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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 31

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 231 a 241:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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TERCEIRA PARTE (1906-1910)

Capítulo XXXI

A quarta campanha: razões da empresa

Despida de seus excessos, a campanha, assim feita da tribuna do Senado, visava obrigar a Companhia a fixar o capital, reduzindo as tarifas. Ainda a 3 de agosto de 1907, quase no fim dela, declarou Alfredo Ellis:

A lei consignou, apenas, três medidas onerosas, aliás necessárias à própria garantia do capital a empregar na construção das obras do porto.

A primeira medida foi a fixação do capital; a segunda, a revisão das tarifas; e a terceira, a criação de um fundo de amortização, que facilitaria mais tarde ao Governo a encampação das mesmas obras, quando tivesse de fazê-lo, dez anos depois, uma vez concluídos os mesmos trabalhos.

E hoje, 19 anos após a assinatura do contrato, não houve uma só revisão de tarifas e nem os governos passados cogitaram de regulamentar a lei de 13 de outubro de 1869, que estabelece os meios pelos quais a empresa deve fixar o seu capital e rever suas tarifas, quando elas excederem o limite máximo por ela traçado para os proventos dos capitais empregados.

Desde 1895 que o cais, do enrocamento da ponte nova da Ingleza até Paquetá, está concluído; e não obstante, até hoje, continuam os serviços a título de provisórios, porque esse foi o meio que a Companhia descobriu para evitar a prestação de contas e a revisão das tarifas!

Não há, em todo o Estado de São Paulo, quem não conheça o peso e a garra dessa empresa que, implacável, se colocou no porto de Santos, como uma daquelas divindades do Egito, esculpidas na pedra, com o busto de mulher e a cara de tigre.

Era essa questão que ia levar cerca de dois anos a resolver-se, obrigando a empresa a uma defensiva tenaz. Não que o Poder Legislativo tomasse deliberação a respeito; ou que outra voz se levantasse nas duas Casas do Congresso. O senador paulista se confessou mesmo só na campanha, louvando o único órgão de imprensa que lhe foi ao encontro [70]. O Poder Executivo, esse sim, tomou sobre seus ombros o assunto, para obrigar a empresa a contas.

Em 1894, a defensiva fora contra a campanha de Adolpho Pinto, no Diario Popular; em 1906, por sua vez, contra a administração federal, a propósito da Alfândega de São Paulo; em 1906-1907, respondia à campanha parlamentar de Alfredo Ellis; agora, teria a empresa que enfrentar de novo a União, mas no Poder Judiciário Federal. Permanentemente, através toda essa luta, colaborara, é certo, o Governo Federal com a Companhia; mas lhe fora adverso o Estado de São Paulo, sua opinião, sua imprensa, para os quais – fenômeno explicável pelos antecedentes até aqui expostos -, a Companhia não passava de um corpo estranho, espoliador. Vencedora nas outras crises, qual seria o desfecho nesta?

Como é de recordar-se, havia o ministro da Viação, no quadriênio anterior e poucos dias antes de findar este, baixado uma portaria com instruções para o "fim de regular as condições em que devia ser estabelecido o tráfego nas seções ou trechos das obras dos portos que fossem sendo definitivamente aparelhados".

Convidada, por um ofício do dr. Ewbank da Camara (4 de março de 1907), para indicar representante que, com um empregado do Ministério da Fazenda, constituísse a junta de apuração de contas, instituída pela mesma portaria
[71], absteve-se a empresa, dando ao ministro, já então Miguel Calmon, as razões de sua ausência (15 de março de 1907). Essas razões, então sucintas, ampliaram-se depois numa representação ao presidente da República e no processo judicial, em que ia ser parte. Eram os pródromos de uma questão ruidosa.

Resumiu assim a empresa sua negativa:

A Companhia Docas de Santos não se prestaria a executar as dispendiosas obras do porto de Santos, tão arriscadas como são as obras hidráulicas, onde se não podem prever surpresas e embaraços, se elas, em integridade, não fossem reservadas ao seu usufruto, para a indenização do respectivo custo. Nenhum valor teria a concessão, se antes de concluídas aquelas obras demoradas por sua natureza, o Governo Federal pudesse resgatar os primeiros metros de cais em tráfego, e mesmo, se atendendo ao custo relativamente inferior desta fração, pudesse exigir a redução das tarifas, destinadas a remunerar o capital empregado numa obra de construção ativa e cada dia aumentando de valor.

