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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 25

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 184 a 191:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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TERCEIRA PARTE (1906-1910)

Capítulo XXV

O desenlace de 1906

Como resposta, abrangia todos os pontos da acusação. A Notícia do dia seguinte assinalou-lhe a significação nestes termos:

A espontaneidade com que a Companhia resolveu formular essa exposição para dissipar dúvidas que pudessem porventura pairar no espírito público, já por si mesma constitui uma prova da serena consciência que ela tem do cumprimento de seus deveres; e o documento, a que aludimos, toma uma por uma todas as articulações apresentadas e as destrói de um modo tão completo, tão absoluto que mesmo os ânimos mais prevenidos não podem deixar de se render à evidência das coisas.

Tendo o Jornal do Commercio publicado na íntegra o documento, perguntou o Correio da Manhã porque procedia de modo diferente quanto à outra parte [25]. Carregou a fundo um dia depois, porque não se tratava senão de parcerias excusas e o ministro da Viação não podia haver recebido tal papel.

Para os homens que cercavam Rodrigues Alves, grupo que se comparou, na República, ao ministério das águias, sob o Império, o epíteto não era, a outro propósito, infamante?
[26]. Segundo a Tribuna do Rio de Janeiro, a Companhia, malgrado o serviço técnico que criou e os benefícios que trouxera a São Paulo, merecia o corretivo (8 dde outubro de 1906):

Continuamente se alega em defesa da Companhia a grandeza dos serviços que ela prestou ao Estado, com a construção do cais, a montagem do admirável serviço de carga e descarga, trabalhos que tiveram por efeito o saneamento daquela cidade outrora tão flagelada pela epidemia da febre amarela. Tudo isso é exato. Nunca serão demais os louvores erguidos à sua ação benemérita. A questão, porém, é outra. Deu ou não resultado econômico essa audaciosa iniciativa? Foi ou não coroada de êxito a formidável operação? Toda a gente sabe que a mais larga prosperidade galardou os exploradores da concessão, e que as Docas constituem hoje uma empresa extraordinária, pela importância dos serviços e pelo lucro enorme que dá aos venturosos acionistas.

Era idêntica restrição que se fazia no São Paulo da capital do Estado, a propósito do "regime ilegal das taxas", dos "ônus excessivos" sobre a classe laboriosa do Estado (28 de dezembro de 1906):

O Estado de São Paulo, o seu comércio, a sua indústria, todo o futuro, não podem continuar enfeudados a uma empresa que trata tão duramente a sua vasta clientela. Os prejuízos que as várias classes ativas do Estado sofrem com o regime ilegal de taxas em vigor no cais de Santos ascendem a mais de dois mil contos de reis por ano; as taxas indevidamente pagas pelos importadores, desde que começou a funcionar o serviço da Companhia Docas, importam em mais de trinta mil contos!

Passara, a esse tempo, pelo Rio de Janeiro, o construtor técnico das Docas, envolto na sua proverbial modéstia, merecendo apenas uma pequena referência [27]; mas seria agradável ouvir, em meio da paixão, esta homenagem que lhe prestava o mesmo inimigo irreconciliável:

De resto, manda a justiça dizer que não é sobre as Docas, mas sobre o Governo Federal, que deve pesar a responsabilidade por tão deprimente situação. Como empresa comercial, cumpre o seu dever em alargar os lucros das suas operações. Não se lhe leva a mal que peça nem que defenda os direitos que lhe outorgaram. Está no seu papel, é o seu papel, é o seu interesse e é a sua obrigação.

De posse de um contrato magnífico, ela foi pouco a pouco obtendo do Governo Federal as concessões que mais fortificaram e alargaram a sua renda. Nunca lhe exigiram em troco das novas vantagens que foi requisitando a aceitação de medidas que atendessem às reclamações do contribuinte. Não era a ela que cumpria propô-las.

Quem precisa defender-se é o Governo e não a empresa que, se passa justamente por gananciosa, tem a seu favor o admirável serviço que montou em Santos e que é um motivo de orgulho para o país inteiro
[28].

