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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 71

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 546 a 552:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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QUINTA PARTE (1916-1925)

Capítulo LXXI

Guilherme Weinschenck

Foi no decênio que desapareceram duas entidades essenciais para a empresa, Guilherme B. Weinschenck e Gabriel Osorio de Almeida.

No derradeiro quartel de 1919 havia o primeiro solicitado a contragosto à Companhia, numa carta singela, cheia já de saudade, dispensa do cargo de diretor (17 de dezembro):

Aproximando-se o fim do corrente ano, venho reiterar o pedido de minha exoneração do cargo de diretor desta Companhia.

V. S. sabe que desde muito tempo nutro o desejo de me retirar para descansar; a gentileza e a bondade de meus colegas de diretoria me tem dado, até agora, argumentos fortes bastantes, para demoverem-me do meu propósito.

Agora, porém, razões poderosas me fazem insistir naquele pedido e por isso rogo a v. s. ser meu intermediário junto aos nossos colegas, para conseguir a aquiescência de todos à satisfação do meu desejo.

Não pretendo me desligar de todo de nossa Companhia: não o poderia fazer quem, como eu, a acompanha desde o seu nascedouro, na Empresa de Melhoramentos do Porto de Santos. Continuarei pronto a servi-la, sempre que necessário for, com a mesma dedicação com que o tenho feito até agora.

Desejo, porém, ficar livre das obrigações que o cargo que exerço me dá e que forçam a longas permanências em Santos, fora da família e sem o conforto a que a minha idade dá direito. Estou certo de que v. s. e seus ilustres colegas julgarão justos os motivos que me levam a agir por essa forma.

Pesarosa, rendendo-se às razões alegadas, cedeu a diretoria. Sabia que no filho se retratava o pai e nisso tinha sua compensação. A ata da sessão da diretoria e do Conselho Fiscal pôs o caso nestes termos (22 de dezembro de 1919):

O sr. Candido Gaffrée diz que com grande pesar toma conhecimento da deliberação do diretor dr. Guilherme Benjamin Weinschenck, amigo dedicado que o acompanha desde o dia em que se lançou a primeira pedra do cais de Santos, o companheiro infatigável que dedicou toda a sua atividade, toda a sua inexcedível competência e excepcional capacidade, durante mais de trinta anos, às obras grandiosas do porto de Santos, que perpetuarão o seu nome e a sua grande capacidade; que, respeitando os motivos alegados pelo emérito companheiro para se retirar da diretoria da Companhia, onde foram assinalados os seus serviços, deve declarar que esta não pode absolutamente dispensar as suas lições e conselhos e conta que estes não lhe faltarão.

Nessas condições, propõe aos diretores e membros do Conselho Fiscal que, aceitando-se a escusa e declarando-se a vaga de um dos diretores, seja designado para substituto provisório o dr. Oscar Weinschenck, filho do eminente diretor que se retira, engenheiro vantajosamente respeitado e que a diretoria, manifestando o seu grande pesar pela renúncia daquele diretor, o convite para continuar a prestar o seu indispensável concurso à nossa Companhia na qualidade de consultor técnico, sem prejuízo dos honorários que recebia como diretor.

Os outros diretores e os membros do Conselho Fiscal aprovaram unanimemente os justos conceitos do sr. Candido Gaffrée e por todos foi designado o dr. Oscar Weinschenck para substituto provisório até à resolução da próxima assembleia geral, devendo entrar em exercício no dia primeiro de janeiro de 1927 e aprovada a criação do cargo de consultor técnico da Companhia para ser desempenhado pelo eminente dr. Guilherme Benjamin Weinschenck, nas condições da proposta feita pelo sr. Candido Gaffrée.

Grande sentimento era, na verdade, o da Companhia ao ver partir assim companheiro de tantos anos. Dizendo-o, mal suspeitava Candido Gaffrée que morreria logo depois, para, em breve intervalo de tempo, ser acompanhado pelo próprio Guilherme Weinschenck e, mais tarde, por Osorio de Almeida. Dos cinco dos primeiros anos da empresa, colaboradores comuns em todas as vicissitudes por que passara, J. X. Carvalho de Mendonça seria o último a desaparecer, em 1930.

