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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 72

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 552 a 562:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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QUINTA PARTE (1916-1925)

Capítulo LXXII

Uma ofensiva fiscal

Se a polêmica das capatazias se decidiu a favor da empreas, prolongando-se contudo pelos anos adiante, duas questões de fazenda apareceram no decênio, só se resolvendo, também definitivamente, muito depois.

A primeira foi motivada pelo imposto sobre dividendos, que a empresa vinha pagando mas de que se julgou isenta, em vista da isenção geral de impostos federais, que gozava. Sobre isso, falou o relatório da Diretoria de 1917:

As empresas concessionárias de obras de melhoramento nos portos da República estão isentas de imposto federal (lei n. 1.145, de 31 de dezembro de 1903, artigo 19).

Pagando o imposto sobre dividendos, que é federal, a diretoria da Companhia sempre o fez sob protesto de pedir a restituição e, em 1910, iniciou as suas reclamações perante o Governo que não a atendeu.

A lei n. 2.919, de 31 de dezembro de 1914, no artigo 1º, n. 33, elevou aquele imposto de dois e meio por cento a cinco por cento, obrigando as companhias a pagarem-no, com direito regressivo contra os acionistas. À vista dos termos desta lei, a diretoria desistiu de prosseguir nas reclamações.

No último decênio, a Companhia Docas de Santos pagou de imposto sobre dividendos, em contos de réis: 1907, 180; 1908, 180; 1909, 180; 1910, 180; 1911, 180; 1912, 255; 1913, 270; 1914, 270; 1915, 270; 1916, 360; total, 2.325 contos de réis.

A segunda foi motivada pelo imposto de selo sobre ações ao portador e debêntures das Companhia. Entendeu a União que esse imposto era devido em vista do disposto no artigo 1º da lei n. 25 de 30 de dezembro de 1891, que criou o imposto de selo de 200 réis por 100$000 sobre as ações ao portador dos bancos e sociedades anônimas, bem como sobre os debêntures.

Segundo o artigo 3º dessa lei, as diretorias respectivas deviam descontar dos dividendos distribuídos e dos juros pagos aos acionistas e portadores de debêntures o devido imposto, recolhendo-o ao Tesouro no prazo de 15 dias contados do anúncio do pagamento de tais dividendos e juros.

Respondeu a Companhia que a providência desse artigo 3º não fora reproduzida na lei n. 126 A, de 21 de novembro de 1892, que fixou o orçamento para 1913, o que, no conceito da Recebedoria, não vinha ao caso por se tratar de disposição de caráter permanente. Mas a não renovação, replicou a Companhia, não importava na sua revogação? O fato era que a lei n. 126 A de 21 de novembro de 1892 não só não reproduziu o artigo 3º, da lei de 30 de dezembro de 1891, como também autorizou o Poder Executivo a rever o regulamento do selo, traçando-lhe as regras dessa revisão sem referência àquele dispositivo. E usando de tal autorização, o mesmo Poder Executivo publicou o regulamento n. 1.264, de 11 de fevereiro de 1893, o qual não continha o dito dispositivo. E esse regulamento foi confirmado, no ponto em detalhe, pelos de 1897 e 1900:

Esse regulamento, expedido com autorização legislativa, tornou as Companhias – se já não o eram – únicas e diretas responsáveis pelo imposto de que se trata; e, assim procedendo, ele fez mais do que omitir o artigo 3º da lei de receita de 1891, o qual, apenas omitido, poderia reputar-se ainda vigente, dado o seu caráter de disposição permanente.

E dizemos que fez mais do que omiti-lo, porque a disposição nova aboliu a faculdade, até então consentida às Companhias, de descontarem dos juros e dividendos a pagar aos acionistas e debenturistas as quantias devidas ao fisco a título de imposto do selo. A revogação do artigo 3º da lei de 1891 aí ficou implícita, mas insofismável.

Adiante:

O imposto do selo é imposto de circulação. Não se confunde com o de renda – disse o Supremo Tribunal. É preciso que não se confunda com o de renda, para evitar uma cumulação tributária intolerável segundo o direito fiscal.

Ora, essa confusão ocorreria se o imposto do selo fosse pagável pelos portadores de ações e debêntures nos termos do artigo 3º da lei de 1891, isto é, mediante dedução da respectiva importância das quantias que eles recebessem como juros ou dividendos. Neste caso, só haveria imposto a cobrar quando houvesse juros a pagar e dividendos a distribuir, o que seria o mesmo que o fazer incidir sobre a renda e não sobre a circulação, e tornaria aleatório o seu rendimento, porquanto as Companhias distribuem dividendos e frequentemente são impontuais no pagamento dos juros de suas debêntures.