Seria de estranhar, porém, que a repulsa total à defesa da Companhia não viesse do seio do próprio Senado Federal. "Papel indecoroso", duvidou Alfredo Ellis que o ministro da pasta o houvesse escrito. "Por dignidade, disse s. ex., ele não poderá aceitar absolutamente essa exposição, porque nela se insulta gravemente, na pessoa de um senador por São Paulo, todo o Senado brasileiro". E protestando, ainda uma vez, o propósito de não melindrar quem quer que fosse, pois os assuntos que trazia a debate eram sempre nacionais, disse (5 de outubro de 1906):

Sempre que ocupo esta tribuna tenho em mente um lema de que não esqueço nunca, para contrariar qualquer demasia de linguagem, qualquer veemência de expressão: Suaviter in modo, fortiter in re. Procuro guiar-me por essa lição porque não tenho em mente absolutamente, ocupando esta tribuna, ofender a quem quer que seja; e, se o faço é no árduo cumprimento dos meus deveres de representante de São Paulo, que por minha bondade e extraordinária gentileza deu-me uma cadeira nesta Casa.

Haviam se exibido textos de contratos e de leis, sua execução dentro do regime jurídico em que vivia e se desenvolvia o cais, regime fiscalizado não só pelo próprio Governo, como pela opinião pública. Para s. ex., o que havia, porém, era o intuito de fazer silenciar a tribuna senatorial, para o que seria preciso lhe passassem pelo cadáver:

O SR. ALFREDO ELLIS – O que se pretende, sr. presidente, é fazer emudecer esta tribuna; o que se quer é cobri-la de lama para impedir que o senador que a ocupa continue a falar, continue a denunciar ao país os grandes escândalos que se praticam naquela privilegiada faixa do cais de Santos.

Não o conseguirão, afirmo!

Nos Estados Unidos, na terra dos trustes, lá, onde a corrupção é profunda, ainda ninguém teve a ignominiosa ideia de pretender fazer calar um senador da República!

E é o que aqui se pretende: cobrir de vasa o obscuro senador que ora ocupa a atenção do Senado.

O SR. A. AZEREDO – A lama não pode atingir a v. ex.

O SR. ALFREDO ELLIS – Se porventura, sr. presidente, diante de um ultraje desses, v. ex. não ouvisse um protesto desta tribuna, eu pediria que v. ex. cumprisse o sagrado dever de bom cristão, mandando retirar o meu cadáver, porque só deixaria de protestar se deixasse de existir.

O que me traz à tribuna é uma exposição ou representação feita pelo chefe das Docas ao sr. ministro da Viação.

Esta exposição (mostrando) dirigida ao ministro da Viação é uma ofensa ao Senado, é uma ofensa à República, porque ela diz que um senador da República é um vil caluniador.

No caso dos colossais lucros atribuídos às Docas, acrescentou s. exa., que depusesse a fonte de informação, agora que lhe citava o nome [29]. Quanto ao São Lourenço, provava a resposta que tivesse havido diminuição de taxas? [30].

Considerações menores, todas essas desapareciam, porém, diante da afronta que sofrera. "Desejo muito que o sr. Gaffrée passe à história do país como um segundo Mauá", exclamou, "não tenho má vontade contra s. ex. nem contra o sr. Guinle, nem contra o advogado da Companhia. E não seria crível, senão por ato de loucura, que eu atacasse a pessoas que nunca me fizeram mal, injuriando-as". Concluindo:

Não posso, sr. presidente, deixar esta tribuna sem responsabilizar o signatário dessa exposição injuriosa.

Acredito que s. ex. é um homem de pundonor, acredito que s. ex. mediu bem o alcance das frases que empregou para insultar o senador por São Paulo, acredito que s. ex. tem consciência do ato que praticou; e é por isso que, da tribuna do Senado, peço que, ou retire as expressões, ou que assuma a responsabilidade da injúria que irrogou, responsabilidade que tornarei, como devo, exequível.

Se eu não o fizer, sr. presidente, se eu não reclamar uma reparação, não serei digno desta cadeira, não serei digno de representar o Estado de São Paulo, e muito menos digno de representar a República.

Adiante:

Desejo que o sr. Candido Gaffrée se responsabilize pelas injúrias que irrogou ao senador por São Paulo, que ora se dirige ao Senado.

Sr. presidente, quando pela primeira vez levantei-me nesta tribuna para falar ao Senado, declarei terminantemente e conscientemente que, quando eu tivesse de deixá-la, por motivo de morte ou sucessão natural, desta cadeira, que foi ocupada por Prudente de Moraes e Manoel de Moraes Barros, ela havia de ficar impoluta e imaculada, como estava quando a recebi. Mantenho e manterei sempre essa afirmativa.

