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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 03/17/00 19:35:10
A miragem das Bolsas 

Mario Persona (*)
Colaborador

Gosto de visitar lojas de bolsas. Deve ser por causa do cheiro de coisa nova. São lojas confortáveis, pelo menos quando o gerente é homem. Porque ele entende as necessidades dos maridos, e instala poltronas confortáveis para os que ficarão bons momentos ali esperando. E sonhando. Com todas aquelas bolsas, maridos têm tempo e motivo para sonhar.

Meus sonhos geralmente começam com as malas. Elas me fascinam. Olho para um jogo de malas e me imagino em um transatlântico com a proa voltada para a Europa. Ou encaixando aquela valise de mão no porta-bagagem de um jato rumo a Nova Iorque. Há também as carteiras, ocupando um bolso de meus sonhos. Novas e cheirosas. Repletas de cartões de crédito e dinheiro. Dólares, se forem importadas.

Miragem - Mas é tudo falso. Se não quiser voltar à realidade, não abra as carteiras, bolsas, malas e valises em uma loja assim. Nas malas, que pareciam prontas para a viagem, você descobre que o inchaço é causado por papel de seda. Nas carteiras, os cartões de crédito são de papel e o dinheiro é impresso de um lado só. Pastas e valises não contém contratos milionários. Só panfletos com fotos de esguios executivos, de peito e nariz empinados. Tudo bem diferente daquilo que sonhamos.

A miragem das bolsas está atingindo muitos empreendedores do mundo virtual, onde tudo cheira a novo. Não será surpresa se logo começarmos a perceber que o recheio de muitos empreendimentos de Internet não passa de papel de seda. Ou cartões de crédito e dinheiro de brinquedo.

Se isto acontecer, ninguém poderá culpar a Internet. É a miragem da bolsa, o canto de sereia que debilitou o juízo até dos mais controlados. Daqueles que se esqueceram de que um grande negócio só acontece com muita criatividade, planejamento e suor. Só assim se consegue formar uma boa carteira de clientes e, eventualmente, ir parar na bolsa.

Cautela - Em visita ao Brasil, Jerry Yang, presidente do Yahoo, sugere cautela para o mercado financeiro. "Estamos vivendo um tempo incrível na economia americana em termos de altas na Nasdaq. Mas o mercado não sabe avaliar se o Nasdaq é uma bolha, uma coisa irracional". Se fosse brasileiro, Yang certamente teria feito sua afirmação em ritmo de bossa nova. Sentando na calçada de canudo e canequinha.

Tem muito empreendedor de Internet que só está de olho gordo na bolsa. Não a de valores, mas a do investidor. E na carteira. Não de clientes mas também do investidor. É aquele """empreendedor""" - de propósito, entre seis aspas - que cria uma casca para impressionar os donos do dinheiro e ganhar injeções de dólares. Tão ávido pelo dinheiro fácil que, se o investidor perguntar como o projeto vai dar dinheiro, precisa morder a língua para não dizer: "Tirando de otários como você!".

Queda - Mas os investidores já começam a enxergar isso. Talvez seja este um dos motivos pelos quais as ações de empresas B2C (business-to-consumer) caíram, em média, 35% nos últimos 3 meses nos EUA. Um problema cuja origem está na indústria papeleira. Incapaz de produzir papel de seda suficiente para encher tanta bolsa vazia.

Como há investidores migrando do B2C para o B2B (business-to-business), o que mais se vê hoje são empresas de B2C fazendo o mesmo que os investidores. E com a cara mais lavada do mundo, dizendo que seu foco sempre foi B2B. Parece que estamos assistindo a um desenho dos Transformers, tamanha a capacidade dessas empresas de trocar de camisa.

Mas não se transforma um site B2C em uma estrutura B2B da noite para o dia. E incluo aqui, como business-to-consumers, não apenas lojas virtuais, mas sites de busca, portais, sites de notícias e tudo o que atende o público final. Empresas B2B têm uma natureza diferente. Operam nos bastidores, longe dos holofotes. Seu palco inclui o chão de fábrica, entre seus atores encontramos pessoas acostumadas ao ambiente de produção, profissionais de suprimentos e planejamento. Negócios business-to-business não têm o glamour da carroçaria de uma Ferrari, mas têm a utilidade de um motor cheio de óleo escuro. Porque sem este, a máquina não anda. 

Mas tudo isso não significa que o business-to-consumer tenha morrido. De modo nenhum. Está vivo e tem vida longa. Grande parte de tudo o que será consumido no futuro passará pela Web. O que está com os dias contados é o empreendedor oportunista, querendo parecer ser tudo para todos, como aquelas malas de múltiplas alças. Servem para segurar, para levar a tiracolo, para puxar ou empurrar. Empresas assim correm o risco de acabar como caixão sem alça. Nenhum investidor vai querer carregar.

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet.