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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 30

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 227 a 231:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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TERCEIRA PARTE (1906-1910)

Capítulo XXX

Também a parte técnica

Até então livre de crítica, gabada mesmo, como vimos, pelos maiores adversários, a parte técnica do cais não se livrou, nesse agitado período, de insinuações e ataques. Não vieram de fora, mas do próprio engenheiro fiscal, que durante anos, entretanto, nada articulara.

Foi o caso que, conforme se viu, substituíra a Companhia, em 1902, no trecho de Paquetá a Outeirinhos, o sistema de construção até então seguido, sobre estacadas, pelo de blocos de concreto ou de alvenaria. Havia aconselhado Guilherme B. Weinschenck essa alteração, que fundamentou em razões de ordem técnica, peculiares a Santos e deduzidas da lição de outros portos – Brest, Marselha, Trieste, Gênova, Dublin – uma vez que, no trecho referido, já não se podia, por suas condições, continuar o sistema adotado no anterior. O novo processo, além de mais rápido, não oferecia menos estabilidade e solidez. Descreveu-o o engenheiro-chefe deste modo:

Consiste este sistema na dragagem prévia do lugar da muralha, em certa extensão, até encontrar-se terreno suficientemente resistente, preenchendo-se em seguida este lugar com enrocamento, cuja parte superior é feita de cascalho ou pedras miúdas, de maneira a ser possível aplainar-se a superfície que vem pouco acima do fundo do porto.

Sobre esta superfície são lançados blocos de concreto ou de alvenaria, cujo comprimento corresponde à espessura das fundações do muro; sobre estes blocos, que devem vir suficientemente acima das marés mínimas, para não fazer a construção depender em elevado grau da altura das marés, vai assentado o muro com capeamento de cantaria, tendo inclinação de cerca de um décimo, que não estorvando a atracação dos navios, nem dificultando a sua descarga, é conveniente para a estabilidade da muralha.

Engenheiro fiscal das obras, o dr. Ewbank da Camara publicara em 1905 um folheto, todo calcado sobre informações que lhe forneceu G. B. Weinschenck, mostrando a marcha a seguir na adoção desse sistema. Não era seu fito descrever as instalações em Santos, mas não escondia o apoio ao novo sistema afirmando:

Engenheiro fiscal das obras, o dr. Ewbank da Camara publicara em 1905 um folheto, todo calcado sobre informações que lhe forneceu G. B. Weinschenck, mostrando a marcha a seguir na adoção desse sistema. Não era seu fito descrever as instalações em Santos, mas não escondia o apoio ao novo sistema, afirmando:

Não cabe nos moldes desta rápida notícia discussão das vantagens evidentes de um sistema sobre outro, nem combater o que se tem dito em desabono do sistema de blocos. Basta consignar aqui não ser novo o sistema adotado, que foi empregado com sucesso em diversos portos da Europa e bem frisante em Santos [65].

Já esse sistema havia sido empregado em 1.467 metros, quando saiu a público tal folheto. Dois anos depois, quando outro já era o ministro da Viação, publicou o dr. Ewbank da Camara segundo opúsculo, este agora impresso oficialmente [66]. Se o título e sobretudo o momento em que o último se editava, eram indicativos, o conteúdo não deixava dúvida sobre o propósito que o inspirava.

Do primeiro trabalho o fito confessado foi "a descrição da instalação no porto de Santos, da organização que o trabalho teve e fazer alguns reparos sobre a construção do trecho já concluído", obra toda de apreço a um sistema cujo traço característico era "a admirável rapidez relativa com que se opera, quatro ou seis vezes mais, sobre a construção primitiva, obtendo, a par da economia de tempo, a mesma estabilidade e solidez com orçamento menor". Do segundo, e versando a mesma questão, o intuito se declarou assim:

Os acidentes verificados na execução de obras nos portos estrangeiros são geralmente publicados e discutidos com grande amplitude. Visa naturalmente este fato tornar conhecidas, como preventivas, na construção de outros, as causas que motivaram as imperfeições notadas.

No momento atual, achando-se em andamento a execução de obras em diversos portos da República, tem um único mérito oportuno, a publicação relativa aos acidentes observados em Santos.

Tudo isto, alegou-se, porque não tomara a empresa em conta o que dissera Quinette de Rechemont no seu Cours de Travaux Maritimes, edição de 1907, que assim se citou:

Les murs de quai fondés sur enrochements ont souvent donné lieu a des graves mecomptes, lorsque les enrochements reposaient sur une couche de vase.

Certains murs duport de Trieste ont avancé de 8 a 9 m., parfois sans trop se deformer; d'autres, au contraire, ont été absolument bouleversés et ont dû étre refaits entiérement.

A edição do autor francês era entretanto de 1901 [67] e já lá estava esse trecho, a que, ao tempo, a fiscalização não deu relevância. Quinette, pseudônimo de Osorio de Almeida, argumentará na imprensa depois, dias a fio [68], mas a resposta oficial guardou-se nos arquivos da Companhia, só tendo dela tido conhecimento o Governo Federal.