A morte de Guilherme B. Weinschenck foi a 18 de dezembro de 1921. A de Gabriel Osorio de Almeida ocorreu a 18 de março de 1926. Engenheiros ambos, eram os dois em tudo diferentes. Em Guilherme Weinschenck, o espírito construtor silencioso, avesso por índole ao bulício público: sua vida foi o cais de Santos, todo feito num recolhimento que raramente teve eco cá fora. Em Osorio de Almeida, os postos foram muitos, técnicos e de administração, mas em todos predominou o feitio público, num pendor marcado para a polêmica e a luta. Quem folhear as páginas deste livro até agora escritas, terá verificado a cada passo, que esse contraste não ocorreu em vão, ao contrário, dentro dele foi que cada qual pôde servir à Companhia. Se é certo que não teria existido o cais de Santos sem o primeiro,não deixou o segundo de prestar-lhe valiosos serviços.

A atividade de Osorio de Almeida foi multiforme. Construtor de estradas de ferro, entre as quais a de Recife a Guaranhuns (Pernambuco), Santos à Capital (São Paulo), Porto Alegre a Uruguaiana (Rio Grande do Sul), sem falar na Pedro Segundo; conselheiro técnico do Governo Federal, no início da República; engenheiro da Mogiana e da Paulista; diretor da Escola Politécnica; diretor geral dos Correios e Telégrafos e do Lloyd Brasileiro; membro do Conselho Diretor e presidente do Club de Engenharia; por toda a parte pôs sempre à prova, com patriotismo, seus grandes dotes pessoais. Nessas variadas formas de atividade, a imprensa não teve pequena parte, pois, espírito alerta, achava que questão nacional não havia que pudesse fugir à luz da opinião pública.

Narrando-lhe o trespasse, assim escreveu, entre outras coisas, o Jornal do Commercio (19 de março de 1926):

É uma grande perda para o Brasil a representada pela morte, ontem ocorrida, do sr. dr. Osorio de Almeida, eminente cientista e administrador brasileiro, que se findou depois de longos sofrimentos.

No cenário da nossa vida pública, em nossas grandes empresas, no nosso mundo científico, na nossa representação em congressos e conferências no estrangeiro, em nosso círculo de magistério, em nossas associações de classe, em toda a parte onde a vida nacional, no que ela tem de mais seleto se patenteasse, ali o nome do sr. dr. Osorio de Almeida era acatado com o de uma notável organização mental, servida por grande energia e probidade.

Adiante:

O dr. Osorio de Almeida deixa muitas memórias técnicas e artigos de polêmica.

Sua inteligência vivacíssima, sua alta cultura, seu espírito ferino e agudo, sua lúcida visão e rápida apreensão dos assuntos faziam-no um polemista terrível, um discutidor admirável, cheio de lógica, de recursos, de lances.

Temperamento combativo,não era facilmente que o ilustre engenheiro se continha em silêncio em face das discussões nas assembleias de que fazia parte. Essa face da sua formosa mentalidade se mostrou, em toda a exuberância, ainda ultimamente, no Conselho Superior do Comércio e Indústria, de que era membro respeitadíssimo e cuja presidência de sessões ocupou muitas vezes, por consenso unânime.

Aí, mesmo quando presidia as reuniões, tomava parte nos debates, aliás contribuindo admiravelmente para a elucidação dos mais intrincados problemas sujeitos ao julgamento daquele Conselho, que ontem tomou todas as providências para comparecer às cerimônias fúnebres e prestar as mais sinceras homenagens ao ilustre extinto.