A interpretação racional do artigo 3º da lei de 1891, hábil para evitar aquela confusão teórica e legalmente condenada, assim como para prevenir essa incerteza na percepção do questionário imposto, só pode ser a que a recorrente vem sustentando, a saber: desde o início, o imposto recaiu diretamente sobre as Companhias e a faculdade destas o reaverem dos portadores de ações e de debêntures ficaria subordinada à prática exequibilidade desse regresso, condicionado pela existência de pagamento a acionistas e a debenturistas, e pela ausência de cláusulas contratuais impeditivas do desconto.

Concluindo:

Essa interpretação, além de consultar a economia do imposto de circulação, é a única que se coaduna com a intenção do legislador de 1891, citada contraproducentemente pela Recebedoria. Do parecer da Comissão de Orçamento, fundamentando a criação do imposto, o sr. diretor da Recebedoria destacou o seguinte trecho:

"Sobre as ações e debêntures ao portador a Comissão estabelece um imposto fixo anual de 200 réis sobre 100$000, com selo proporcional e anual, pelo qual responderão as companhias e sociedades anônimas, e que será por elas descontado no ato do pagamento dos dividendos".

Imposto fixo e anual; pagamento anual; responsáveis, as Companhias e sociedades anônimas, que o descontariam dos juros e dividendos que pagassem. O desconto supõe que haja dividendos e juros a pagar; é incerto e contingente. O pagamento do imposto, entretanto, é anual e as Companhias em todo caso devem efetuá-lo. É claro, portanto, que sobre elas é que incidiu o tributo, pois não se concebe um mero coletor de impostos obrigado a satisfazê-los anualmente, e o verdadeiro contribuinte só obrigado quando auferisse certa renda.

Suposto, porém, que o artigo 3º da lei de 1891 não comportasse essa interpretação, a incidência direta sobre as companhias ter-se-ia firmado a partir da data em que esse dispositivo desapareceu da legislação sobre o imposto de selo, isto é, desde a vigência do regulamento de 1893, que manteve a responsabilidade das companhias e aboliu o regresso contra os portadores de ações e debêntures.

Não esteve, porém, por essa interpretação, a Recebedoria Fiscal, de modo que condenou a Companhia, já em 1924, a pagar a enormíssima soma de 74.834:414$512, equivalente a dois terços do seu capital. A soma primitiva era de 124.127:309$500, cuja enunciação, ela também, não podia deixar de indicar coisa arquitetada. Perguntou a Companhia nas suas razões de recurso para o ministro da Fazenda (25 de outubro de 1924):

Por que se determinou sobre os bens da recorrente esta expropriação inominada, este sequestro único nos anais do fiscalismo nacional?

Por que assim se abalou, ilegal e violentamente, o crédito da Companhia concessionária de obras e serviços públicos, que ao Brasil e especialmente ao estado de S. Paulo tem prestado os mais relevantes benefícios?

Por que se atentou contra o capital confiadamente empregado nas obras do porto de Santos sob a sombra da lei e de contratos solenemente firmados com o Poder Público?

Verá v. excia., sr. ministro, no correr desta exposição, que todo esse trama sobre imaginários impostos que deveriam ser pagos há 30 anos passados proveio da mistificação urdida por um funcionário fiscal, o denunciante, com esperanças de pingue maquia à custa dos despojos do próximo, e tomou consistência graças à prevenção e má vontade contra as empresas prósperas, que hoje no Brasil se tornam infelizes sob a opressão dos agentes do Fisco, sempre ávidos de propinas e porcentagens!

Alegava então a Companhia que, antes da isenção que lhe foi concedida (artigo 19 da lei de 31 de dezembro de 1903, contrato de 29 de janeiro de 1904), sendo contribuinte direta e única do imposto de selo, sempre o pagou sobre os debêntures que lançou em circulação; e, desde que lhe foi concedida aquela isenção (impostos federais, inclusive do selo), nada mais pagou, porque nada tinha que pagar.

Suas razões examinaram longamente os acórdãos do Supremo Tribunal Federal, as decisões administrativas em casos semelhantes, os argumentos da Fazenda; e constituíram a respeito das várias emissões lançadas uma verdadeira exposição da ida financeira da Companhia. Para isso, ofereceu ela espontaneamente seus livros e os de Gaffrée & Guinle a exame da Recebedoria; e fez, depois, desses livros, extratos, confirmados pela mesma Recebedoria, "tudo terminando num epílogo quase cômico, se não constituísse uma triste fase do regime fiscal".