Cedera o muro com efeito, em 1905, em cerca de cem metros nos 1.284 já construídos, tendo-se providenciado sobre tudo com ciência do fiscal. A arguição parlamentar era que a empresa dilatava de estudo a obra no tempo, e agora, na frase do engenheiro fiscal, houvera pressa na construção:

A pressa com que a Companhia quis construir, não esperando ter o enrocamento da base adquirido a necessária estabilidade, motivou o acidente. Os blocos, formando o corpo da muralha, abateram, por ter abatido igualmente a base do enrocamento.

Adiante:

Não concordo com as declarações feitas pelo engenheiro-chefe da Companhia, no sentido dos resultados obtidos, contrários às suas melhores expectativas.

Na profissão de engenheiro, a expectativa é um fator que não entra em linha de conta. Estuda, projeta, executa, constrói afinal, mas não age sem certeza e segurança, pois o cálculo deve indicar e indica de antemão o resultado preciso.

O intuito desse folheto, querendo informar tecnicamente para lição de outros portos, disse Weinschenck, não era sincero:

Fosse o intuito que motivou a elaboração do citado folheto, o seu autor só merecia louvores, pois que tanto os engenheiros que projetaram e executaram as obras, como a Companhia, teriam a satisfação de ver indicadas, por profissionais competentes, as imperfeições da execução, aproveitando as indicações no prosseguimento das obras e servindo assim ainda para se ter em consideração no projeto e execução de obras em outros portos do país.

Para quem, nesta persuasão, abrir o mencionado folheto, a decepção será grande, pois que na realidade esse folheto consiste em uma acusação torpe e malevolentemente redigida com o único fim de prejudicar a Companhia e desacreditar o pessoal técnico que há dezenove anos dirige os trabalhos de construção do cais, que tem felizmente merecido reconhecimento de competentes.

Isso quanto aos fins. O fundo, esse era totalmente improcedente:

Deixando de parte mais observações, todas elas patenteando um parti pris no sentido de deprimir, não encontramos nenhuma indicação sobre as medidas que deviam ter sido postas em prática para evitar os defeitos encontrados; me parecem ter sido postas em prática para evitar os defeitos encontrados; me parece ter sido postas em prática para evitar os ser, seria ela a primeira a chamar a atenção sobre as imperfeições durante a construção e não agora quando a muralha do cais está construída e concluída até ao fim da curva de Paquetá, há mais de sete anos. E mesmo no trecho em que houve o abatimento dos blocos, o de n. 2.337 foi assentado em 28 de junho de 1904 e o de n. 2.626 (na extremidade do trecho) em 5 de março de 1905! E só agora (novembro de 1907) se faz esse alarido injustificável [69].

Argumentou Quinette (Jornal do Commercio, 7 de agosto de 1907):

É este, porém, o caso: nenhuma falta cometeu o pessoal técnico das Docas.

A este quis o engenheiro Ewbank atribuir a culpa do abatimento que em pouco mais de cem metros de extensão ocorreu quando estavam assentes as fiadas de blocos e ainda não havia sido começada a construção da muralha.

Já dissemos o suficiente para demonstrar que esses abatimentos são inevitáveis, quaisquer que sejam as cautelas tomadas na construção, e que o ocorrido em Santos é insignificantíssimo, quando comparado a verdadeiros desastres que se deram em portos da Europa, construídos pelo mesmo sistema.

O engenheiro Ewbank devia ter tido ciência desse abatimento, na época em que ele ocorreu; devia ter sabido igualmente que, para compensá-lo, fora preparado um bloco suplementar de 1,50 m de altura.

São circunstâncias essas que não devem escapar ao zelo de um fiscal competente. O das Docas, porém, só em 1907 foi despertado em sus cuidados e começou a tratar dessa questão.

Acusou o fiscal nesse ano de 1907, quanto ao de 1905: "Nesta questão, desde o início, andou mal a Companhia e revelaram-se faltas de atenção cometidas pelo seu pessoal técnico".

Embora o próprio acusador confessasse, logo depois, que, apesar do abatimento, a muralha se consolidaria, como se consolidou, o que provava o efeito das providências imediatas da Companhia, que então lhe não mereceram o menor reparo, revoltou-se o pundonor profissional de Weinschenck.

Hipócrita, nas suas palavras, eram os intuitos que se vestiam com o ensinamento para outros portos. Porque conhecendo, como ninguém, o porto de Santos e seu fundo de lodo, é que redobrara na preparação do enrocamento em que assentariam os blocos.

 Precipitação da construção como causa do acidente? A verdade era que, ao contrário, "a construção da muralha não avançou dois anos à espera que o enrocamento de base se acomodasse e adquirisse a necessária estabilidade; e isto consta dos relatórios trimestrais de 1905 e 1907, remetidos à fiscalização".

Mais:

E ainda esse enrocamento foi executado com grande excesso de altura, para fazer peso e provocar a penetração no lodo, que estufado dos lados, foi dragado para facilitar o movimento descendente, como foi comunicado também à fiscalização nos relatórios trimestrais de 1905, bem assim o alargamento desse enrocamento, que só foi aplainado, retirando-se o excesso de altura, quando o nivelamento respectivo parecia indicar que o movimento tendia a cessar; somente depois é que se assentaram os blocos.