Se a intenção das partes contratantes fosse a execução de tantas obras distintas, quantos o trecho primitivamente contratado e os seus prolongamentos, se cada trecho devesse ter um capital próprio, os contratos seriam explícitos, claros sobre esse ponto importantíssimo, referir-se-iam a seções independentes, exigiriam orçamentos relativos a elas, como pode servir para exemplo o decreto n. 6.230, de 13 de novembro de 1906, relativo às obras do porto de Belém do Pará.

Deixando sem resposta a representação, baixou o Governo Federal, com o decreto n. 6.501, de 6 de junho de 1907, novas instruções, desta vez procurando regulamentar as disposições dos parágrafos 4, 5 e 9 do art. 1º da lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869 [72].

Contra esse decreto representou a empresa ao chefe da nação, Affonso Penna (30 de julho de 1907), explicando os motivos pelos quais não podia ele aplicar-se à concessão
[73].

Esse decreto, dizia-se aí, instituía um sistema inteiramente novo para fixação do capital, tomada de contas e revisão de tarifas, processo que não podia aplicar-se, sem violência,aos contratos do cais de Santos, nos quais se haviam inscrito esses mesmos parágrafos 4º, 5º e 9º do artigo 1º da lei n. 1.746, contratos acima de leis novas, por melhores que fossem. Estas cláusulas eram:

1º) A empresa deverá formar um fundo de amortização por meio de cotas deduzidas de seus lucros líquidos e calculadas de modo a reproduzir o capital, no fim do prazo da concessão.

A formação desse fundo de amortização principiará, ao mais tardar, dez anos depois de concluídas as obras..

2º) A tarifa será revista pelo Governo, de cinco em cinco anos; mas a redução geral das taxas só poderá ter lugar quando os lucros líquidos da empresa excederem a 12º.

3º) Ao Governo fica reservado o direito de resgatar as propriedades da Companhia, em qualquer tempo depois dos dez primeiros anos da sua conclusão.

O preço do resgate será fixado de modo que, reduzido a apólices da divida pública, produza uma renda equivalente a 8% de todo o capital efetivamente empregado na empresa.

Desse ponto fundamental (como do pagamento da mercadoria in loco, em 1896) não podia ceder a empresa, sob pena de grave dano aos capitais empenhados e à própria conclusão das obras:

O exmo. sr. ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas entendeu que a Companhia estava sujeita a certas obrigações; esta contestou, apoiada em seus contratos, que lhe não impuseram os ônus reclamados.

Estudados esses contratos, não encontrando cláusulas que justificassem as exigências, o exmo. sr. ministro organizou as instruções, que o decreto n. 6.501, de 6 de junho, aprovou, para execução do disposto nos parágrafos 4º. 5º e 9º do artigo 1º da lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869, mandando-as aplicar com efeito retroativo, e estendendo-as, desse modo, às relações contratuais entre o Governo e a Companhia docas de Santos.

Como, porém, os parágrafos 4º, 5º e 9º do art. 1º da lei n. 1.746, de 1869, constituem atualmente cláusulas dos contratos da Companhia docas, o decreto n. 6.501, de 6 de junho, relativamente a esta empresa, representa ato arbitrário da Administração, que, por tal modo, pretende modificar, interpretar discricionariamente contratos sinalagmáticos, perfeitos e acabados.

Este poder não tem o Governo contratante.

Está perfeitamente assentado, no contexto constitucional e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, com o apoio na tradição do Conselho de Estado da Monarquia e na lição dos jurisconsultos, que o Governo, nos contratos que celebra com particulares, a estes se nivela e fica sujeito ao direito privado e ao Poder Judiciário.

Não lhe é licito, portanto, afastar-se da situação de contratante, esquecer a sua personalidade jurídica e revestir-se do poder público que lhe confere a Constituição, para modificar os pactos celebrados sob as bases estabelecidas por lei, e impor ao cocontratante novos deveres ou obrigações, piorando a sua condição, para forçá-lo a transigir em pontos que afetam os seus direitos e interesses.

E depois de citar as seções reunidas do Império e Fazenda do Conselho de Estado, pela voz do marquês de São Vicente [74], concluiu:

A própria lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869, no art. 1º, § 13º, prevendo questões entre o Governo e o concessionário, a respeito de seus direitos e obrigações, estabeleceu o juízo arbitral facultativo (...poderão ser decididas… por árbitros…).

Eis o maior e mais solene reconhecimento da igualdade da posição dos dois contratantes: Governo e concessionário.