Viu-se, então, a origem do empréstimo inicial do Banco do Brasil, o empréstimo público de 1893, no valor de 20.000 contos em 100.000 debêntures de 200$000 cada um, o segundo de 1908, no de 60.000 contos, em 300.000 debêntures de 200$000 cada um, Figuram os quadros respectivos no fim desse volume. Argumentando depois de confessar que, por inadvertência do escritório, havia pago de 1904 a 1907, 96 contos
[52], que não devia:

O ponto de partida deve ser este: as companhias concessionárias de obras nos portos da República gozam desde o ano de 1904 a isenção de impostos federais.

O artigo 19 da lei n. 1.145, de 31 de dezembro de 1903, estabeleceu expressamente esta isenção, e o contrato de 29 de janeiro de 1904, celebrado entre o Governo e a Companhia Docas de Santos, concedeu formalmente a esta isenção legal.

Parece não haver quem conteste ser federal o imposto do selo federal e, portanto, compreendido naquela isenção autorizada nos mais amplos termos.

Nesse sentido decidiu definitivamente o ministro da Fazenda em sessão do Conselho de Fazenda de 18 de maio de 1907, reconhecendo, solene, clara e insofismavelmente, que "a aludida Companhia (Docas de Santos) não está sujeita ao imposto do selo, regulado pelo decreto n. 3.564, de 1900 (era o regulamento então vigente), por força da lei n. 1.145, de 31 de dezembro de 903, artigo 19, do decreto numero 4.228, de 6 de novembro de 1901, cláusula 25, da lei n. 813, de 23 de dezembro de 1901, artigo 14, e finalmente, pelo estipulado em aditivo firmado pelo Governo e a mesma companhia em 29 de janeiro de 1904, ao contrato de 14 de novembro de 1892 – disposições essas que a isentam de todos os impostos federais.

Mais:

A isenção de impostos federais, inclusive a do selo, não foi outorgada à Companhia Docas de Santos como privilégio pessoal e muito menos se funda em uma interpretação dada àquela decisão do ministro da Fazenda proferida em Conselho de Fazenda, conforme insinua o laudo dos funcionários da Recebedoria; ela se baseia na lei (lei n. 1.145, de 31 de dezembro de 1903, artigo 19) e no contrato solene entre o Governo e a Companhia (contrato de 29 de janeiro de 1904).

O que o ministro da Fazenda decidiu relativamente à Companhia Docas de Santos, em obediência à lei e ao contrato, igualmente resolveu quanto à Manaus Harbour C., Ltd. (Conselho de Fazenda, ata da sessão de 27 de junho de 1908, no Diario Official, de 5 de julho, página 4.545) e quanto ao concessionário das obras do Porto do Rio Grande do Sul (Conselho de Fazenda ata da sessão de 5 de dezembro de 1908, no Diario Official, de 13 de dezembro, página 8.398), reconhecendo-os, também, isentos do imposto do selo federal.

As conclusões desse recurso foram as seguintes:

1º - Até o ano de 1903, a Companhia Docas de Santos era obrigada a pagar o selo das suas ações ao portador e debêntures, imposto criado pela lei n. 25, de 1891, e aumentado em 1897.

2º - Do ano de 1904 em diante, a Companhia ficou isenta de selo por força da lei n. 1.145, de 1903 e do seu contrato com a União celebrado aos 29 de janeiro de 1904.

3º - No período de 1893 a 1903, a Companhia Docas de Santos não atinha em 30 de junho e 31 de dezembro de cada ano ações ao portador emitidas. No fim do 1º e 2º semestres desses anos, quando distribuiu dividendos, todas as suas ações eram nominativas. Não havia selo a pagar, visto que este incidia somente sobre as ações ao portador em circulação.

4º - No referido período de 1893 a 1903, a Companhia Docas de Ssantos tinha em circulação debêntures do seu primeiro empréstimo, e pagou pontualmente na Recebedoria o selo que esta exigia, correspondente ao número de títulos em circulação.

5º O pagamento foi sempre realizado sob a base do valor nominal das debêntures, porque a Recebedoria não dispunha de outro elemento para o cálculo do imposto, visto não haver publicação oficial da média da cotação em bolsa destes títulos.

Mais:

6º - Desse modo, a Companhia Docas de Santos veio a pagar Rs. 10:364$300 além do que deveria pagar, se a cobrança se fizesse pela média da cotação, somente agora, no ano de 1922, conhecida pela informação que a Câmara Sindical se dignou prestar à Recebedoria, por solicitação formal desta.