Dai a mandar suas testemunhas ao presidente da empresa, não havia muito. Foi o que fez, com instruções para a retirada das expressões que julgava injuriosas ou um desforço pelas armas, o qual não cessaria enquanto um dos contendores não fosse grave ou mortalmente ferido:

Certo, convencido de que a honra não é uma palavra vã, e certo de que não poderia jamais entrar neste recinto com os olhos levantados desde que sobre mim havia salpicado borrifos de lama uma empresa que não se tem até hoje submetido à lei, mandei as minhas testemunhas ao homem que me havia insultado.

Recorri a dois amigos, a dois deputados da bancada paulista – ao sr. dr. Galeão Carvalhal, líder da bancada, e ao meu velho amigo e companheiro da Constituinte, dr. Rodolpho Miranda, incumbindo-os de procurar o sr. Candido Gaffrée, autor da exposição malsinada, e exigir deste senhor ou a retirada das expressões injuriosas ou indicar testemunhas para um desforço pelas armas.

As minhas instruções foram simples. Não retiro uma vírgula do que foi pronunciado desta tribuna e exijo que a questão seja resolvida, não por uma troca de balas, mas por um duelo de morte, isto é, por um duelo que durará enquanto um dos contendores não for grave ou mortalmente ferido.

Indicou Candido Gafrée também dois amigos, aos quais deu plenos poderes e liberdade absoluta para resolverem a questão como entendessem. Julgaram, porém, estes que ele, "longe de ter sido o ofensor, tinha sido, pelo contrário, ofendido repetidas vezes do alto da tribuna do Senado pelo sr. senador Alfredo Ellis", e que "as frases usadas na exposição feita ao sr. ministro da Viação não eram mais do que uma legítima represália, não cabendo, pois, ao sr. Gaffrée o dever de aceitar nenhuma das duas soluções pedidas", pelo que, não chegando a acordo os representantes reunidos, davam por finda a sua missão [31].

Anunciando esse desenlace, concluiu Alfredo Ellis:

Sr. presidente, depreende-se desta ata que o sr. Candido Gaffrée não aceitou o meio que eu havia oferecido a s. ex. para reparar a ofensa que a mim havia sido dirigida em um documento público, porque, diz ele, eu as havia irrogado daqui, do Senado, e ele o fizera como uma represália.

Deixo à consciência dos srs. Senadores a evasiva que o sr. Candido Gaffrée empregou para evitar um desforço pelas armas. Seria o caso de perguntar por que razão o sr. Candido Gaffrée, quando se julgou insultado por mim desta tribuna,não teve idêntico procedimento ao meu, para com ele?

Por várias vezes tenho dito que não me escondo por traz de minhas imunidades parlamentares; a minha individualidade responde por todos os atos ou palavras por mim pronunciadas desta tribuna. O sr. Candido Gaffrée, se se julgou insultado, devia mandar-me as suas testemunhas e o que posso asseverar a s. ex. e ao Senado é que a elas não daria a solução que s. exa. deu às minhas.

Resta-me a consciência, sr. presidente, de não ter, por fraqueza, diminuído o prestígio desta cadeira. Resta-me a consciência tranquila de haver feito o possível para evitar que o respingo de lama caísse sobre esta cadeira.

Serenada a tempestade [32], diferente ia ser o termo dela. No Legislativo as comissões de Obras Públicas, bem como de Legislação e Justiça, manifestaram-se contrárias à junta de inquérito proposta. O argumento predominante foi que para a fiscalização de cada contrato estava o Poder Executivo armado de poderes explícitos, quando não de um engenheiro idôneo.

Por sua vez, a Comissão de Legislação e Justiça, rendendo homenagem ao zelo patriótico do autor, opinou que deviam ser ouvidas as duas oustras comissões, bem como os ministros da Fazenda e Viação, não sem salientar o pouco provável efeito prático
[33].

Para a Comissão de Obras Públicas, e embora lhe parecesse desejável o recebimento definitivo do cais em tráfego, a proposta, além de perturbadora, no ponto de vista administrativo, estava aquém do que, em cada caso, já existia
[34].