Os contratos regulam relações jurídicas inter pares.

Estabelecida tal preliminar, não podiam prevalecer as alterações que, a esse regime, pretendia fazer o decreto n. 6.501. Elas se referiam: a) à medição, descrição e avaliação, para fixação do capital; b) à tomada de contas da receita e despesa; c) à revisão de tarifas antes de terminados os trabalhos e sua redução anual. A representação tomou cada um destes aspectos da questão,para negá-la especificamente, como já havia feito preliminarmente em globo.

Assim, quanto ao primeiro ponto, preceituou o decreto n. 6.501 que, se os contratos nada houvessem estipulado, o engenheiro fiscal medisse, descrevesse e avaliasse anualmente as obras executadas durante o ano anterior, examinasse se foram executadas as indicadas no projeto aprovado, verificasse os processos de desapropriação, aplicasse os preços aprovados pelo Governo e organizasse a folha de medição, para ser fixado anualmente o capital empregado, e, sob esse valor, se reduzissem, também anualmente, as tarifas. Bastava a enumeração disso para ver que as Docas de Santos se haviam guiado, sempre, com a aprovação do Governo, por outro regime.

Em primeiro lugar, o capital do contrato inicial não fora fixado pelos proponentes, mas aceito por eles para o cálculo das vantagens que deviam conferir; e tanto assim aconteceu que a concorrência expressamente versou, dentro do orçamento Saboia previamente indicado, apenas sobre o prazo da concessão e as taxas a cobrar.

Depois, aumentadas as obras com o prolongamento do cais, que de 866 passou a ser de 4.720 metros, não se alterou o sistema; ora a Companhia se obrigava a executar as obras aceitando o valor do orçamento organizado pelo engenheiro fiscal (decreto n. 966, de 7 de novembro de 1890, cláusula 1ª, e contrato de 8 do mesmo mês e ano, cláusula 1ª), ora o Governo deixava a cargo da Companhia a organização das plantas, projetos e orçamentos e, aprovados estes, era a respectiva importância levada à conta do capital.

Assim, em dezessete contratos, celebrados entre a empresa e o Governo e mandados executar por igual número de decretos, o capital subia até então a 95.508:732$845 réis.

  Contrato de 16 de abril de 1892 616:886$535
  Contrato de 11 de maio de 1892 178:127$759
  Contrato de 20 de julho de 1892 14.805:322$466
  Contrato de 13 de outubro de 1892 890:638$795
  Contrato de 14 de novembro de 1892 3.193:042$028
  Contrato de 27 de fevereiro de 1897 46.756:767$409
  Contrato de 27 de fevereiro de 1897 75:744$741
  Contrato de 10 de abril de 1897 255:072$357
  Contrato de 29 de outubro de 1897 1.461:761$785
  Contrato de 10 de dezembro de 1898 3.525:938$861
  Contrato de 24 de janeiro de 1900 2.447:690$625
  Contrato de 23 de julho de 1900 2.915:457$277
  Contrato de 11 de dezembro de 1900 342:018$629
  Contrato de 13 de março de 1901 1.983:821$181
  Contrato de 16 de março de 1901 7.890:856$857
  Contrato de 30 de outubro de 1902 4.135:387$931
  Dique do Valongo (decreto n. 1.555, de 7 de dezembro de 1890 4.034:197$609
  Soma 95.508:732$845

Do total acima mencionado, tem de sair a importância de réis 4.034:197$609, correspondente à obra do dique no Valongo, pois a Companhia posteriormente resolvera, de acordo com o Governo, mudar o seu local e capacidade, organizando novo projeto.

A situação especial de Santos, a este respeito, assim se manifestava em comparação à dos outros portos, já dotados de concessão para os respectivos melhoramentos:

Os contratos da Companhia Docas de Santos:

a) Não limitaram capital para as obras, como fizeram os das empresas de obras de melhoramento dos portos: Manaus (dec. n. 3.725, de 1º de agosto de 9100, cláusula VI), Pará (dec. n. 6.350, de 31 de janeiro de 1907, cláusula XII – capital ouro, ao câmbio de 27 d.), Bahia (decreto n. 6.363, de 7 de fevereiro de 1907, cláusula III – capital ouro, ao câmbio de 27 d.), e Rio Grande do Sul (decreto n. 5.979, de 18 de abril de 1906, cláusula XXIV – capital ouro, ao câmbio de 27 d.).

b) Não estabeleceram a fixação do capital anual ou semestralmente em vista de tabelas de preços aprovadas pelo Governo, como os contratos das empresas concessionárias dos portos de Manaus (decreto n. 6.191, de 23 de outubro de 1906, art. Único), Pará (decreto n. 5.978, de 18 de abril de 1906, cláusula XXIII), Bahia (dec. n. 5.550, de 6 de junho de 1905, cláusula XX), Vitória (dec. n. 5.951, de 28 de março de 1906, cláusula XXIX), e Rio Grande do Sul (dec. n. 5.979, de 18 de abril de 1906, cláusulas XXIV e XXV).