7º - Se, por culpa confessada da Recebedoria, a Companhia Docas de Santos deixou de pagar a diferença de 100 réis sobre 72.388 debêntures em circulação nos dois semestres do ano de 1897, na importância de Rs. 14:477$600, pagou a mais Rs. 10:364$300 e ainda nos anos de 1904 a 1908, quando estava isenta de selo, contribuiu indevidamente e por erro com a soma de Rs. 96:000$000. Soma Rs. 106:364$300 o que a Companhia pagou indevidamente. Feito o desconto (106:364$300 – 14:477$600), a Companhia ainda teria o saldo de Rs. 91:886$700.

8º - As ações ao portador emitidas em 1908 em diante e as debêntures em circulação do 2º empréstimo, realizado no mesmo ano (1908), não estavam sujeitas ao selo, porque deste imposto a Companhia Docas de Santos estava isenta
[53].

A outra questão foi a do imposto sobre o aumento do capital de 60.000 para 120.000 contos, realizado em 1918. Intimou o ministro da Fazenda a Companhia a satisfazê-lo (26 de março de 1919), mantendo essa sua decisão depois de recorrida pela Companhia (19 de dezembro de 1919).

Propôs, em consequência, a Companhia, uma ação no Juízo Federal para "declaração judicial de nulidade da decisão do ministro da Fazenda que criava um imposto por analogia e por interpretação extensiva e abusiva das leis fiscais, leis que, por sua própria natureza, não comportam outra interpretação que a restritiva" (8 de janeiro de 1920); promovendo a Fazenda Nacional, por seu lado, executivo fiscal para cobrança, dentro de oito dias, da soma de 3.000 contos, mais 5 contos de multa (13 de março de 1920).

Tinha a Companhia que argumentar na primeira sobre o que julgava seu direito; e defender-se na segunda, solicitando que se sustasse o executivo fiscal, uma vez que se tratava de coisa já litigiosa, e portanto, incerta e iliquida.

Mas não a ouviu o juiz federal de 1ª Vara Raul Martins, mandando que se "prosseguisse o executivo fiscal, segurando a executada o juízo ou se procedendo a penhora, para poder ser ouvida em defesa" [54]; entrando a Companhia, em consequência, para o Tesouro Nacional [55] com a referida quantia de 3.005 contos de réis (21 de abril de 1920).

Convidada antes, pelo procurador da Fazenda, Decio Cesario Alvim, para essa entrada, respondeu J. X. Carvalho de Mendonça, pela empresa, que "mais inabalável se tornou a convicção da ilegalidade da justiça de alcavala que, a título de imposto de dividendo, se lhe queria extorquir" [56]; ao que respondeu aquele que a questão não comportava debate, pois estava resolvida administrativamente e caminhava para execução fiscal [57].

Ouvido o consultor geral da República, foi seu parecer, entre outras razões (18 de outubro de 1919):

Entendo que o imposto é devido.

Não há dúvida que o aumento do capital está sujeito ao imposto do selo, e que, pago este, sobre o mesmo aumento nenhuma outra taxa incide.

Mas, não é essa a operação sobre a qual recai o imposto de 5%.

O aumento do capital não se opera instantaneamente pela só deliberação da assembleia.

É, antes que uma operação, o resultado de uma operação. E é, precisamente esta, mediante a qual se chega àquele resultado, que a argumentação contrária não tem em conta ou suprime.

Com efeito, todo o capital, seja o inicial, fixado nos estatutos, seja a parte que àquele posteriormente acresce, durante a existência da sociedade, isto é, o seu aumento, há de ser necessariamente realizado.

Essa realização faz-se por meio de entradas. As entradas têm de ser efetivas, e não fictícias. São realizadas, não pela sociedade, mas pelos acionistas. A sociedade não pode subscrever as suas próprias ações. São noções correntes.

Ainda escreveu James Darcy:

Ora, deliberado o aumento do capital, ele se realiza ou pela livre subscrição de novas ações, a que os antigos acionistas, ou terceiros, indistintamente concorrem; ou pela distribuição dessas novas ações, aos antigos acionistas.

Quando esta se faz, a título de bonificação, "gratuitamente" como vulgarmente se diz, ela pressupõe uma distribuição de lucros. A operação importa numa vantagem, de que goza o acionista, a esse título. É porque ele o é, é porque possui ações, que os lucros da sociedade capitalizados, consistam no que consistirem, lhe são distribuídos, embora não em dinheiro, sob a forma normal, ordinária, de dividendo, mas em bens ou valores.

A entrega das novas ações é o lado aparente, a representação externa, o fato comprobatório de que algum valor se destacou do patrimônio da sociedade e entrou para o de cada acionista.

Se uma tal distribuição de lucros não tivesse tido lugar, não seria possível que o acionista recebesse ações novas. De sorte que a melhor prova de ter havido distribuição de lucros é exatamente a entrega das novas ações.

Se estas pudessem ser subscritas pela sociedade mesmo, não haveria entradas. Pela proibição expressa da lei, ela não pode concorrer com parte alguma do seu capital. Todo ele há de ser realizado pelos acionistas.

E ninguém é acionista sem contribuir ou obrigar-se a contribuir com alguma coisa para o capital da sociedade.

Essa condição de contribuir, efetiva e realmente, é essencial. Não há capital imaginário. Fictício não seria realizado. Toda entrada tem de consistir em dinheiro, bens, coisas ou direitos.

Em troca de dinheiro, bens, coisas ou direitos recebe o acionista as suas ações.

Por outro lado, as sociedades comerciais não fazem doações aos seus acionistas.

A ideia de liberdade é incompatível com os fins dessas entidades.

O caso não oferecia a menor dúvida, porque a lei francesa, donde provinha a nossa, obrigava ao pagamento. Concluindo:

Na espécie, portanto, nada saiu do capital, que permaneceu intato. Ao lado dele, porém, cresceu e se avolumou, excedendo-o, o fundo ou patrimônio da sociedade.

Todo esse excesso do fundo disponível, excesso não reservado ou retido, mas distribuído, é lucro. Lucro real, verdadeiro, embora extraordinário.

Houve, pois, distribuição de lucros, não partilha do capital. Perdeu o fundo social o que os acionistas ganharam. Houve desagregação dessa parte do fundo social, desses lucros do patrimônio comum e incorporação ao patrimônio dos acionistas; transferência de um para outro.

E eles não se confundem: é elementar que a sociedade anônima é uma pessoa jurídica distinta das pessoas físicas, ou também jurídicas, que concorrem para a sua constituição.

Aqueles excedentes, não se pode contestar, constituíam uma massa retida na sociedade, que depois se destacou para ser distribuída individualmente, em frações, a cada acionista. Os títulos dessa distribuição vêm a ser as novas ações.

Realizadas as entradas respectivas, o capital foi efetivamente aumentado.

Questão que teria nos anos subsequentes mais desenvolvimento, ela foi, então, assim resumida pela empresa perante o Supremo Tribunal Federal (27 de março de 1920):

A Companhia Docas de Santos, sociedade anônima, em julho de 1918, elevou o seu capital estatutário de 60.000 para 120.000 contos de réis.

Para esse fim, ela adotou o processo legal, seguido constantemente por outras companhias, mandando verificar o valor dos seus bens, mediante regular avaliação por louvados, e aumentando o capital social, correspondente à diferença entre esse valor e o mencionado nos estatutos.

Ela, não tendo fundos de reserva ou outros disponíveis, não os poderia ter incorporado à conta de capital e muito menos distribuído pelos acionistas; ela não pagou dividendo ordinário ou extraordinário, porque valorização de bens produtivos nunca foi dividendo; ela não entregou aos acionistas produto de títulos, pois não retirou, não destacou do fundo social dinheiro, bens ou valores de qualquer espécie ou natureza, passando-os para o domínio daqueles.

A Companhia tendo, em 1918, as suas ações cotadas na bolsa, oficial aos preços de 490$ a 570$ (o valor nominal é de 200$), procurou equiparar mais ou menos o capital estatutário à valia real do seu patrimônio. Este continuou inalterado, íntegro.

Os acionistas não auferiram lucros com essa operação, não foram bonificados. Não se lhes deu mais do que tinham, porque as ações que possuíam, se vendidas fossem na bolsa, achariam valor superior ou pelo menos igual ao que passaram a ter depois da elevação do capital.

Mais:

Vigorava então o artigo 1º n. 35 da lei n. 3.446, de 31 de dezembro de 1917, que sujeitava ao imposto de 5% os dividendos e outros produtos de títulos das sociedades anônimas.

Antes dessa lei, na sua vigência, e, ainda, sob o regime das leis subsequentes, o ministro da Fazenda, em reiterados atos e decisões, cada qual melhor fundado, e a Recebedoria de Rendas, de acordo com as ordens do seu chefe supremo, haviam declarado, formal e expressamente, que, no aumento do capital social pela valorização do ativo, não se dava bonificação, nem distribuição de lucros, de dividendos ou de produtos de ações, e, portanto, na operação não incidia o imposto.