Quanto à Comissão de Finanças, havia sido lido e publicado parecer também contrário, longamente fundamentado; mas um dos signatários, Francisco Glycerio, explicou que o assinara sem ler, por muito atarefado, pois havia sustentado tese oposta, no que foi acompanhado pelos senadores A. Azeredo e Alvaro Machado; voltou, por isso, à comissão (30 de dezembro de 1906):

O SR. FRANCISCO GLYCERIO – Sr. presidente, com o extraordinário acúmulo de serviços parlamentares que têm pesado sobre o Senado, de oito dias para cá, não era de estranhar que se desse comigo o fato, que peço licença para relatar ao Senado.

Vi publicado no Diario do Congresso de ontem, e disto só tive conhecimento hoje, um extenso parecer da Comissão de Finanças, de que foi relator o meu ilustre amigo sr. senador Paes de Carvalho, acerca de uma indicação apresentada pelo meu ilustre amigo, sr. senador Alfredo Ellis, tratando da questão das Docas de Santos.

No momento em que me achava muitíssimo preocupado na minha bancada, me foi esse parecer trazido por um funcionário do Senado, e devo declarar que, como este parecer era elaborado pelo ilustre sr. Paes de Carvalho, em cuja capacidade muito confio, assinei-o sem ler, por ter a minha atenção presa a outros assuntos que me preocupavam.

Entretanto, lendo hoje o referido parecer, vejo que ele contém ideias inteiramente contrárias àquelas que o meu nobre amigo sustentou nesta tribuna em consequentes sessões, aliás, de acordo com a minha opinião; e tendo eu de intervir no debate, expus publicamente as minhas ideias, sustentando-as com o vigor que me foi dado dispor no momento.

Concluindo:

O SR. FRANCISCO GLYCERIO – Estou, portanto, profundamente contrariado com este fato, e não levo a minha responsabilidade, nele, senão à conta das preocupações de momento, porque o meu ilustre amigo, relator do parecer, pode expor as ideias que tem e sustentá-las. Nada há que estranhar neste fato, pois, todos os dias, estamos vendo surgirem divergências no seio das comissões permanentes do Senado.

O SR. A. AZEREDO – Como v. ex., assinei também este parecer. As minhas ideias sobre o assunto são quase as mesmas que as de v. ex., em relação aos discursos aqui pronunciados.

O SR. ALVRO MACHADO – Faço igual declaração.

O SR. FRANCISCO GLYCERIO – Deste modo, o parecer está em minoria, porque os nobres senadores pela Paraíba do Norte e por Mato Grosso, que acabam de fazer as declarações que o Senado ouviu, estão em terreno inteiramente contrário às ideias do ilustre relator do parecer.

O SR. A. AZEREDO – Até as combati pela imprensa.

O SR. FRANCISCO GLYCERIO – Assim, a responsabilidade pelas ideias do parecer caberá, por enquanto, ao presidente da Comissão, ao relator do parecer e ao ilustre senador pelo Maranhão.

Surpreendeu-se, depois, o sr. Alfredo Ellis com a publicação desse parecer. De seu projeto declarou ter desistido, uma vez que já havia alcançado o objetivo com a portaria de 3 de novembro de 1906; e, sendo necessário, viria mesmo à tribuna retirar o projeto, a que esse parecer se referia. Não deixou de notar, entretanto, certa semelhança entre as razões da empresa, eximindo-se à fixação do capital, e esse parecer; e hesitava em supor que fossem de punhos diversos.

A questão deu lugar a este diálogo (13 de julho de 1907):

O SR. URBANO SANTOS – Portanto, declara que não considera absolutamente o trabalho do senador Paes de Carvalho, que eu tive a honra de subscrever, uma prova do poderio das Docas?

O SR. ALFREDO ELLIS – V. ex. não ouviu bem a minha exposição ou quer exigir em tom imperioso que eu confirme duas ou três vezes, ou quantas v. ex. quiser, o que já disse. Costumo dizer uma só vez e não tenho o hábito de retirar as minhas palavras.

Quanto ao Poder Executivo, o desfecho, porém, foi outro. A 7 de novembro de 1906, uma semana antes de deixar o poder com Rodrigues Alves, cujo mandato findava, baixou Lauro Müller uma portaria sobre a entrega definitiva de cais prontos e contas de capital de empresas particulares. Diziam assim as instruções dessa portaria:

I – Nas obras de melhoramento de portos, adjudicadas a empresas particulares, à medida que forem sendo construídas seções ou trechos, em condições de permitirem o acostamento dos navios ao cais, o embarque e desembarque de passageiros, o movimento e abrigo de mercadorias, poderá o Governo autorizar, desde logo, que as ditas seções sejam entregues provisoriamente à exploração pública, continuando sob a responsabilidade dos concessionários, na forma dos respectivos contratos, a conservação e o remate de tais obras.