Nos contratos da Companhia Docas de Santos não se cogitou de medição, descrição e avaliação de obras.

Nesses contratos não se aprovaram especificações, não se estabeleceram unidades de medida, não se ajustaram preços de unidade para as obras..

Pretender fixar anualmente o capital da empresa, e para esse fim mandar medir, descrever e avaliar as obras realizadas anualmente no porto de Santos e, na primeira medição, compreender o período decorrido desde o início da construção, como deseja o art. 36 do decreto n. 6.501, de 6 de junho, é atentar contra esses contratos.

As estradas de ferro, que são executadas, também, sob o regime da concessão, podem nos oferecer proveitoso símile.

Na falta de convenção expressa, somente nas estradas de ferro subvencionadas com favores pecuniários da União se procede a medição e avaliação das obras (decreto n. 2.885, de 25 de abril de 1898, artigo 12, § 20º). Nas estradas de ferro não subvencionadas, um ano depois de terminadas todas as obras é que se organiza o quadro demonstrativo do seu custo (decreto n. 7.959, de 29 de dezembro de 1880, cláusula 24).

Procedia o decreto n. 6.501 quanto à tomada de contas? Negou-o, também peremptoriamente, a empresa. No edital de concorrência de 19 de outubro de 1886, em que saíram vitoriosos os contratantes, aos quais sucedeu a empresa, não se empregou uma só palavra relativa à obrigação de prestar contas de custeio ao Governo. Tampouco o contrato da concessão, de 20 de julho de 1888, nem os subsequentes, ampliando o cais, aludiram a tal obrigação. Durante dezenove anos, que já tinham decorrido na execução do contrato, todos assinados entre a empresa e o Governo e aprovados por outros tantos decretos, este nunca se considerou com o direito agora pretendido.

Porque os contratos da Companhia Docas de Santos silenciaram em absoluto sobre a conta de custeio, mandou o decreto n. 6.501, de 6 de junho, que fosse anualmente prestada esta conta perante uma comissão composta do fiscal, de um representante da Fazenda Federal e de outro da Companhia (artigos 5º e 7º).

Perante essa comissão, quer o aludido decreto que a Companhia exiba a sua escrituração e contabilidade, apresente documentos e justifique, por meio de faturas e recibos, todas as despesas do seu custeio (artigos 9º, 10º e 13º), ameaçando-a com a citação sob pena de revelia e com a exibição judicial dos livros, se não cumprir as injunções do Governo contratante.

É incrível, exmo. sr. presidente, que se pretenda impor tais obrigações e penas à Companhia Docas de Santos, que não convencionou coisa alguma a esse respeito.

A convenção só compreende aquilo que os contratantes se propuseram tratar e não as coisas em que eles não pensaram.

Iniquum est perimi pacto id de quo cogitatum non est, ditou a sabedoria dos jurisconsultos romanos.

A Companhia Docas de Santos não se obrigou a prestar contas da sua receita e despesa e muito menos a fazer esta despesa sob a fiscalização do Governo ou com autorização deste. Ela não aceitaria absolutamente um contrato em tais condições, porque além de tornar onerosa a sua execução, não havia um só motivo que aconselhasse a exigência atual do Governo.

Adiante:

A Companhia Docas de Santos não se obrigou a partilhar lucros com a União, não é subvencionada, nem teve do Governo a garantia de sua renda.

Contas de custeio prestam as empresas subvencionadas com garantia de juros e aquelas que, por cláusula expressa em contrato, a isso se obrigaram.

As empresas concessionárias das obras de melhoramento dos portos do Pará, Bahia e Rio Grande do Sul obtiveram do Governo Federal, durante o período de construção, a garantia de juros de 6% sobre o capital que fosse semestralmente verificado como empregado nas obras e, depois de inaugurado qualquer trecho, a garantia de uma renda não inferior a seis e sessenta avos (Rio Grande), seis e sessenta e cinco avos (Pará), seis e setenta avos (Bahia) do capital empregado.