Na Companhia Docas de Santos tal era sua posição que, falecido Candido Gaffrée, foi proposto pelo presidente interino para efetivo, cargo que declinou [51]. E por ocasião também do seu passamento, reunida a diretoria em sessão extraordinária no dia imediato, ausente na Europa o presidente efetivo, disse o em exercício, Oscar Weinschenck, a mágoa que a todos dominou: "Não precisava dizer neste momento, acrescentou, quem fora o ilustre extinto, uma das consagradas notabilidades da engenharia brasileira, um espírito reto e justo, um caráter excepcional em pureza e integridade, um amigo modelar". Assim a diretoria comunicou o acontecimento aos acionistas, na reunião anual de 1926:

Todos nós conhecíamos o valor excepcional desta eminente personalidade, que ao grande saber e à experiência, aliava um caráter adamantino e enérgico. Em começo, na qualidade de consultor técnico da nossa Companhia, e, mais tarde, na de diretor, cargo que exerceu durante dezenove anos, prestou a sua cooperação forte e infatigável, levando ao extremo a dedicação pelos interesses e pelo desenvolvimento da nossa empresa.

Não há, de fato, dificuldade na Companhia, em que não tenha entrado de corpo inteiro, para defesa pública de seus direitos ameaçados. Ora sob pseudônimo, ora com a própria assinatura, a pena acudia logo, grave ou mordaz, sempre combativa. Preciso é lembrar 1894, quando uma campanha menos justa lhe fez escrever a defesa da Companhia incipiente? A de 1907, a propósito da técnica de construção, que o próprio engenheiro construtor circunscreveu à correspondência oficial? A de 1912, a propósito das concessões Farquhar, onde pôs tanto a peito, e já vimos, a defesa da iniciativa e da capacidade nacional na construção do edifício econômico do país? Foram então dele, perante o Club de Engenharia (sessão de 24 de dezembro de 1912) estas palavras, depois de uma exposição em que alinhou quanto tínhamos feito:

Desculpai-me, meus senhores, a expansão, talvez inoportuna, dos sentimentos de revolta que em meu patriotismo provocam essas tendências que, de vez em quando, se manifestam aqui e acolá, a nos acoimarem de incapazes, de elementos destinados a serem eliminados pela concorrência com os que aqui aportam acossados pela pletora de população e de capital dos outros países.

Não tememos essa concorrência; mas pedimos, imploramos que as condições em que ela se realiza sejam iguais; pedimos que se nos faça justiça, que os nossos direitos sejam tão respeitados quanto o são os dos estrangeiros, que se não nos negue o que a eles se concede.

Deem-se aos nacionais as mesmas regalias, os mesmos favores; não se deixem os nossos homens do campo inteiramente entregues à ignorância dos processos mais elementares da lavoura e aos três flagelos que os transformam em seres fisiologicamente incapazes de lutarem pela existência – o impaludismo, a moléstia de Chagas e a ancilostomíase; proporcionem-se-lhes os mesmos auxílios que são dispensados aos colonos estrangeiros; montem-se escolas profissionais nas quais tenha orientação a vocação natural dos nossos patrícios para as artes mecânicas e, com certeza, no fim de alguns anos ninguém mais terá a coragem de nos tirar a pecha de incapazes. Ao mesmo tempo, o nosso povo adquirirá a força necessária para defender a integridade e a independência da nossa pátria e não precisará se deixar embalar na confiança do direito como se o direito sem força pudesse sobrepujar a força sem direito.

A prova maior dessa capacidade estava ali mesma, em Santos, começando a construir-se quando nada tínhamos nesse campo de atividade e tudo precisava se criar. Modesto, como os que mais o fossem, Guilherme B. Weinschenck o levantara inteiro e durante 30 anos não tivera outra vida. Tempos depois de morto, o testemunho da opinião paulista, bem áspero às vezes quando não sempre hostil à empresa, lhe não faltaria. Assim J. C. de Macedo Soares lembrou-lhe, pela Associação Comercial da Capital, entre os três fundadores, a ação excepcional (Estado de São Paulo, 16 de fevereiro de 1924):

Quem procurar conhecer a história das Docas de Santos verá que sua atenção se há de fixar, insensivelmente, sobre três vultos impressionantes: Candido Gaffrée, Eduardo Guinle e Guilherme Weinschenck.

Gaffrée, o homem empreendedor, alta capacidade de organizar e dirigir, foi, segundo parece, o idealizador da empresa.

Guinle, experimentado no comércio, espírito inteligente e disciplinado, foi o conselheiro avisado e prudente de Gaffrée.