II – Dentro do prazo de seis meses, a contar da data do recebimento dos trechos prontos, organizarão os concessionários, na devida forma, as respectivas contas de capital, que serão feitas por uma junta nomeada expressamente para esse fim.

III – Fixada pelo Governo a soma efetivamente despendida, em um ou mais trechos ou seções em tráfego provisório, será desde logo estabelecido o regime do tráfego definitivo, para todos os efeitos dos contratos.

IV – As companhias que já tiverem um ou mais trechos de cais em tráfego provisório deverão apresentar as respectivas contas de despesas dentro do prazo máximo de 90 dias, a fim de que, observado o disposto no final da cláusula II, passe o tráfego a ser considerado definitivo.

Diretoria Geral de Obras e Viação, 7 de novembro de 1906. – Pelo diretor geral, José Diniz Villas Bôas.

Mais que essa medida, a legislação que se seguiria ia trazer em defensiva, nos anos seguintes, a Companhia Docas de Santos. Exultou a imprensa de oposição. Em São Paulo, referiu-se o Correio Paulistano, ainda uma vez, à "formidável taxa de passagem do café" pelas Docas de Santos [35], enquanto o Diario Popular aludia ao "espírito de um verdadeiro Shylock, fazendo de Santos a sua Veneza hebraica" [36]. No Senado, a linguagem foi esta:

O SR. ALFREDO ELLIS – Não tenho o menor constrangimento e nem sinto a menor hesitação em subir à tribuna, para agradecer ao ministro da Viação e fazer-lhe a devida justiça, em nome do povo, que, brevemente, vai sentir os efeitos benéficos da medida decretada.

Louvando hoje o ministro que nesta tribuna verberei, demonstro não o haver feito por despeito e nem por haver sido contrariado, em pretensão alguma, por s. ex.

Cumpro hoje o meu dever, louvando-o pelo ato meritório, assim como, censurando-o, entendi cumpri-lo, quando supunha que s. ex., mais que os do povo, acautelava os interesses das Docas de Santos.

Os louros da vitória são e devem ser seus, porque colocando-se em plano superior à natural animosidade e agastamento que as censuras despertam e aguçam, s. ex. corrigiu, em tempo, erros passados, firmando um belo precedente, que não pode deixar de produzir senão magnífico resultado, concorrendo para a prosperidade da República.

Com a consciência tranquila, por haver cumprido o meu dever, daqui envio calorosos parabéns a s. ex. e ao Estado de São Paulo
[37].

Imagem: reprodução parcial da página 184


[25] "O fato é que, de um lado, está uma empresa riquíssima, que tem todo o interesse em sofismar os fatos e em escurecer os acontecimentos, e cuja palavra, por isso mesmo, não é limpa de suspeição; e de outro, está um representante da Nação, de conduta irrepreensível, falando unicamente no cumprimento do seu dever e que não dispõe de fortuna para abrir as colunas do Jornal do Commercio. Nessa circunstância parece residir a explicação do procedimento desse órgão". – Correio da Manhã, 6 de outubro de 1906.

[26] "O público vai saber, nas suas minudências, o que foi esta escandalosa, esta vergonhosíssima transação que nos reduz às proporções de uma Turquia ou de um Egito; mas desde hoje sabe que, na véspera de uma glorificação de subordinados, fornecedores e especuladores, ao Chefe da Nação, este, o sr. Rodrigues Alves, preside um governo de gatunos". – "Corja de gatunos". – Correio da Manhã, 25 de março de 1905.

[27] "Esteve nesta capital e seguiu para São Paulo o sr. dr. G. Weinschenck, ilustre engenheiro-chefe das obras das Docas de Santos. E esta notícia traz oportunidade a algumas referências a esse gigantesco trabalho, tanto mais quanto o eminente profissional tem sabido envolver-se em tal atmosfera de modéstia, que rarissimamente se fala no seu nome, apesar de representar, a justíssimo título, uma verdadeira glória para a nossa engenharia". – Gazeta de Noticias, 17 de setembro de 1906.