Eis a razão porque essas empresas devem prestar contas da sua receita e despesa.

Essa obrigação, porém, não ficou em silêncio. As referidas empresas obrigam-se expressamente, em seus contratos, a prestar aquelas contas, e, ainda, estipularam expressamente que exibiriam a sua escrituração e contabilidade aos fiscais do Governo, para os devidos efeitos.

A Companhia Docas de Santos, de novo, afirma: não é subvencionada pela União, não tem garantia de juros de qualquer espécie.

Nessas condições, ela não está obrigada a prestar ao Governo contas da sua receita e despesa. Não se estipulou isso no contrato.

Não subvencionada com garantia de juros, nem obrigada por contrato à prestação de contas do decreto n. 6.501, não estava tampouco a empresa obrigada à exibição dos livros, como o referido decreto preceituava. Não que quisesse ela criar para si situação especial; contrato era contrato, e o Governo, mais do que ninguém, devia respeitá-lo. Sentia aí a Companhia a garra oficial e nisso ia manter-se tenaz:

Não é, exmo. sr. presidente, uma situação especial que, para si, deseja criar a Companhia Docas de Santos.

Aí estão as empresas de estradas de ferro nas mesmas condições.

Naquelas em que a União tem empenhado interesse pecuniário, por garantia de juros, subvenção ou fiança da garantia de juros, a intervenção do Governo é ampla, assim no tocante a despesas, receitas, tarifas, rendas da estrada, como no que respeita à conservação desta, suas dependências e material, polícia, segurança e circulação, além do que estatuírem especialmente os respectivos contratos (decreto n. 2.885, de 25 de abril de 1898, artigo 3º).

Nas empresas não subvencionadas, esta intervenção reduz-se ao exame das obras e da conservação do leito, material fixo e rodante e ao que concerne a segurança, regularidade e comodidade do trânsito nas respectivas estradas, incidindo nas que gozam de privilégio de zona, nas tarifas, sobre as quais deverão os fiscais prestar as necessárias informações, quando tenham de ser sujeitas à aprovação do Governo (decreto n. 2885 cit., art. 5º).

A obrigação de exibir balancetes e documentos da receita e despesa das estradas de ferro somente foi imposta nas dotadas cm fianças ou garantia de juros pela União (dec. n. 6.995, de 10 de agosto de 1878, cláusula 11ª).

O decreto n. 7.959, de 29 de dezembro de 1880, não exigiu a prestação das contas da receita e despesa das estradas de ferro não subvencionadas.

Tão cauteloso nesse sentido tem sido o Governo que, estabelecendo pelo decreto n. 7.960, de 29 de dezembro de 1880, as bases gerais para a concessão das estradas de ferro com fiança ou garantia de juros, impôs, na cláusula VI, que, nos contratos fossem reproduzidas todas as condições que devessem constituir os mesmos contratos, de forma que as empresas ou companhias contratantes, tivessem por esse meio, conhecimento imediato de todos os seus direitos e obrigações.

O decreto n. 6.501, de 6 de junho de 1907, entretanto, rompendo essa tradição da Administração Pública, exige, impõe, depois de assinado o contrato, obrigações, que nem expressa nem virtualmente constam das respectivas cláusulas!

Adiante, alegando ainda o sucedido com as estradas de ferro:

Não é sem fundado motivo que a Companhia Docas de Santos apresenta a v. excia. a legislação paralela das estradas de ferro.

Os dois últimos editais de concorrência para a construção de obras de melhoramento de portos, segundo o exclusivo e puro regime da lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869, publicados pela Administração Federal, o de 29 de outubro de 1900, para o porto de Belém (Pará), e o de maio de 1901, para o porto do Recife (Pernambuco), diziam na cláusula IX: "O Governo fiscalizará por engenheiro de sua confiança a execução das obras e serviços a cargo do contratante, ficando este sujeito às obrigações que vigoram a tal respeito para os concessionários de estradas de ferro sem garantias de juros ou subvenção da União".

É preciso convir que, nesses editais, se procurava executar fielmente a lei n. 1.746, de 1869.

Se, pois, o Governo Federal reconhecia, em 1900 e 1901, tão expressamente, que a lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869, isentava as empresas de docas de prestar contas da sua receita e despesa, é injustificável o decreto n. 6.501, de 6 de junho de 1907, quando pretende sujeitar a Companhia Docas de Santos, que não tem garantia de juros, nem recebe subvenção da União, a um ônus não cogitado no contrato de 1888 e repudiado pela lei n.1.746, de 1869, como sempre entendeu o próprio Governo!

