artigo 19, que trata da preservação dos recursos naturais. O texto atual diz: "Não é permitido o corte ou remoção de vegetação de qualquer tipo ou porte, dentro das áreas de preservação mencionadas no Artigo 16". A esse texto, acrescenta-se "... sem a licença do Poder Público Municipal, respeitada a legislação federal vigente".

Mais um motivo para temer pelo destino de Bertioga: o Artigo 24, pela lei atual, fixa que "é vedada a extração de areia nas áreas definidas no caput deste artigo". O Coplan acrescenta: "... sem a devida permissão do poder competente".

Previsto - Desde o sancionamento do projeto ecológico (Lei 4.078, de 3 de dezembro de 1976) já se indagava por quanto tempo a legislação resistiria às pressões. O primeiro grande golpe foi patrocinado pelo ex-prefeito Paulo Gomes Barbosa, que conseguiu a aprovação da Lei 4.526, de 19 de novembro de 1982, ou seja, abriu a possibilidade de se levantar prédios de 10 pavimentos, mesmo sem rede de esgoto e outras melhorias básicas, entre outros detalhes que contradizem o espírito da legislação de 1976: impedir a ocupação irracional e indiscriminada de Bertioga.

Se a alteração levava a prever um futuro sombrio para Bertioga, o que dizer agora? Adeus, Bertioga?

Estradas chegam antes da infra-estrutura e anunciam perigos 
Foto: Araquém Alcântara - arquivo, publicada com a matéria

Poluição ameaça

As praias de Bertioga, sem exceção, registram a presença de um novo morador: os coliformes de origem fecal. Os números ainda são muito baixos e ninguém precisa se assustar, pois as águas continuam cristalinas e livres da poluição. Mas, até quando?

A previsão mais otimista possível mostra que todo o esgoto produzido por moradores e turistas (que já chegam a 200 mil nos fins de semana de verão) continuará sendo lançado nas praias, sem qualquer tratamento, até meados de 1987. Dois anos e meio é o tempo que a Sabesp precisa para executar um projeto de rede de esgoto engavetado desde 1981, isso sem contar os atrasos decorrentes dos grandes períodos chuvosos, as paralisações por falta de verba e outros impedimentos do tipo.

Há apenas um detalhe adicional: não existe nenhuma garantia de que a Sabesp levará sistema de esgoto a Bertioga ainda este semestre ou este ano. Ou seja: os detritos seriam desviados para a praia até meados de 1987 se as obras começassem este mês e prosseguissem sem nenhum imprevisto.

Alarmismo? Quando se trata de um lugar turístico, cujo principal atrativo é o mar, todo cuidado parece pouco. Não é à toa que a Cetesb fez os primeiros alertas em 1983, com base na observação de um aumento sensível das concentrações de coliformes fecais nas praias de Bertioga. Frisou: "Pode-se supor que essa tendência continuará no futuro, com possibilidade de se agravar, quando forem melhoradas as condições de travessia do Canal de Bertioga e terminada a rodovia até o Rio de Janeiro".

Constate-se a realidade: a ponte sobre o Rio Itapanhaú está pronta e ninguém mais precisa utilizar o obsoleto sistema de balsas para atingir a área continental de Santos, sem contar que a Rio-Santos, como um todo, será entregue em fevereiro.

Uma avalancha de turistas já se anuncia. Crescimento populacional acelerado também, pois não faltará quem se sinta estimulado a morar em Bertioga - que, no final das contas, fica perto de importantes centros urbanos e garante (pelo menos por enquanto) a tranqüilidade que eles perderam.

É evidente: não há opção melhor do que se morar num lugar onde se respira ar puro e se dispõe do procurado sossego e, ao mesmo tempo, ter acesso aos bens e confortos da chamada vida moderna. Calcula-se que a população, estimada em 10 mil moradores, irá dobrar nos próximos cinco anos. E o mar será o depósito final de todo o esgoto produzido, a menos que se tomem providências. Já.

Outro aspecto que não se pode esquecer: o projeto de rede de esgoto que a Sabesp elaborou em 1981 prevê o esgotamento de menos de 10% da área total de Bertioga. O estudo fala em aproximadamente 25 quilômetros de rede, uma estação elevatória e uma estação de tratamento eirada. O que isso significa para uma extensão de 360 quilômetros quadrados? Ainda: entre outros núcleos, fica fora da zona beneficiada o Jardim Indaiá, que registra grande crescimento e é o bairro onde a Mogi-Bertioga desemboca.

Santos, o município-sede, desponta como um exemplo cruel dos prejuízos incalculáveis que a poluição das águas provoca. Vai se permitir que aconteça o mesmo em Bertioga?