[28] A Tribuna, Rio de Janeiro, 27 de setembro de 1906. Era também o depoimento do referido jornal São Paulo: "Admirando a magnitude da obra, reconhecendo a perfeição com que tem sido executada e os serviços que tem prestado e há de prestar ao nosso comércio internacional e à higiene da cidade de Santos, transformando o estendal de lodo que era antigamente o seu litoral, na esplêndida doca a que hoje atracam os maiores transatlânticos, é dever nosso, antes de tudo, render homenagem ao valor dos homens que têm estado à testa da empresa, e nela empenharam o melhor de sua capacidade, de inteligência e trabalho, tendo a felicidade de ver os seus esforços coroados do mais merecido êxito". – 20 de outubro de 1906.

[29] "Sr. presidente, para demonstrar que eu não trouxe para o Senado uma calúnia, lembro que, asseverando o fato, não quis referir a pessoa que me havia informado. Eu não desejava que essa pessoa sofresse qualquer contrariedade, em virtude da informação dada. Eu não disse que o meu informante foi o próprio inspetor da Alfândega, que me fez a declaração diante de documentos; notando-se a circunstância, sr. presidente, de haver eu reiterado a pergunta e s. ex. me haver afirmado que, no mínimo, as armazenagens cobradas pelas Docas atingiam a mil e quinhentos contos mensais. E, s. ex., homem de honra e de probidade, não o negará. Daqui invoco o apoio e o testemunho do sr. inspetor da Alfândega, para que venha confirmar isto". – Alfredo Ellis, Senado, 5 de outubro de 1906.

[30] "Prova isso, porventura, que as Docas não cobram as mesmas taxas? Não. O que prova é que, naturalmente, o consumidor estrangeiro submeteu-se à elevação do preço da mercadoria, dando margem, portanto, ao pagamento das taxas. Não quer dizer que as Docas diminuíssem as tarifas, absolutamente não. Portanto, a minha argumentação continua de pé, pois que as taxas continuam pesadas". – Alfredo Ellis, Senado, 5 de outubro de 1906.

[31] Consta da ata: "Em desempenho dessa missão, os representantes do sr. senador Alfredo Ellis se dirigiram à residência do sr. Candido Gaffrée, a quem deram conhecimento do móvel que os levou à sua presença, respondendo o sr. Candido Gaffrée que enviaria dois de seus amigos, para resolverem, por ele, o incidente. À noite, reunidos no local já indicado os mencionados representantes do senador Alfredo Ellis, e os srs. Gabriel Osorio de Almeida e Jorge Street, representantes do sr. Candido Gaffrée, foram narrados por aqueles os motivos que determinaram a conferência, respondendo estes o seguinte:

"O sr. Candido Gaffrée deu aos seus representantes plenos poderes e liberdade absoluta para resolverem a questão como melhor entendessem, e julgam estes que o sr. Candido Gaffrée, longe de ter sido o ofensor, tinha pelo contrário sido ofendido, repetidas vezes, do alto da tribuna do Senado, pelo sr. senador Alfredo Ellis, como consta dos seus discursos publicados no Diario do Congresso; que as frades usadas na exposição feita ao sr. ministro da Indústria e Viação não eram mais do que a legítima represália que o sr. Candido Gaffrée entendeu dever dar às constantes e repetidas ofensas articuladas pelo sr. senador Alfredo Ellis contra sua pessoa, na tribuna do Senado; e que por conseguinte entendiam os mesmos representantes que ao sr. Candido Gaffrée, absolutamente, não cabia o dever de aceitar nenhuma das duas soluções pedidas pelo sr. senador Alfredo Ellis.

"Não chegando a acordo, os representantes reunidos deram por finda a sua missão e lavraram a presente ata, que vai assinada pelas quatro testemunhas. Rio de Janeiro, 7 de outubro de 1906. – João Galeão Carvalhal. – Rodolpho Miranda. – G. Osorio de Almeida. – Jorge Street".

[32] Ainda aí, não teve grande eco o caso. Nas revistas ilustradas Candido Gaffrée apareceu dirigindo os cordéis da política e da administração. Surgiu então a lenda de que entrava no Ministério da Viação de chapéu na cabeça.

"É sabido que, em algumas das secretarias de Estado, para qualquer cidadão ter ingresso e ser recebido pelo respectivo ministro, vê-se empenhado numa verdadeira luta: tem de vencer as resistências do porteiro, dos contínuos, de quase toda a gente enfim que recebe ordens de ss. exs. A Secretaria da Indústria podia bem ser citada como um exemplo. No entanto, o sr. Gaffrée, porque tem dinheiro, porque é sócio de várias empresas, entra ali de chapéu na cabeça, sem dar a menor satisfação, atravessa corredores e vai diretamente ao sr. Lauro Müller". – Correio da Manhã, 13 de julho de 1906.

