Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0300h5.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 12/26/15 15:19:32
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM...
1919 - por A Tribuna

Terminava a Primeira Guerra Mundial (o Tratado de Paz fora assinado poucas semanas antes, em 28 de junho de 1919) e a economia mundial se recuperava rapidamente, quando esta crônica sem assinatura foi publicada na primeira página do jornal santista A Tribuna, numa segunda-feira, 18 de agosto de 1919 (ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagem: reprodução parcial da página com a matéria

 

A vida em Santos

A vida, em Santos, timbra pelo entusiasmo, pela movimentação, pelo acelerado. A cidade regurgita, transborda, torna-se pequena pela agitação intensa que comporta, pelo estuar rumorejante da sua vida.

As ruas centrais enchem-se desde cedo, animam-se. É difícil o trânsito, assim como é feito num desordenado ir e vir, num entrecruzar contínuo e apressado de lançadeira.

Por todos os recantos da cidade, a população derrama-se, aglomera-se. Há um latejar de seiva fresca e vibrante nesta vida de atividade moça e viçosa.

O comércio intensifica-se. Abrem-se novas casas de negócio. Multiplicam-se as transações. Navios de grande calado entram e saem a barra, levando e trazendo produtos do país ou para o país. Comboios inúmeros descem a serra pejados de mercadorias e vagarosamente sobem com maior carregamento.

Gentes novas e de diferente falar aparecem na cidade alvoroçadamente, de nariz no ar, curiosas e açodadas. Aparecem e desaparecem.

Rasgam-se ruas. Constroem-se casas. Fundam-se grandes estabelecimentos.

É o burburinho miúdo e formigante. Uma vida de colmeia, em que cada um trabalha e sua. E por sobre este largo ambiente de oficina, em que se respira um jocundo ar de saúde e bem-estar, paira, imperturbável e jovial, uma grande alegria de viver. De todo este enorme e vasto amontoado de casas, em que tanto se labuta, sobre para a altura deste céu, que é sempre lindo, a grande luz de um sorriso perene e franco, aberto e leal.

Santos, sendo a terra em que mais se trabalha, é também a em que mais se vive, com intensidade e vibração.

Tudo, em Santos, transpira virilidade. Este sol vigoroso não permite o amolecimento, a preguiça e o bocejo.. A vida começa cedo, num hinário de luz e de esperança. Vibra em polifonias e em policromias. Não para. É a mó dum moinho gigantesco. Gira-gira sem cessar. Quem vem do apalermamento do interior, habituado às delícias das redes macias, à fumaça lânguida dos cigarros e às enscuvilhices da botica - ao entrar em Santos sente impulsos estranhos que o impelem para a frente, para o movimentado célere da circulação redemoinhante. É como a água parada dos remansos, súbito atraída e levada pelo veio forte das correntes tumultuosas. Tem que agitar-se.

Aqui não há estacionamento de energias. o próprio descanso, sendo, como é, uma das leis do Trabalho, não significa a quietude lassa da molície paralisada. É aproveitado para passeios ao ar livre, para o espairecer nas praias, para o valsar nos salões. É um descanso em que há atividade.

Em todas as partes há gente, burbulha a vida.

Não há temores nem receios no viver do santista. Apesar de comercial por excelência, este povo, acostumado às oscilações dos valores, vivendo entre alternativas de lucros e de perdas, não se preocupa com azares da fortuna ou da desdita, e vive jovialmente nesta movimentação alegre e esfuziante que transforma a cidade num imenso formigueiro buliçoso.

Em Santos nunca passam sombras de pessimismo. Esta gente encara risonhamente o futuro, e vai, pela vida afora, a deslizar sem tropeços e a realizar todas as suas aspirações, como se foram as aspirações de uma só pessoa.

Santos é uma cidade otimista. Todos os seus habitantes desconhecem o desânimo e a descrença. Todos têm confiança em si mesmos. E triunfam.

Os elementos tristonhos, cabisbaixos, marasmados por natureza, não podem medrar aqui. A vida é tão intensa e coordenada, obedecendo a um tal ritmo, que esses estacionários se sentem logo vasculhados e, ou se incorporam à grande marcha ativa da cidade, ou, restolhados, saltam fora, procuram outras plagas em que possam lesmar à vontade.

A assimilação é feita com rapidez. Caldeiam-se os elementos com presteza. E a população é sempre renovada e acrescida.

Outra coisa que merece ressalto especial: - Santos é, talvez, a única cidade comerciante do mundo em que se realizam transações as mais vultosas, tendo para única documentação uma simples troca de palavras, um aperto de mão. Isto é estranho que perdure num centro onde se acotovelam elementos de todas as nacionalidades, num algazarreio de línguas várias e de vários costumes.

O comércio, aqui, tem base segura na honestidade das relações, na confiança absoluta dos comerciantes entre si. Alguém que, mal avisado, transgrida essa boa norma invariável, seja em qualquer profissão, nunca mais se reabilitará. Santos, para todo o sempre, o repelirá do seu convívio. Será um ser colocado à parte.

Santos forma, no seu conjunto, um núcleo tal, de tal coesão, que encerra em si um poder extraordinário no assimilar num momento os que aqui chegam para tentar a vida. impõe logo os seus costumes e os seus hábitos. O indivíduo, ou adapta-se, ou desaparece.

Agora é de ver-se o que vai de estuante e entusiástico na cidade. Com o término da guerra, a estabilidade de relações internacionais, o porto franco ao mundo inteiro, Santos levanta-se galhardamente, chameja e faísca numa agitação em que vibram todos os seus habitantes.

Há expectativas de maiores surtos. Alargam-se os ânimos, enchem-se de entusiasmo os corações.

Santos, cidade otimista por excelência, refulge e esplende como uma grande e luzente oficina em que cem mil almas vivem intensamente.