Weinschenck, engenheiro dos mais notáveis, foi o braço executor, a força realizadora do sonho. Organizou planos, desenhou plantas, calculou orçamentos, realizou as obras, desde a pedra inicial da primeira muralha, até a cumeeira do palácio da administração central.

Venceu Guilherme Benjamin Weinschenck mil entraves, o menor dos quais não foi a epidemia de febre amarela, que costumava flagelar a cidade de Santos. Omnisciente na sua profissão, ele foi o chefe supremo do empreendimento, e de todas as obras complementares, passando da engenharia hidráulica para a arquitetônica, para a elétrica e para a sanitária, durante os 30 anos em que dedicou às Docas a sua inesgotável capacidade de trabalho e a sua respeitável autoridade profissional.

Outro retrato foi o de um diário do Rio de Janeiro. Melhor não se poderia dizer (Imparcial, 24 de dezembro de 1921):

Durante mais de trinta anos, Weinschenck manteve-se à frente dos trabalhos técnicos que iniciou, primeiro na qualidade de engenheiro chefe, depois diretor técnico e por último de consultor técnico.

Projetos e realizações nessa grandiosa empresa devem-se-lhe exclusivamente. Debaixo de sua direção, executando planos seus, fizeram-se dragagens, linha de cais, aterros, armazéns, oficinas mecânicas, até a notável instalação hidrelétrica de Itatinga. Raríssimos são os exemplos em todo o mundo, de ter um homem vivido mais de trinta anos nessa obra colossal, em que ficará eternamente atestada sua notável competência e tenacidade no trabalho.

Mas Guilherme Benjamin Weinschenck não honrou a engenharia brasileira apenas por sua inteligência, competência e capacidade de trabalho. Foi ele um caráter sem jaça, leal, escrupuloso e de incomparável modéstia. Viveu exclusivamente para sua profissão e para sua família, de que foi chefe exemplaríssimo.

A vida do engenheiro Weinschenck decorreu no silêncio do seu gabinete. Ao morrer, surpreende o país com o vulto de sua obra imperecível. Em vida, raríssimas vezes seu nome andou nas asas da publicidade. Morreu no mesmo silêncio tão caro à sua simplicidade e modéstia, deixando um grande nome e um grande exemplo.

Por último, as homenagens da própria empresa. Reunida a diretoria no dia imediato, relembrou o presidente o companheiro que se perdia, e que, com o filho, herdeiro de suas qualidades, continuava ligado à empresa (19 de dezembro de 1921):

O presidente dr. Guilherme Guinle, declarando aberta a sessão, diz que convocou a presente reunião para, com profundo sentimento de pesar, comunicar oficialmente, aos demais diretores, a notícia do falecimento, ocorrido ontem, a 25 minutos depois de meia noite, do sr. dr. Guilherme Benjamin Weinschenck, que ultimamente ocupava o lugar de consultor técnico, mas que antes exerceu o cargo de engenheiro chefe das obras de melhoramentos do porto de Santos e mais tarde o de diretor da nossa Companhia.

O dr. Guilherme B. Weinschenck foi autor do projeto das obras executadas em Santos e, ao mesmo tempo, o seu executor, tendo sido desde o seu início o colaborador competente, zeloso e leal dos fundadores da nossa grande empresa. E para demonstrar essa eficaz colaboração, basta lembra o juízo enunciado pelo nosso ex-presidente, cuja memória, repelindo a ação do tempo, mais viva se nos torna e mais saudades nos provoca, em a ata da sessão desta diretoria realizada em 22 de dezembro de 1919.

Referindo-se ao dr. Guilherme B. Weinschenck, disse o nosso inesquecível amigo sr. Candido Gaffrée: "amigo dedicado que o acompanha desde o dia em que se lançou a primeira pedra do Cais de Santos, o companheiro infatigável que dedicou toda a sua atividade, toda a sua inexcedível competência e excepcional capacidade durante mais de trinta anos às obras grandiosas do porto de Santos, que perpetuarão o seu nome e a sua grande capacidade".

