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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 05/13/10 11:43:17
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NOTÍCIAS 2010

Minha bicicleta high-tech

Mario Persona [*]

Quando vi pela primeira vez aquele tudo-em-um do iPhone, fiquei com um pé atrás. Será que me acostumo com esse negócio de cineminha e telefone no mesmo aparelho? Se tem uma coisa que detesto é telefone tocando no meio do filme. Você já correu atender um telefone que tocou no filme da TV? Eu também.

Outra coisa me preocupa. Quando todo mundo tiver um iPhone, vai ficar todo mundo igual, como aconteceu com o iPod e seu fonezinho branco. Massificou. Com o iPhone ninguém mais será diferente.

Além disso, o que fazer com aquele monte de apetrechos que hoje carrego? Sim, minha coleção só aumenta! Tenho um celular básico, Palm, câmera fotográfica, filmadora, gravador de mp3, pen drive... Você precisa ver a inveja que causa espalhar tudo isso sobre a mesa numa reunião. Com um iPhone eu não causaria o mesmo impacto.

Tudo bem que não estou mais na idade de querer impressionar, mas e a garotada? Como um garoto vai se diferenciar se todos os garotos forem iguais? No meu tempo eu teria odiado se fizessem isso com as bicicletas.

Naquela época as magrelas vinham peladas e a diversão era enchê-las de penduricalhos. A minha era uma Phillips, do tempo da 2ª Guerra, mas não era preta como a maioria das bicicletas da época. Meu pai mandou pintá-la de vermelho para minha irmã. Ela se cansou e eu herdei a dita.

Bicicleta vermelha, de mulher e sem aquela barra horizontal masculina. Dá pra imaginar? Era sair de casa e atrair a gozação da garotada. Por isso passei a gastar a mesada em acessórios para deixar a bicicleta tão diferente que os meninos se esquecessem de que era de mulher.

Comecei com a campainha que fazia "trrrim-trrrim". Depois foram os canudinhos de plástico coloridos, cortados em pedacinhos e pacientemente colocados nos 72 raios das rodas. Faziam "shek-shek". O garfo dianteiro ganhou um pedaço de radiografia que lambia os raios e fazia "Prrrréééé", igual ao da motocicleta Java do vizinho. Pelo menos eu achava.

"Prrrréééé", "shek-shek", "trrrim-trrrim", "biii-biii!". Não falei do "biii-biii"? Pois é, foi minha próxima aquisição: uma buzina verde movida a pilha que fazia inveja à campainha do outro lado do guidão, junto ao retrovisor. Depois veio o farol com dínamo, todo cromado, que parecia a nave do Flash Gordon. Minha bicicleta ficava cada vez mais high-tech.

Minha volúpia por acessórios não parou aí. Manoplas de borracha com fitinhas coloridas e uma caixinha de ferramentas pendurada atrás do selim vieram em seguida. A cada novo acessório os garotos cercavam minha bicicleta na escola para comentar e invejar. Meu conceito subia.

Quase me esqueci da capa do selim com o símbolo do Palmeiras. Não que eu fosse torcedor, apenas comprei porque combinava com a buzina. A capa era a última palavra em cafonice, com apliques de purpurina e pingentes de cordão de seda. Os palmeirenses pensavam que eu era fã e os corinthianos achavam o contrário. Que fã iria pedalar com o símbolo do clube naquele lugar?

Naquele tempo não havia duas bicicletas iguais, pois o mau gosto dos meninos era bem eclético. Na época, comprar algo com tudo instalado, como o iPhone, seria como comprar um álbum com as figurinhas já coladas. Cadê a graça? Cadê a surpresa? Como se gabar de ter a figurinha do Amarildo, da Seleção de 62, que ninguém tinha?

Agora imagine tudo num aparelhinho só: música, fotos, filmes, celular, câmera, Web, e-mails, mapas... É claro que estou falando da garotada, que quer ser diferente. Para alguém como eu, que não pedala e nem coleciona figurinhas, um iPhone pode até interessar.

Vou poder assistir um filme, enquanto filmo outro, ouço bossa-nova, ligo para os amigos, navego na Web, leio meus e-mails e dirijo procurando o endereço no mapa on-line. Não contei que estava dirigindo? Melhor não...

Mas ainda estou em dúvida se devo ou não comprar um iPhone. É que para mim não ficou claro uma coisa: se o meu iPhone tocar no meio do filme que estou assistindo no próprio iPhone, quem deve atender? Eu ou o ator?

[*] Mario Persona é escritor, palestrante e consultor de comunicação e marketing. Texto disponível em seu site.