Com relação à revisão de tarifas, a empresa pensava ter também, por força de sua legislação e de seus contratos, posição que o decreto n. 6.501 não podia alterar arbitrariamente.

Segundo esse decreto, as tarifas seriam revistas de cinco em cinco anos, e reduzidas, nisso estava a modificação, quando os lucros líquidos anuais, antes ou depois de concluídas todas as obras, excedessem de 12% do capital efetivamente empregado. Além disso, definia-se o lucro líquido a diferença entre a receita bruta e as despesas de custeio, justificadas estas pelo meio de faturas, contas, recibos etc. e excluídos de tais despesas os gastos gerais da empresa. Poderia o Governo Federal, violando os contratos da empresa, impor-lhe tais medidas? A representação ao chefe do Estado o negava terminantemente:

Eis aí, exmo. sr. presidente, o Governo contratante modificando cláusulas contratuais da Companhia Docas de Santos,penetrando em terreno fora da sua alçada.

Sem a conclusão das obras contratadas não é possível verificar definitivamente o capital da empresa.

Sem a determinação desse capital não há meio de conhecer se os lucros líquidos excedem de 12%.

A Companhia Docas de Santos ainda não terminou as obras contratadas. O prazo ajustado para a conclusão expira no dia 7 de novembro de 1912 (decreto n. 6.080, de 3 de julho de 1906).

O seu tráfego atual é provisório.

A sua conta de capital ainda está aberta.

Nela figura a soma acima já declarada, mas, ainda, têm de ser citadas as importâncias das obras realizadas com os orçamentos pendentes de aprovação do Governo e de outras em execução, cujo custo a Companhia se obrigou a justificar depois de concluídas.

Não é, pois, chegado o dia da revisão das tarifas e da consequente redução.

Mais:

O decreto n. 6.501, de 6 de junho, considera provisório o tráfego até o dia da conclusão das obras (artigo 2º) e, incoerentemente, tenta obrigar a Companhia Docas de Santos a reduzir tarifas anualmente, antes da conclusão das obras, quando os seus lucros líquidos excederem de 12% sobre frações do capital definitivo!

Mais lógicas se mostraram as instruções de 7 de novembro de 1906, que tornavam dependentes do tráfego definitivo a revisão e a redução das tarifas, embora pretendessem fixar o capita por trechos ou seções de obras (artigos III e IV).

A cláusula IV do contrato entre o Governo e a Companhia Docas de Santos, celebrado em 20 de julho de 1888, referindo-se, incidentemente, ao custo das obras (custo total) para os efeitos da redução das tarifas, dirimiria qualquer dúvida, se dúvida pudesse haver em face desse contrato e da lei em que ele se baseou.

Seria incompreensível que um empresário se obrigasse a reduzir as tarifas durante a construção das obras, muito especialmente se estas não fossem ajustadas por seções ou trechos independentes.

No primeiro na da construção, as tarifas seriam reduzidas em proporção a uma parte do capital definitivo; concluídas as obras, aumentando o custo, mantidas as taxas (pois a lei n. 1.746, de 1869, não permite a elevação), a exígua renda traria necessariamente a ruína da empresa.

O capital da empresa, reconhecido definitivamente pelo Governo para os efeitos do contrato, seria uma burla.

Não argumentando por sutilezas, preocupados, sim, com a defesa dos capitais levantados para a construção de obras tão consideráveis, em que o Tesouro Nacional não despendia um real, os dirigentes da Companhia não podiam subordinar-se a essa intervenção oficial. Isso tanto mais prevalecia quanto o cálculo das taxas, nas concessões, tinha por base a totalidade do capital, para a devida remuneração. Ora, a revisão anual anularia essa perspectiva, ferindo os propósitos da lei de 1869:

Nos contratos de concessão, o cálculo das taxas tem por base a totalidade do capital a empregar nas obras. As taxas destinam-se a remunerar esse capital.

Depois mesmo de terminadas as obras, a redução das tarifas não poderá ser anual. A redução faz-se ao mesmo tempo que a revisão. Esta tem por fim aquela.

A lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869, não cogitou, nem podia cogitar em impor aos empresários de docas a obrigação de anualmente reduzir taxas, enfraquecendo a renda da empresa após um ano de receita avultada, em regra, proveniente de causas extraordinárias e transitórias.