Esses atos e decisões, que versaram in specie sobre os casos das companhias docas da Bahia, Comércio e Navegação, Fabril Santo Antonio, America Fabril, Morro da Mina, Minas de S. Jeronymo e outras, firmaram jurisprudência fiscal , e, quando a lei n. 3.644, de 31 de dezembro de 1918, no artigo 1º n. 34 (que começou a vigorar em janeiro de 1919), estendeu o imposto às importâncias retiradas dos fundos de reservas ou outros para pagamento das ações novas ou velhas, o ministro da Fazenda, que era o jurisconsulto e publicista Amaro Cavalcanti, ex-ministro deste Egrégio Tribunal, versadíssimo em assuntos de finanças e direito fiscal, ainda declarou à Recebedoria de Rendas, aos 7 de janeiro de 1919, que "a valorização dos bens e direitos das sociedades anônimas sob a forma de aumento de capital, não incidia no pagamento do imposto", e lhe ordenou que somente cobrasse os 5% quando esse aumento se fizesse pela transferência do fundo de reserva.

Posteriormente exigiu também a Recebedoria da empresa o pagamento, sob as mesmas razões, de 500 contos de réis mais 100 contos a título de multa, pela elevação em 1897, de 20.000 para 60.000 contos no capital da Companhia.

Disse o Relatório da Diretoria, 1928:

O mesmo ministro, por despacho de 17 de agosto de 1927, mandou que a Companhia entrasse para o Tesouro com a quantia de 600 contos de réis, sendo 500 contos de principal e 100 contos de multa pelo imposto de 2 ½% sobre lucros supostamente distribuídos aos acionistas há trinta e três anos passados.

Não pretendemos qualificar a iniquidade deste despacho. Aguardamos o executivo fiscal e nele nos defendemos, achando-se a causa no Supremo Tribunal Federal.

Já patrono da Companhia, faria ver Raul Fernandes, recorrendo de uma sentença de 1ª instância, as razões em que se baseava, fundado em nada menos de cinco precedentes, "em que ora a própria Recebedoria do Tesouro Federal, ora o próprio ministro da Fazenda, entre 1913 e 1917, declaravam não ser devido o imposto de dividendo sobre a emissão de ações nas condições referidas". Argumentando:

Isto posto, transcrevemos aqui literalmente o texto legal que regia, no ano de 1897, a cobrança do imposto questionado nesta causa: "Imposto de 2 ½$ sobre dividendos dos títulos das companhias e sociedades anônimas com sede no Distrito Federal, de acordo com a legislação em vigor e as disposições da presente lei (lei n. 428, de 10 de dezembro de 1896, artigo 1º número 39)".

O imposto era sobre os dividendos, e dividendo, na definição do artigo 116 do decreto n. 434 de 4 de julho de 1891, é a quota dos lucros líquidos das operações efetivamente concluídas em certo período de tempo, que se reparte pelos acionistas; ou, como diz Vivante (Trat., vol. 2º, n. 571) "é l'utile netto pagabile periodicamente sopra ciascuna azione".

Não é possível considerar como tal a distribuição de ações representativas de valorização do patrimônio social.

Estes foram os precedentes invocados:

a) Sobre consulta da companhia Fiat Lux, decidiu o diretor da Recebedoria do Distrito Federal em 23 de dezembro de 1920:

"Desde que o aumento de capital de 2.000:000$ para 4.000:000$ ocorreu em 1913, e por avaliação ou majoração dos bens pertencentes à Companhia, não há imposto de dividendo a ser pago, visto que é posterior a esse ano a lei que estabeleceu a cobrança no referido caso" (Diario Official, de 28 de agosto de 1920, pág. 14.266).

b) Sobre consulta da Companhia Comércio e Navegação, resolveu o mesmo funcionário:

"Não havendo, na espécie, repartição de lucros, nos termos do artigo 2º do decreto 2.767, de 23 de dezembro de 1897 (idêntico ao artigo 5º do decreto n. 2.559 do mesmo ano), nem bonificação, não está a operação sujeita a imposto" (Diario Official, de 26 de fevereiro de 1913, pág. 2.813).

c) Sobre consulta da Câmara Sindical dos Corretores, relativamente à avaliação dos bens da Companhia Docas da Bahia, consequente valorização deles e integralização do capital por esse meio, respondeu o ministro da Fazenda, no aviso n. 59, de 21 de maio de 1913, que "o ato de integração de capital na forma adotada pela Companhia não importava bonificação sujeita ao imposto de dividendo". (Diario Official, de 22 de maio de 1913, pág. 7.286).