Melhor nem com maior autoridade e justiça se poderia dizer sobre os serviços prestados pelo dr. Guilherme B. Weinschenck à nossa companhia, que não obstante a falta que nos traz nos deixa em seu ilustre filho, herdeiro de suas raras qualidades e nosso companheiro de diretoria, o penhor de que o nome Weinschenck continua ligado à Companhia Docas de Santos.

E o Relatório da Diretoria assim se referiu (1922):

Aos 18 de dezembro do ano findo deixou de existir o eminente dr. Guilherme Benjamin Weinschenck, que por mais de 30 anos prestou os seus valiosíssimos serviços à nossa Companhia. Foi ele o sábio autor do projeto das obras executadas no porto de Santos e ao mesmo tempo o seu executor. Exerceu desde 1888 o cargo de engenheiro-chefe, durante os anos de 1907 a 1919, foi membro da diretoria, e de 1920 até à sua morte desempenhou o cargo de consultor técnico da Companhia.

Lamentamos profundamente a perda desse leal amigo e companheiro dedicado, zeloso e competente. Da ata da sessão da diretoria, realizada no dia 19 daquele mês e ano e que se acha em anexo a este relatório, vereis as manifestações de pesar e outras providências tomadas por ocasião desse lutuoso acontecimento.

Quando se inaugurasse em Santos o monumento a Gaffrée e Guinle (1935), não diria Oscar Weinschenck do pai. A Revista Brasileira de Estradas de Ferro não o deixaria passar em silêncio:

No discurso do dr. Oscar Weinschenck há uma grande falha: a omissão do nome do engenheiro que projetou e executou as Docas de Santos.

O nome do autor duma obra tão grande não se pode esconder por trás da modéstia filial, que tão ciosamente aí pretendia ocultá-lo, porque ali tudo lhe lembra a memória saudosa: as pedras do cais, onde se lhe desgastou uma grande parte da vida laboriosa, os armazéns, os escritórios, as residências dos engenheiros e dos empregados, as oficinas, os guindastes, as casas de máquinas, o depósito para locomotivas, os carregadores automáticos do café, a esteira contínua para a descarga do trigo, a instalação hidrelétrica de Itatinga, tudo, enfim, lembra o nome do dr. Guilherme Benjamin Weinschenck.

Foi ele de fato a cabeça e o braço forte da parte técnica da obra. Tudo que ali se fizera, fora por ele projetado e sob sua direção executado. Foi um grande engenheiro dessa especialidade. Entretanto, quando tomou conta da direção técnica da grande obra, não tinha ainda trabalhado em obras de portos.

Adiante:

Guilherme Weinschenck era filho de mãe brasileira e pai alemão. Nascera na vila de Areal, estado do Rio de Janeiro, em 25 de novembro de 1847. Ainda menino seguira, num navio de vela, para a Alemanha, onde fez todos os seus estudos de Engenharia, voltando para o Brasil já formado.

Aqui chegando, entrou para a Central do Brasil, antiga Estrada de Ferro Pedro II, onde trabalhou, como engenheiro residente, no ramal de Lavrinhas a Cachoeira. Depois seguiu para a Bahia, entrando para a construção da Estrada de Ferro Central da Bahia.

Daí passou para o Paraná, onde trabalhou com o dr. Teixeira Soares, na construção da Estrada de Ferro Paranaguá a Curitiba. Terminadas as obras desta estrada, voltou ao Rio e entrou para a Companhia de Estrada de Ferro Leopoldina, como engenheiro chefe das linhas, em cuja função construiu o ramal de Sumidouro a Friburgo.

Concluída esta construção, foi ele chefiar a do porto de Santos.

Há na vida contrastes, que lhe acentuam certos esforços de realização. O de Gabriel Osorio de Almeida e Guilherme Benjamin Weinschenck constitui um deles. Quanto mais o primeiro saía a público, pugnando pelos interesses da Companhia, mais porfiava o segundo na sua teia silenciosa. Quanta probidade técnica, senão zelo perseverante, foi preciso para chegar, em trinta anos de labuta, àquele resultado? No princípio, em plena efervescência a campanha de 1894, a obra foi julgada pelo próprio adversário,para usar de suas palavras, de "capolavoro" da engenharia nacional. Mais adiante, ainda se excetuou, na impugnação áspera, por vezes virulenta, à Companhia, a parte técnica, toda de direção sua. Mas quando mais se impacientaram os ânimos, diante da segurança com que, no direito exclusivo, nas capatazias, na concorrência de outro cais, oficialmente solicitada, caminhava a empresa, até a parte técnica chegou a doesto.