Esta lei procurava animar os capitalistas para o grande e ousado empreendimento que visava.

Concessionário algum se submeteria ao encargo de reduzir tarifas anualmente, um perigo aos seus capitais, uma causa de frequentes perturbações no serviço.

Redução de tarifas supõe permanência, constância, estabilidade da renda, em condições de bastar para o custeio, para a amortização do capital e para a justa compensação daqueles que o prestaram.

Em um ano não se avalia nem se julga a normalidade da renda das empresas de melhoramento de portos, principalmente daqueles onde se refletem os interesses de um Estado agrícola, onde não raro acontece que a um ano abundante suceda outro de escassez.

O Governo não garantiu à Companhia Docas de Santos um mínimo de renda anual, como fez a outras empresas, nem lhe permitiu elevar as tarifas nos quinquênios de penúria,quando demonstrasse que os seus lucros líquidos não chegavam aos 12% sobre o capital fixado.

Ela, portanto, não pode absolutamente transigir nesse ponto, que considera vital a seus interesses
[75].

Sentia-se a Companhia em tanto maior liberdade para assim argumentar, quanto, se auferia vantagens, não eram mais que a contraparte dos pesados ônus assumidos na construção. Não empreitara obras públicas, obrigou-se a construir as de Santos à sua custa, tomando sobre si os riscos, sem nada perceber diretamente da União. Moeda de pagamento era o usufruto da obra, durante o prazo da concessão.

E as próprias vantagens obtidas, não eram privilégios só seus, nem tampouco superiores às de outras empresas de docas, com seus contratos em vigor – como a isenção de impostos (lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869), a faculdade de desapropriar (Constituição Federal, artigo 10º; lei n. 1.145, de 31 de dezembro de 1903); e a garantia do serviço de embarque e de desembarque das mercadorias em trânsito no porto, pelos seus estabelecimentos (lei n. 1.313, de 30 de dezembro de 1904). Levantando mais uma vez protesto contra a paixão, que a fazia beneficiária de concessões singularíssimas e taxas abusivas, ressoante ainda recentemente, escrevia a empresa:

É preciso, exmo. sr. presidente, desconhecer a ideia de justiça, para que possa alguém censurar tais favores, como se se tratasse de privilégios odiosos, de concessões singulares!

A Companhia Docas de Santos pede permissão a v. excia. para repetir: ela não tem uma só vantagem superior às outorgadas às outras empresas de melhoramentos de portos.

Ao contrário, ela não foi aquinhoada com garantia de juros, subvenção, ou outro favor pecuniário da União,como empresas congêneres, que ainda hoje se têm aproveitado de alguns desses favores.

Até 1888, quando foram contratadas as obras do porto de Santos, haviam se malogrado todas as concessões, autorizadas, desde 1870, para este e outros portos.

A antiga Província de São Paulo, à qual o Governo Imperial, pelo decreto n. 8.800, de 16 de dezembro de 1882, confiara a execução das obras de melhoramento do porto de Santos com favores excepcionalíssimos e taxas discricionárias, deixou caducar a concessão, com receio de aumentar improdutivamente os seus encargos. Declarou-se, em documento de alta relevância, que "a renda esperada dos favores feitos pelo Governo era mais imaginária que real". (Relatório do exmo. barão de Guajará à Assembleia Provincial, 1883).

Não obstante isso, que bastaria para justificar os mais extraordinários privilégios a uma empresa que a tanto se arriscava, o contrato de 1888, a cargo da Companhia Docas de Santos, não contemplou o favor da lei n. 3.314, de 16 de outubro de 1886, artigo 7º, n. 4, a garantia de juros de 6% sobre o seu capital.

Quanto às tarifas da Companhia Docas de Santos, adiante demonstrará que o porto de Santos, dentre os melhorados pelo sistema da lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869, é aquele em que as taxas são mais cômodas.

E demonstrando aquela asserção num quadro a publicar-se adiante, concluiu:

Concedeu-se, é fato, a essa Companhia a elevação do prazo do usufruto a 90 anos, máximo autorizado pela lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869.

Esse prazo foi consequência forçada do aumento considerável das obras e representou a justa compensação dos sacrifícios, que tinham de pesar sobre a empresa com as suas obras aumentadas a mais do triplo e com o câmbio em baixa, durante o longo primeiro período da construção.