Mais:

d) A Companhia Fabril Santo Antonio, em idênticas condições, consultou em 1918 a Recebedoria do Distrito Federal, respondendo esta:

"Não havendo na hipótese distribuição de lucros, a título de bonificação ou qualquer outro, nos termos do artigo 5º, letra b do decreto n. 12.437, de 11 de abril de 1917, mas simplesmente aumento de capital, nas condições mencionadas na ata da assembleia geral publicada no Diario Official de 25 de abril deste ano, a operação não está sujeita ao imposto de 5% de que trata o mesmo decreto, sendo o caso em apreço idêntico ao que motivou o ofício do ministro da Fazenda n. 59, de 21 de maio de 1913, expedido à Câmara Sindical de Corretores de Fundos Públicos" (Diario Official, de 7 de julho de 1918).

e) As companhias Morro da Mina e Minas São Jeronymo elevaram o seu capital pela mesma forma da executada, e em sessão do Conselho de Fazenda de 31 de dezembro de 1918 deliberou o ministro da Fazenda, de acordo com o parecer unânime dos membros desse Conselho, aprovar os despachos da Recebedoria, resolvendo que o ato de integralização de capital não importava bonificação sujeita ao imposto de dividendo "porquanto as operações realizadas, decorrentes de maior valorização dos bens e direitos das referidas companhias, sob a forma de aumento de capital, não incidiam no pagamento do referido imposto" (Diario Official, de 8 de janeiro de 1919, pág. 304).

Concluindo:

Essa jurisprudência fiscal foi mantida em face de leis que tributavam não só os dividendos como quaisquer produtos de ações (leis n. 2.919, de 31 de dezembro de 1914, artigo 33; n. 3.070 R, de 31 de dezembro de 1915, artigo 1º; n. 3.213, de 30 de dezembro de 1916, artigo 1º, n. 35); e com a maioria de razões é aplicável ao ato da executada, praticado como ele foi sob o regime de uma lei que só tributava os dividendos.

A lei n. 2.919, de 31 de dezembro de 1914, artigo 33, entre os impostos sobre a renda, enumerou: "o imposto de 5% sobre dividendos e outros produtos de ações das companhias, sociedades anônimas e comandadas por ações".

As leis n. 3.070 A, de 31 de dezembro de 1915, artigo 1º, e número 3.213 de 30 de dezembro de 1916, artigo 1º, al. 35, estabeleceram esse imposto nestes termos: 5% sobre dividendos e outros produtos de ações.

O que, com apoio nessa legislação, decidiram as resoluções administrativas suprarreferidas, foi que o aumento de capital por valorização dos bens, e consequente distribuição de ações de valor correspondente, não incidia no imposto de renda por não serem as ações novas um dividendo ou um produto das ações antigas.

Por fim:

O Reg. n. 12.437, de 11 de abril de 1917 consolidou essa jurisprudência administrativa e declarou (artigo 5º) que a taxação incidia:

1º) sobre os dividendos distribuídos anual ou semestralmente, de acordo com o balanço social;

2º) sobre quaisquer produtos das ações de capital desde que se retirem da caixa da sociedade ou se destaquem do fundo social e passem a pertencer aos sócios, pouco importando sejam em dinheiro, bens ou valores.

Como nas espécies questionadas as obras novas, ou seu valor, nem se retiram da caixa da sociedade, nem se destacam do fundo social para ficar pertencendo aos sócios, entendeu a administração que as novas ações não eram renda, menos ainda renda tributável, e consagrou nesse Regulamento essa inteligência.

Tais dispositivos foram modificados pela lei n. 3.644 de 1918 que mandou cobrar "5% sobre os dividendos e outros produtos de ações, inclusive as importâncias retiradas do fundo de reserva ou outro qualquer para serem entregues aos acionistas, ou para pagamento de entradas de ações novas e velhas".

Mais:

Questionou-se, na vigência dessa lei, que orçou a receita no ano de 1919, se o emprego de lucros em obras novas e a entrega de ações de valor equivalente aos acionistas, o mesmo era que o pagamento de entradas. Houve quem sustentasse a opinião que esse expediente simplificava a contabilidade, mas não alterava a operação, que em essência consistia no pagamento das ações novas, pelos acionistas, com lucros apurados.

Esta controvérsia, porém, só era possível diante da importante inovação introduzida na lei de receita para 1919. Hoje, ela seria anacrônica, pois a lei vigente sobre o imposto de renda só tributa as ações emitidas por motivo de valorização do ativo móvel das companhias, como se vê do art. 4º do dec. n. 17.390, de 26 de julho de 1927, que diz: "Serão computados nos rendimentos da 2ª categoria: f) o valor de ações novas, distribuídas aos acionistas, ou quaisquer interesses atribuídos às mesmas, quando a distribuição se der em virtude de valorização do ativo móvel sem redução do capital social".