Ainda:

É grande a minha indignação afirmando o fiscal que houve falta de atenção do pessoal técnico dirigente, pois basta ler-se o que foi comunicado à fiscalização nos relatórios trimestrais, desde 1905, para ter-se ideia dos cuidados e dos meios empregados para consolidar as fundações da muralha.

O trecho que o fiscal cita de uma obra de engenheiro francês não vem absolutamente ao caso; primeiro, porque seria questão a fiscalização desde logo rejeitar o projeto quando foi apresentado ao Governo e, em segundo lugar, o que o engenheiro francês expõe não corresponde ao que se dá no caso que nos preocupa; pois não lançamos o enrocamento de base sobre o lodo simplesmente; este foi previamente dragado até onde, águas mínimas, isto era possível, isto é, na profundidade de 12 metros; portanto 4 metros, além do fundo do porto, continuando-se com essa dragagem apanhando o lodo que refluía para o lugar da operação. Somente depois é que foi lançado o enrocamento de base, que, executado com grande excesso de altura, afundou estufando o lodo que se achava em profundidade superior a 4 metros do fundo do porto.

Esse lodo estufado foi dragado de um e outro lado, ao longo do enrocamento, fato comunicado à fiscalização em relatórios trimensais desde o primeiro de 1905.

Por último:

Durante seis anos o atual fiscal não achou motivo algum para agredir a Companhia, reinando entre ele e o pessoal técnico certa cordialidade; desde 1903 não foi recebido nenhum ofício importante da fiscalização. No entanto, de janeiro de 1907 até agora foram recebidos inúmeros ofícios, sendo o mais recente o n. 309, a maioria com evidente tendência agressiva, procurando desacreditar a Companhia e atacar o caráter e probidade do pessoal técnico. A conclusão lógica é que presentemente a fiscalização obedece a ordens que, de forma alguma, têm por fim resguardar os interesses gerais do país; e o fato que nos dá a maior satisfação é que os elementos que, de lá, dirigem os ataques à Companhia e ao seu pessoal, de forma alguma dispõem de força moral indispensável para agir em benefício da Nação.

Assentamento da última pedra do capeamento do cais no trecho de Paquetá aos Outeirinhos (1909)

Foto: reprodução da página 227


[65] Cáes de Santos. Breve noticia sobre a nova construcção, pelo engenheiro civil Ewbank da Camara. São Paulo. N. Falcone & Companhia, Editores. 1905. Esse sucesso "frisante" em Santos, bem como o correspondente ao termo francês foisonnement des terres e outros pormenores de redação, nesse folheto e no posterior, anunciado adiante, fizeram objeto de cerrada dissecação por Quinette, no Jornal do Commercio (julho-agosto de 1909).

[66] Cáes de Santos. Accidentes da construcção, pelo engenheiro civil Ewbank da Camara. Imprensa Nacional. 1907.

[67] "Ora esta observação citada pelo engenheiro Ewbank não existe na edição de 1907, da obra de Quinette de Rechemont, e não existe por uma razão muito simples; é que a última edição desse trabalho do professor de Pontes e Calçadas ainda hoje é de 1901, em cuja página 360 se encontra realmente o trecho citado mas com ortografia correta".

[68] "É edificante o cotejo entre este folheto e o que foi publicado em 1905, ambos do mesmo engenheiro Ewbank. A primeira observação que se impõe é que o de 1905 foi impresso à custa do autor em uma tipografia de São Pauo e posto à venda em uma livraria.

"Ele continha a descrição do novo sistema de construção que a Companhia Docas de Santos ia empregar no trecho de Paquetá a Outeirinhos. O engenheiro Ewbank, fiscal das Docas, aproveitando-se das notas que lhe forneceu o dr. Weinschenck, quis fazer dinheiro com elas e as compendiou, recheando-as de erros em português, no referido folheto.

"O segundo de 1907, completamente hostil à Companhia Dicas, foi impresso na Imprensa Nacional, à custa de toda a população do Brasil e distribuído grátis a todo o mundo. Era elemento de propaganda feito pelo Governo passado contra a Companhia.

"A segunda observação se refere à enorme diferença entre a opinião que o engenheiro Ewbank manifestou quanto ao novo sistema de construção do cais em 1905, quando já havia 1.467 metros de extensão de muralha construída com blocos, e a que ele emitiu em 1907". Quinette, Jornal do Commercio, 27 de julho de 1909.

[69] G. B. Weinschenck. Observações relativas ao assumpto de um folheto do fiscal, com o titulo Cáes de Santos, Accidentes na Construcção, etc., 4 de dezembro de 1907. Ainda: "Não compreendo a observação em parêntesis no fim da página 10 do folheto, dizendo que a Companhia não tem defesa, pois nada está dito na notícia que a justifique. Esta frase do fiscal, porém, constitui a melhor prova de que o que escreveu no prefácio não passa de um mau esconderijo da verdadeira intenção com que escreveu o tal folheto, que, além de servir a outros fins, não passa de uma vingança mesquinha pelas verdades pronunciadas no Senado a respeito das suas qualidades".