As outras empresas de melhoramento de portos, se tiveram o prazo do usufruto das obras desde 52 até 66 anos, tais obras são incomparavelmente menores que as de Santos, notando-se que algumas dessas empresas obtiveram o direito de cobrar taxas mais elevadas que as concedidas à Companhia Docas de Santos, e outras, além disso, foram beneficiadas com a garantia de suas rendas. A primeira concessão para o porto de Santos teve o prazo de 90 anos (decreto n. 4.584, de 31 de agosto de 1870), e os concessionários deixaram-na caducar.

Em São Paulo, as principais empresas de obras públicas obtiveram privilégio por 90 anos, sem o ônus da reversão para o concedente. A São Paulo Railway Company, a Companhia Paulista, a Companhia Mogiana, a Companhia Sorocabana, além desse favor, ainda gozaram, em início, a garantia de juros.

Imagem: reprodução parcial da página 231


[70] "O único jornal que espontaneamente, nobremente, cavalheirosamente colocou-se ao lado do representante de São Paulo, foi o Correio da Manha, galhardo e corajoso órgão que o povo tem para defesa de seus direitos, quando conculcados pela força e pelo arbítrio. Rendo-lhe as minhas homenagens e desta tribuna envio-lhe os agradecimentos do povo do meu Estado". Alfredo Ellis, Senado, 31 de julho de 1907.

[71] Despedira-se o dr. Ewbank da Camara anunciando pelos jornais de Santos que deixava nesse dia o cargo de engenheiro fiscal das obras de melhoramentos do porto "para o fim de presidir na Capital da República a comissão de exame de escrituração e tomada de contas da Companhia Docas de Santos" (4 de outubro de 1907).

[72] Publicado o decreto, alvoroçou-se logo a oposição. No Senado, Alfredo Ellis disse que ele vinha "quebrar os grilhões daquele Prometheu que vivia acorrentado à rocha do desespero, entregue ao abutre voraz e insaciável da ganância daquela empresa". "É hoje esse Prometheu, acrescenta, que sente e lamenta não ter uma centelha de fogo celeste para iluminar a fronte dos honrados e beneméritos srs. presidente da República e ministro da Viação e Obras Públicas. Não tem essa centelha, mas há uma coisa que pode substituí-la com o mesmo fulgor divino: é a gratidão de um povo inteiro, que há de, infalível, iniludivelmente, clarear e fazer rebrilhar a trajetória desses eminentes brasileiros, que só por esse decreto se tornaram imortais e cujos nomes hão de ser imorredouros para o povo de minha terra" (Senado, 6 de junho de 1907).

Na caricatura do Malho (6 de julho), Zé Povo, diante da víbora que estrebuchava aos golpes do representante paulista, exclama: "Ora até que enfim apareceu um homem que não teme potentados mais ou menos… Gaffrées. Isso, moço! Corte-se o mal pela cabeça antes que ele cresça"!

[73] Ver Representação ao Sr. Presidente da Republica, 30 de julho de 1907. São Paulo, Typographia Cardoso Filho & Companhia. 1907.

[74] "Nas questões de interpretação ou outras que se derivem dos contratos que os particulares celebrem com o Governo, a única autoridade é e continuará a ser a judiciária… Ele será nessa relação apenas uma das partes contratantes, que não pode impor a outra a sua opinião e sim pende como ela de um outro julgador. É um contratante e não um poder… O contrário seria não só despojar o Poder Judiciário de suas legítimas atribuições, mas exercer entre os particulares um constrangimento ilegal ou uma violação das garantias da propriedade" (Consulta de 28 de dezembro de 1867) Representação ao Sr. Presidente da Republica, cit.

[75] Fundou a Companhia em atos do próprio Governo essa interpretação. Assim, a exposição ao ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Antonio Prado, sobre as propostas para a construção do cais: "…o Governo, pelo decreto de 1869, só tem o direito de rever as taxas para reduzi-las, quando os lucros líquidos da empresa excederem de 12%..." Assim também a mensagem de 8 de agosto de 1908, referida atrás, ao responder à pergunta do Senado sobre o montante da renda bruta e líquida do quinquênio: "Os dados solicitados só poderão ser fornecidos oportunamente e na forma do contrato". Por último, o igualmente referido Aviso n. 272, de 1º de dezembro de 1899, no qual o então ministro da Viação declarou à Câmara Municipal de Santos: "Na revisão das tarifas os lucros da Companhia excedentes de 12% do capital redundariam em benefício público, com o abaixamento das mesmas tarifas". – Ver: Exposição ao Sr. Presidente da Republica, cit.