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NOTÍCIAS 2002

Um, dois, feijão com arroz; três, quatro...

Mário Persona (*)
Colaborador

Meu pai já entrou com vontade de sair. Há muito eu insistia para que almoçasse comigo no restaurante macrobiótico, filosofia que eu engolia sem mastigar. Meu pai aconselhava que eu mastigasse antes de engolir. Estava preocupado. Para quem buscava algo macro, achou que eu ficava cada vez mais micro. Segundo ele, eu estava magro-biótico.

Encontramos lugar na mesa do mais dedicado discipulador de acólitos. Seus seguidores, dentre os quais eu me incluía, o consideravam um verdadeiro mártir. Qualquer guloseima que na boca de um mero aprendiz como eu seria uma heresia, em sua boca ganhava status de experiência científica. Éramos todos iguais, mas ele era o mais igual dentre os iguais.

Quando não estava estudando os efeitos destrutivos do sorvete de abacaxi no organismo, media o grau de influência do venenoso uísque em seu corpo puro. Aliás, sua experiência predileta. Parávamos de bebericar o ban-cha para soltar um "Oh!" de admiração, todas as vezes que ele descrevia como a torta de chantily se mostrava inócua para alguém em seu grau de equilíbrio. Faltava a palavra "hipócrita" na edição do "Vocabulário para Cegos, Surdos e Ingênuos" que utilizávamos.

Em seu livro "Winner's Curse", ou "A Maldição do Vencedor", Richard H. Thaler sugere que "o sucesso pode ser inimigo da inovação". Muitas empresas ficam tão inebriadas com sua pretensa perfeição, que são incapazes de encontrar alguma falta em seus produtos ou serviços. Inconscientes ou não, seus líderes tratam de banir qualquer discussão que coloque em dúvida seu sucesso. Afinal, não existe melhor e ponto final.

Quando as coisas vão mal, põem a culpa na publicidade, jamais no produto. Mas, se não existir coerência e uma contrapartida real, publicidade nenhuma conseguirá levar a mensagem aos ouvidos do cliente e fixar a marca em seu desejo latente. O eco que ela encontrar entre suas orelhas irá fazer a diferença entre marcar ou não sua mente. Marca é o que o cliente pensa do produto, uma espécie de resposta a uma mensagem que reflete a realidade de seu desejo. Caso contrário, é simplesmente ignorada ou descartada.

Acho que há duas formas de fixação de uma marca na mente. A mais conhecida segue a escola pavloviana de condicionamento. Ensina serem necessárias tantas e quantas exposições e repetições para imprimir a marca no verso do couro cabeludo. Algo como se o neurônio dissesse à inoportuna mensagem, "Tá bom, tá bom, eu me lembro de você! Agora me esquece!".

A outra forma de fixação é mais nobre. A marca chega à mente como música, fincando suas âncoras nos sentimentos e deixando sua tatuagem no coração. Uma experiência feita na Universidade da Califórnia parece confirmar isto, ao concluir que a retenção da marca se dá no lado direito do cérebro.

"É deveras intrigante", comentou com a habitual fleuma britânica Robert Jones, estrategista de marcas da Wolff Olins, para a New Scientist. "Isto apóia nossa crença instintiva de que as marcas pertencem a uma classe especial de palavras - são como um poema expresso em uma única palavra, tal a sua capacidade de evocar e expressar idéias."

Separado de meu pai apenas pelo vapor que subia da tigela de arroz integral, o macro-mestre parecia não pensar assim. Tentava convencer com seu proselitismo costumeiro, falando de arroz para uma mente que vagava pelas churrascarias da memória. Quando viu que arrazoar do arroz nem arranhava a razão, passou da tortura verbal para a numérica. Algo como aumentar a freqüência de exposição da marca.

"Você sabia que deve mastigar sessenta vezes para absorver os nutrientes?", perguntou sem esperar resposta. Numa contagem regressiva às avessas, começou a contar as mastigadas de meu pai a cada garfada. "Um, dois, três, quatro... sessenta! Engoliu? Outra vez. Um, dois, três, quatro...". Meu pai engoliu mais aquela. Bem mastigada.

Terminada a refeição, e com os dentes um pouco menores, meu pai se preparava para escapar quando o marketeiro integral arriscou uma pergunta casual, talvez para amenizar a azia que sua prédica causara. "Foi a primeira vez que o senhor veio aqui?". "Não", respondeu meu pai num tom que garantia a audiência de todos os comensais. Depois, fazendo uma pausa para passar a língua nos dentes e sublinhar a próxima frase, arrematou: "Foi a última!"

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante, além de autor dos livros Crônicas de uma Internet de verão, Receitas de grandes negócios e Gestão de mudanças em tempos de oportunidades. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.