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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 04/11/10 22:57:04
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NOTÍCIAS 2010

Cliente de cliente

Mario Persona [*]

É fácil um cliente meu me transformar em cliente seu. Se você duvida, experimente me contratar. Deve ser influência de minha mãe, que me ensinou a ser grato ao Banco do Brasil que contratava meu pai. O banco garantia o salário que permitia pagarmos nossas contas e contrair outras.

Como o mesmo banco já me contratou várias vezes, devo muito a ele, inclusive a obrigação de falar bem. Gosto de falar bem de meus clientes, pois quando eles crescem, eu cresço também. Quanto melhor eles saem na foto, melhor saio eu, que faço parte de sua cena. A relação é simbiótica. Você não pensa assim? Conheço gente que não.

Outro dia ouvi um consultor dizer: "Meu cliente é burro, só faz besteira". Se ele conseguisse ler meus pensamentos saberia que concordei imediatamente. Devia ser muito burro para contratar alguém assim.

Não apenas promovo meus clientes - acabo virando cliente deles. No supermercado, vou direto no café solúvel Iguaçu, que vem com o slogan "O mais cremoso". Depois que fui contratado pela empresa, virei fã. E como poderia ser diferente, se para motivá-los a vender eu precisava acreditar no que vendem?

Por isso não atendo fabricantes de armas, munições e cigarros, ou organizações religiosas. Não me sinto motivado a promover suas marcas ou ajudá-los a crescer, pois não estou inclinado a usar seus produtos e serviços.

Devo confessar que não é fácil ser cliente fiel de quem me contrata. Quer um exemplo? Até agora pneu para mim é Goodyear, mas o que fazer se outros fabricantes me contratarem? Devo rodar com quatro pneus diferentes? Bem, eles vão precisar pagar para descobrir.

De alguns clientes sou cliente até por falta de opção - dos Correios, por exemplo. De outros eu não compro por motivos óbvios: uma colheitadeira John Deere não caberia em minha garagem. Mas sempre que posso eu indico e assino embaixo, como o próprio John Deere assinava seu nome em seus arados.

Quando atendo marcas concorrentes, prefiro que outros decidam em meu lugar. Por exemplo, é o meu médico da Unimed quem decide se o medicamento vai ser Astrazeneca, Aché, Merck Sharp & Dohme, Novartis ou Pfizer. Por que tantos laboratórios me contratam? Deve ser por ter passado dos cinquenta e me considerarem um cliente com potencial.

Às vezes dependo de um cliente para ser cliente de outro. É o caso da Caixa Econômica Federal, que ainda vai me ajudar a comprar um carro da Volvo que atendi. Apesar de meu carro atual não ser um, deve ter sido feito com aço Gerdau ou Villares e usar rolamentos SKF. A Petrobrás faz ele rodar até o Pão de Açúcar para eu comprar o panetone Bauducco, que chega ali num caminhão Volkswagen. Sim, todos também estão na lista de clientes em meu site na Locaweb.

Ainda não uso aparelhos auditivos Phonak, mas tudo indica que um dia eu chego lá. Sempre que treino sua equipe, revelo ter uma perda auditiva que me qualifica como cliente em potencial. Você precisa ver como a turma presta atenção no treinamento e se esmera em aplicar em mim as técnicas de vendas que ensino.

Eu não tinha preferência por xampu, até ser contratado para um ciclo de palestras da linha "Seda Cocriações". Até na Caras a minha foto foi parar. Adivinha o que acabo de usar no banho? Felizmente ainda tenho cabelos para ser fiel à marca, mas minha frustração é com os pés - são grandes demais para calçar um Pimpolho.

Se leu até aqui não o culpo por torcer para eu ser logo contratado por um hospital psiquiátrico. Pode apostar que tem sido difícil viver com essa mania de usar produtos e serviços de empresas que me contratam. Chega a ser aterrorizante.

Não faz muito tempo fui consultado para uma palestra para funcionários de uma penitenciária. Outro pedido veio de um evento para donos de funerárias. Não me neguei a atendê-los, mas fiquei aliviado por não me contratarem. Agora, cada vez que o telefone toca, eu tenho um sobressalto. E se for a De Millus?

[*] Mario Persona é escritor, palestrante e consultor de comunicação e marketing. Texto disponível em seu site.