O porto, vimos a seu tempo, era o menos que se poderia ter feito – "um cais corrido, com linhas férreas ao longo da faixa, com uma bateria de guindastes e armazéns de ferro, cobertos de zinco". Se a probidade do engenheiro, diante de uma manobra menos sincera do fiscal em 1907, não dera ao caso mais que a forma de protesto oficial, que lhe importavam agora essas impertinências, quando estava certo, e não se enganava, de que o tempo mostraria, sem paixão, quanto lhe valia o esforço?

Construtor de estradas de ferro era, quando o chamaram par fazer o porto de Santos; e ponderando que a engenharia hidráulica nunca fora sua especialidade, aceitou trabalhar até que os mestres na arte chegassem para a construção. Esses mestres, os holandeses, nunca chegaram, porque nunca foram chamados. Sabiam os realizadores do porto de Santos escolher seus homens De uma doca de 866 metros chegou-se a um porto de cerca de 5.000 metros, com todo o aparelhamento complexo e difícil.

Rodeado de um grupo capaz – Alfredo Silverio de Souza, Ulrico de Souza Mursa, Victor de Lamare, Emilio da Gama Lobo d'Eça, José Cesario Monteiro Lins, Affonso Krug, Carlos Kiehl, Alfredo A. de Miranda, Pedro O. Paes Leme -, Guilherme B. Weinschenck tudo projetou e realizou. Técnico em estradas de ferro, passou a sê-lo, com a mesma maestria, na engenharia hidráulica e, depois, com a construção de Itatinga, também na elétrica. No Brasil, talvez seja o caso singular. As águas, que em Santos marulham junto ao cais, hão de lembrar sempre o nome de um homem, tanto maior quanto se envolveu num casulo de invariável retraimento.

Imagem: reprodução parcial da página 546


[51] "Em seguida, o dr. Guilherme Guinle disse que, na qualidade de presidente interino, convocara os diretores para elegerem o presidente efetivo nos termos do artigo quinto, parágrafo segundo, dos Estatutos, e que lhe fosse permitido lembrar para esse cargo o diretor dr. Gabriel Osorio de Almeida, o qual à reconhecida e acatada competência aliava os dotes de administrador emérito, conforme os revelara em altos cargos técnicos de responsabilidade na Administração Federal, sendo, além de tudo, perfeito conhecedor dos negócios da Companhia, pois lhe vinha prestando o seu valiosíssimo concurso na direção desde o ano de 1907. O diretor dr. Carvalho de Mendonça, abundando nas mesmas considerações, disse, por sua vez, ser justíssima essa proposta, pois sabiam todos os seus companheiros quanto preciosa era a ação do eminente dr. Osorio de Almeida na administração da Companhia.

"O diretor dr. Osorio de Almeida, usando da palavra, agradeceu a demonstração de confiança dos seus antigos companheiros da diretoria e pediu permissão para dizer que, tendo sido o diretor dr. Guilherme Guinle nomeado com o concurso do saudoso presidente sr. Candido Gaffrée para substituí-lo durante o seu impedimento, deveria a diretoria mantê-lo com caráter definitivo no cargo que interinamente desempenhara com brilho no interesse da Companhia, e, sendo essa a sua firme opinião, pedia aos seus companheiros que não insistissem na indicação do seu nome, propondo ele, por sua vez, o dr. Guilherme Guinle. À vista dessa manifestação do dr. Osorio de Almeida, os diretores elegeram o dr. Guilherme Guinle presidente efetivo, não tendo tomado parte nessa deliberação o diretor eleito presidente". Ata da sessão da diretoria, em 7 de janeiro de 1920.