[33] "Efetivamente, o projeto não cogita de fixar nenhuma regra ou relação de direito para cuja definitiva expressão bastem os conhecimentos das doutrinas e o de uma determinada ordem geral de fatos.

"Seu objetivo são as obras, umas feitas e outras em via de realização, do porto de Santos, e bem assim os ônus e as vantagens dos respectivos empresários. É assunto concreto do qual a primeira inspeção torna-se necessária. O exame das importantes e difíceis construções hidráulicas e o estudo das leis e contratos que as autorizaram; e por outro lado cumpre verificar até onde podem estender-se as faculdades do poder público, sem dúvida limitadas por cláusulas que entre as partes contratantes valem como leis, e pelos direitos adquiridos e vantagens que já se acham incorporados ao patrimônio da empresa.

"O ilustre autor do projeto reconheceu essas dificuldades, tanto que se limitou a conceder autorização ao Poder Executivo. Algumas destas, porém, já se encontram na legislação vigente e sob forma mais nítida e solene, impondo ao Governo preceitos de que não lhe é dado prescindir na fiscalização e outras exigências das obras e serviços de que se trata… Sala das Comissões, 20 de setembro de 1906. – A. Oliveira Figueiredo, presidente. – A. A. da Gama Mello, relator. – Xavier da Silva".

[34] "Pensa a Comissão que é realmente para desejar que sejam definitivamente recebidas as seções do cais já construídas e mais que suficientes ao serviço atual do porto de Santos, e para que possam produzir todos os seus efeitos os contratos e leis existentes; mas julga também a Comissão que, com o projeto em discussão, nada alcançará o seu autor, porquanto ele fica muito aquém, como procurou demonstrar, das leis e disposições existentes e em vigor. O projeto, ora sujeito a estudo, transformado em lei, terá o mérito único de avivar a memória e estimular o zelo do Executivo, o que à Comissão parece dispensável. Sala das Comissões, 17 de outubro de 1906. – Urbano de Gouvêa, presidente. – Hercilio Luz. – R. Arhur".

[35] "Felizmente esta magnífica providência do honrado sr. ministro da Viação, que tantos serviços tem prestado em sua administração, tão instantemente defendida pelo ilustre sr. dr. Alfredo Ellis no Senado, vem melhorar as condições dos produtores paulistas, podendo talvez baixar a formidável taxa de passagem do café pelas Docas de Santos, tão prejudicial aos interesses dos fazendeiros e da população de São Paulo e de parte do Estado de Minas". – No Jornal do Commercio, 26 de outubro de 1906.

[36] "Era urgente esta providência; a esperteza da poderosa empresa não podia continuar a campear, em detrimento dos mais elevados interesses de todas as classes do Estado. Ao acúmulo de favores que lhe tem sido dispensados, as Docas só têm respondido com o espírito de um verdadeiro Shylock, fazendo de Santos a sua Veneza hebraica". – Diario Popular, São Paulo, 24 de outubro de 1906.

[37] Ao volume dos discursos de Alfredo Ellis, referido atrás e fonte destas citações, precedia, a título de prefácio, uma carta que lhe escreveu o barão de Paranapiacaba. Eram dessa carta as seguintes palavras:

"O discurso que ultimamente proferistes é o epílogo da brilhante campanha, por vós empreendida no Senado, contra a Companhia Docas de Santos, que, depois de prestar ao Estado de São Paulo, especialmente à cidade de Santos, muitos benefícios, tentara manter, a respeito das obras, a que era obrigada em prazo determinado, em provisório indefinido, de que resultava o não conhecimento da renda arrecadada e, portanto, a impossibilidade de fiscalização do Governo para reduzir as monstruosas e ilegais taxas, cobradas do povo pela mesma Companhia. Colocar o direito sobre a verdade é empresa colossal, disse Victor Hugo. Gilliat de músculos e aço, esmagastes os tentáculos do polvo gigante, que sugava as forças econômicas do nosso Estado e que também me alcança, pois vejo, de dia para dia, depreciados os poucos bens de raiz, que em Santos possuo". 16 de novembro de 1906.