Do exposto se conclui que na espécie dos autos a Fazenda Nacional pleiteia tributar um ato praticado em 1897 aplicando-lhe, não a legislação fiscal vigente na ocasião, nem a jurisprudência administrativa sobre casos idênticos, e sim a lei de 1918, aliás de significado controvertido e já revogada.

Dar-se-ia, assim, efeito retroativo a uma lei já defunta!
[58]

Ilha de Barnabé. Instalação para inflamáveis (1930)

Foto: reprodução da página 558-a


[52] "Convém notar que a Companhia pagou indevidamente o selo sobre debêntures nos anos de 1904 a 1907, no valor de noventa e seis contos de réis. Este fato, que só recentemente a atual diretoria da Companhia teve ocasião de apurar e o laudo dos funcionários da Recebedoria reconheceu, foi devido às instruções transmitidas anteriormente ao escritório, o qual por falta de novo aviso, erroneamente continuou a executá-las por quatro anos sucessivos, após a outorga legal da isenção". Idem.

[53] Recurso da Companhia Docas de Santos ao exmo. sr. ministro da Fazenda de um despacho do diretor da Recebedoria (selo de ações ao portador e debêntures). Rio de Janeiro, Tip. do Jornal do Commercio, de Rodrigues & C., 1924.

[54] "O processo executivo fiscal é, pela lei, sumaríssimo, de plano e pela verdade sabida, sem apelação suspensiva para o executado (decreto 10.902, de 1914, arts. 79 e 128), devido à relevante razão de ordem pública da necessidade da Fazenda Nacional fazer recolher, com presteza, aos seus cofres o rendimento dos impostos e outras fontes de receita, com que são ocorridas as necessidades do país. A simples propositura de uma ação para a nulidade da dívida fiscal não tem, nem pode ter, por isso, a virtude de preveni-lo ou lhe obstar o andamento, quando os próprios particulares não estão impedidos de usar da ação especial para pagamento da dívida de contrato cuja anulação já foi promovida ordinariamente (Reg. 737 de 1850, art. 255). Nãohá conexão menor neste que naquele caso". No Jornal do Commercio de 19 de março de 1920.

[55] A Companhia solicitou depois do Supremo Tribunal Federal a fusão dos dois processos ou a suspensão de um até o julgamento do outro. "Por agora a suplicante não discute o mérito da causa que consistiria na arguição da manifesta ilegalidade do imposto que se lhe quer extorquir. Ela visa simplesmente demonstrar que essa sua defesa não é aqui necessária, porque já está produzida em outra causa com o mesmo objeto, onde figuram as mesmas pessoas, e onde é idêntico o título ou o direito de pedir". Ver: Supremo Tribunal Federal, Carta Testemunhavel. Testemunhante a Companhia Docas de Santos. Testemunhada a Fazenda Nacional. Minuta da Testemunhante. Rio de Janeiro. Tip. do Jornal do Commercio, de Rodrigues & C., 1920.

[56] Escreveu J. X. Carvalho de Mendonça: "Quanto ao final do comunicado relativamente aos efeitos do iminente e fulminante executivo fiscal, que anunciais, sem ver nas vossas palavras uma ameaça, da qual absolutamente não temeria a diretoria da Companhia Docas de Santos, como permitireis que o vosso humilde colega, responsável pela defesa judicial do patrimônio dessa Companhia, prefira os princípios gerais de Direito, sempre lembrados pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, à opinião pessoal que manifestais, por mais respeitável que esta seja". No Jornal do Commercio de 6 de março de 1920.

[57] Acrescentou o procurador da Fazenda: "A minha ação tem-se limitado a procurar receber, amigavelmente, a importância devida. Acho que o eminente patrono das Docas fez bem em não ver, nas palavras com que encerrei o meu memorial, uma ameaça à Companhia. De fato, não fiz ameaça nenhuma: ponderei, apenas, uma coisa que de todos é sabida: nada pode suspender o executivo fiscal, a não ser o pagamento da dívida exequenda, a nulidade do processo ou a inconstitucionalidade do ato; por isso que o fisco tem a prova, provada da dívida, no próprio título com que se apresenta em juízo". Na A Noite, de 10 de março de 1920.

[58] Supremo Tribunal Federal. Appellação Cível n. 5.843. Relator o Exmo. Sr. ministro Firmino Whitaker. Apelante a Companhia Doas de Santos. Apelada a Fazenda Nacional. Razões de Apelação. Rio de Janeiro, Tip. do Jornal do Commercio, de Rodrigues & C., 1928.